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2.1. Revisão da literatura

2.1.2. Valores semânticos das condicionais e sua relação com o tempo e modo verbais

2.1.2.2. O tempo e o modo nas hipotéticas

Vários trabalhos associam o modo conjuntivo às hipotéticas (Quirk et al. 1985; Brito 2003; Lobo 2013). Porém, com base em Oliveira (1991), Ferreira (1996), Marques (2016), entre outros, mostrou-se na subsecção 2.1.1.2 que o modo indicativo também é usado em condicionais com interpretação hipotética no PE. As frases de (63) são hipotéticas com o conjuntivo e as frases de (64) são hipotéticas com o indicativo.

(63) a. Se acertar no totoloto, não modificarei o meu comportamento. (Ferreira 1996: 54) b. Se acertasse no totoloto, não modificava o meu comportamento.

(64) a. Se acerto no totoloto, não modifico o meu comportamento. (Ferreira 1996: 54) b. Se acertei no totoloto, não modifico o meu comportamento.

Nas frases de (63), as formas verbais do antecedente apresentam-se no Futuro ou no Pretérito Imperfeito.25 Marques (2010), analisando a semântica dos tempos do conjuntivo, defende que o Futuro do Conjuntivo aponta para possibilidades em aberto no contexto da enunciação, enquanto o Pretérito Imperfeito aponta para outras possibilidades, que não

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Ainda que não seja referido na maioria dos trabalhos sobre o PE, o Pretérito Mais-que-Perfeito também pode ocorrer em condiciaonais com valor hipotético:

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incluem necessariamente t0 ou não pertencem ao context set.26 Partindo deste pressuposto, defendemos que, nas condicionais, o Futuro do Conjuntivo fixa o valor hipotético, ou seja, os morfemas do Futuro do Conjuntivo implicam que a condicional é apenas hipotética. Os tempos verbais com os quais o Futuro do Conjuntivo do antecedente pode coocorrer no consequente são o Futuro, o Presente do Indicativo e as formas do Imperativo (tempos que também podem ser portadoras do traço [+ futuro]; Azevedo 1976).

(65) a. Se acertar no totoloto, não modificarei o meu comportamento. b. Se vieres cedo, vamos jantar fora.

c. Se chegares a casa cedo, telefona-me.

Nestes exemplos, em particular, observa-se que o Futuro do Conjuntivo no antecedente parece induzir tempos verbais que também têm uma referência temporal futura no consequente (Gryner 2008; Justino 2011). Veja-se a agramaticalidade das frases quando ocorre um tempo de referência passada no consequente:

(66) a. *Se acertar no totoloto, não modificava o meu comportamento. b. *Se vieres cedo, íamos [ontem] jantar fora.

c. *Se chegares a casa, telefonaste-me.

A agramaticalidade que se verifica nas frases de (66) é devida ao nexo causal que se estabelece entre o antecedente e o consequente (que implica que o estado de coisas descrito na condicional seja anterior ao que é descrito na oração principal). Aliás, nas dedutivas, é possível a combinação Futuro do Conjuntivo/Pretérito Perfeito (67a,b) e Futuro do Conjuntivo/Futuro epistémico (67c,d), no antecedente e no consequente, respectivamente.

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Context set designa o conjunto das possibilidades que estão em aberto no contexto de enunciação (ou seja, os mundos possíveis compatíveis com o que é assumido pelos intervenientes numa interação discursiva; cf. Marques 2010: 556).

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(67) a. Se o João comer, é porque já recuperou da doença.27

b. Se ele já estiver em casa, é porque saiu mais cedo do trabalho. c. Se o João comer será porque já recuperou da doença.

d. Se o João comer é porque já terá recuperado da doença.

Em relação ao Pretérito Imperfeito do Conjuntivo, observou-se, na linha de Marques (2010), que o mesmo aponta para possibilidades que não estão em aberto em t0. Além disso, mostrou-se, na linha de Ferreira (1996), Brito (2003) e Marques (2010), que tal tempo pode indicar que o estado de coisas descrito é contrário aos factos conhecidos ou é menos provável do que o estado de coisas descrito pela oração com o Futuro do Conjuntivo. Esta última ideia favorece o que já observámos na subsecção 2.1.1.2: o Pretérito Imperfeito simples pode ser ambíguo, permitindo uma leitura hipotética ou uma leitura contrafactual nas condicionais. Em relação à leitura hipotética, defendemos que o Pretérito Imperfeito do Conjuntivo, por defeito, fixa o valor hipotético quando se lhe associa, por exemplo, uma referência temporal futura. Nas frases que se seguem, o tempo do antecedente é posterior a t0, isto é, sofre uma mudança díctica (Crouch 1993, 1994; Ferreira 1996).28

(68) a. Se acertasse no totoloto, não modificava o meu comportamento. b. Se me desses uma ajuda, isto fazia-se depressa. (Marques 2010: 555)29 c. Se alguém abrisse a porta [agora], apanhava um susto.

A interpretação hipotética nas frases de (68) está dependente da possibilidade de o locutor considerar possível que a situação descrita na condicional ocorra num intervalo de tempo que pode sobrepor-se ou ser posterior a t0 (por exemplo: Amanhã vou à casa dos

jogos: se acertasse no totoloto, não modificava o meu comportamento), mesmo que seja

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Nesta frase, observa-se que, usando, em vez do Pretérito, o Futuro do Indicativo, o sentido da frase muda, passando a ter um nexo causal: Se o João comer, então vai recuperar da doença.

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A mudança díctica diz respeito à mudança do tempo de eventos descritos pelos verbos no Pretérito e no Presente para uma interpretação de referência temporal futura. Pode ser primária ou secundária: “primary deictic shift, which can give both past and present tenses futurate interpretations, and secondary deictic shift, which only gives present tenses futurate interpretations” (Crouch 1993: 189). Neste trabalho, não usaremos o termo de forma rigorosa e como definido pelo autor, mas sim sempre que o tempo verbal da condicional permitir qualquer mudança temporal.

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Esta condicional pode ser interpretada como uma hipotética com valor pragmático, caso em que o locutor pede ao seu interlocutor que lhe dê uma ajuda.

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num mundo diferente do real.30 Por vezes, a interpretação hipotética é motivada pelo tipo de predicados que ocorre no antecedente da condicional, que, no caso das frases em apreço, é eventivo, em associação com o tempo do consequente, Imperfeito do Indicativo, ou o modo condicional.31

Para além dos tempos do conjuntivo, emprega-se o Presente do Indicativo em condicionais com interpretação hipotética. Vejam-se as frases de (69):

(69) a. Se acerto no totoloto, não modifico o meu comportamento. (Ferreira 1996: 64) b. Se dás mais um passo, és um homem morto.

Nestes exemplos, observa-se que à leitura hipotética está associado o Presente do Indicativo. A referência temporal dos eventos descritos na condicional é de futuro, ou seja, é posterior a t0. Tal como o Futuro do Conjuntivo, o Presente do Indicativo em (69) aponta para um valor de verdade desconhecido (pelo locutor) no mundo real. Sintaticamente, observa-se ainda que o Presente (tal como o Futuro) coocorre com formas verbais de referência temporal futura no consequente, Futuro do Indicativo ou Presente do Indicativo (70), e não com as de referência temporal passada (71).

(70) a. Se acerto no totoloto, não modificarei / modifico o meu comportamento. b. Se dás mais um passo, serás um homem morto.

(71) a. *Se acerto no totoloto, não modifiquei o meu comportamento. b. *Se dás mais um passo, eras/devias ser um homem morto.

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Recorde-se que Marques (2001) defende que o Imperfeito do Conjuntivo no antecedente introduz uma proposição nova no discurso, sendo parafraseável por imagine-se que.

31 Repare-se que, com o Pretérito Mais-que-Perfeito Composto e Condicional Composto no consequente, apesar de o predicado ser eventivo, a leitura que se obtém, por defeito, é contrafactual – a condicional não teve lugar efetivamente:

i. Se acertasse no totoloto, não tinha modificado o meu comportamento. ii. Se me desses uma ajuda, isto ter-se-ia feito depressa.

iii. Se alguém abrisse a porta, teríamos apanhado um susto.

Nestas construções, o facto de o consequente denotar uma situação que não teve efetivamente lugar parece anular a possibilidade de o antecedente vir a ocorrer num momento posterior a t0. No entanto, como observa Rui Marques (c.p.), nestas frases, a ocorrência da 3.ª pessoa, em vez da 1.ª pessoa (do singular ou do plural), favorece a leitura hipotética.

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Assim, podemos concluir que, com o Presente do Indicativo, há leitura hipotética quando se trata de uma hipótese. Nesse sentido, são impossíveis paráfrases como: ?Quando/*Visto que/*Como acerto no totoloto, não modifico o meu comportamento / *Já

que/ *Como dás um passo, és um homem morto. Deve notar-se que estas frases são

distintas das frases de (72):

(72) a. Se ele parte amanhã, sigo com ele.

b. Se ele vai à China amanhã, deveríamos publicar o seu livro agora.

Estas condicionais admitem facilmente uma interpretação factual – Já que ele parte amanhã, sigo com ele. Ou Se (como dizes) ele parte amanhã, sigo com ele. –, uma interpretação que as de (71) não (ou dificilmente) admitem, conforme demonstrámos no parágrafo anterior (cf. ?Quando acerto no totoloto, não modifico o meu comportamento.).

Por último, as frases de (73) atestam o uso do Pretérito Perfeito do Indicativo em condicionais que podem ter uma leitura hipotética.

(73) a. Os resultados das apostas saem amanhã e, se acertei no totoloto, não modificarei o meu comportamento.

b. Se o Pedro cometeu um crime, tem de ser castigado.

Nestas frases, verifica-se que o que é descrito no antecedente pode apontar para possibilidades em aberto no contexto de enunciação, tendo como referência uma situação no passado. São frases asseridas num contexto em que o falante expressa dúvida em relação à situação descrita pela oração subordinada condicional, sendo o exemplo mais claro o de (73a). Ao contrário desta frase, a frase (73b) é ambígua entre uma leitura hipotética (Caso o Pedro tenha cometido um crime, tem de ser castigado) e uma leitura factual (Se, como dizes, o Pedro cometeu um crime, tem de ser castigado.). Na verdade, muitas das condicionais com Pretérito Perfeito do Indicativo, se apresentadas isoladamente, são ambíguas entre as interpretações factual e hipotética. Esta ambiguidade pode estar relacionada com o facto de o que é assumido como verdadeiro no mundo real (factual) pelo falante x poder não o ser para o falante y (ver a ideia de veridicidade subjetiva em Giannakidou 2013). Pode inferir-se a leitura factual com base na crença de outrem na verdade da proposição e a leitura

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hipotética, com base na incerteza do sujeito enunciador em relação à verdade dessa mesma proposição. Uma discussão mais detalhada sobre este assunto é apresentada na secção 2.1.3. e em Justino (2016).

Do ponto de vista da combinação temporal, deve notar-se que, haja ambiguidade (73b, c) ou não (73a, só hipotética), encontramos, na matriz, o Presente ou o Futuro do Indicativo:

(74) a. Os resultados das apostas saem amanhã e se acertei no totoloto, não modifico/modificarei o meu comportamento.

b. Se o Pedro cometeu um crime, tem/terá de ser castigado.

c. Se a Maria escreveu uma carta ao João, alguma coisa se passa/passará entre eles.

A coocorrência com o Pretérito Perfeito do Indicativo é sempre possível nas frases (74b,c), que, para além de ambíguas, são de nexo dedutivo (75), mas não nas condicionais de nexo causal (76a), tal como acontece nas hipotéticas de Futuro do Conjuntivo (76b).

(75) a. Se o Pedro cometeu um crime, foi castigado.

b. Se a Maria escreveu uma carta ao João, alguma coisa se passou entre eles. (76) a. *Os resultados das apostas saem amanhã e, se acertei no totoloto, não modifiquei o meu comportamento.

b. *Se acertar no totoloto, não modificava o meu comportamento.

Em suma:

 O valor hipotético pode ser expresso por Futuro do Conjuntivo, Pretérito Imperfeito do Conjuntivo, Pretérito Mais-que-Perfeito do Conjuntivo, Presente do Indicativo, Pretérito Perfeito do Indicativo e Pretérito Imperfeito do Indicativo (em condicionais com predicados estativos e com um PPT passado: se o João estava na festa, a Maria também estava, parafraseável por não sei se o João estava na festa, mas, se realmente estava, a Maria também estava.).

 O Futuro do Conjuntivo é o tempo não marcado, já que induz apenas a leitura hipotética.

 O Pretérito Imperfeito e o Pretérito Mais-que-Perfeito do Conjuntivo, bem como tempos do indicativo são marcados quanto à fixação do valor hipotético. Esta leitura,

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por vezes, decorre (i) da mudança do tempo do que está descrito no presente ou no passado para uma referência temporal futura, incluindo os contextos em que está envolvido um efeito pragmático, como um ato de fala diretivo indirecto, ou (ii) da expressão de uma atitude epistémica fraca da parte do falante relativamente à situação descrita no antecedente, sobretudo com os tempos do indicativo.