• Nenhum resultado encontrado

TENDÊNCIAS DO TEATRO BRASILEIRO

No documento JOSÉ APARECIDO MARINHO (páginas 161-168)

6 A POLÍTICA INTERNA E EXTERNA AO FILO

6.1 TENDÊNCIAS DO TEATRO BRASILEIRO

364 DOTTO NETO, I; Costa, M. M. Entreatos: teatro em Curitiba de 1981 a 1985. Curitiba, 2000, p. 26.

365 Teatro. Folha de Londrina, 03 abr. 1982. Caderno 2, p. 1.

366 JACON, N. Entrevista concedida ao pesquisador. Curitiba, 10 set. 2004.

0 perfil político assumido desde o início pelo FILO, independentemente de encampação pela Universidade Estadual de Londrina, no ano seguinte.

A partir daí, o movimento teatral toma forma e começa a se estruturar como uma proposta não só de formação e informação teatral para os grupos e seus integrantes, mas também como um palco de discussões mais amplas que questionavam e apresentavam propostas que transcendiam a fronteira do teatro, ou melhor, propostas que apontavam o teatro como um instrumento de transformação do homem e, por conseguinte, da sociedade em geral, uma sociedade então amordaçada pela censura que impedia a livre manifestação artística.

Dentro dessa visão de transformação social, as pessoas que eram enfoque ideológico em todas as diretrizes do festival, principalmente quando da redação de documentos ou cartas de princípios nas quais se enfocavam os rumos que o movimento deveria tomar. Os próprios debates, que eram religiosamente realizados após cada espetáculo, eram uma forma de politizar todas as discussões. Não tínham os a ingenuidade de achar que iríamos derrubar a ditadura de cima do palco, mas tínhamos a convicção de que algo deveria ser feito para contrapor à intensa propaganda ideológica,

verdadeira lavagem cerebral, da qual era vitima todo o povo brasileiro. O teatro era a nossa arma e, com certeza, se grandes atores não se formaram no seio do movimento, seguramente, dali saíram muitas pessoas, homens e mulheres, armadas de um pensamento novo para enfrentar com mais clareza a luta não só pela liberdade de expressão, mas pelo direito de viver numa terra livre de opressão e miséria.367

Deste modo, percebe-se que do ponto de vista estético, o Festival, desde o seu início, prima por linguagens do teatro político, com a montagem de textos nacionais desta natureza, como foram Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes.

Um de seus autores, Giafrancesco Guarnieri, sempre serviu de referência ao movimento e cultivava amizades com integrantes do teatro londrinense.

Nitis Jacon, que na década de 1950, fazia teatro em Curitiba e chegou a ganhar prêmios nacionais como melhor atriz por sua atuação no espetáculo Uma autora em busca de personagens, de Didi Fonseca, transitava com facilidade pelo eixo Rio-São Paulo e mantinha contatos principalmente com o fundador do Teatro do Estudante do Brasil (TEB), Paschoal Carlos Magno. O TEB foi criado em 1938, deflagrando o movimento de privilegiar a montagem de espetáculos de autores nacionais, visando aplacar o predomínio de encenações de peças faladas no português de Portugal.

O teatro universitário surgido em Londrina, na opinião de Nitis Jacon, é uma modalidade do teatro estudantil, imbricado com o sentido dado ao teatro amador, de ser praticado sem ganhos financeiros. A nomenclatura de teatro amador, estudantil ou universitário, de acordo com a diretora do Festival, depende do momento histórico e do contexto: “As classificações eram circunstanciais, dependiam da época e da circunstância. Eu classifico o teatro em bom ou mau teatro. Este seria aquele que descumpria suas origens no humanismo, na ética e sua função social, visando exclusivamente o lucro. Fosse ele profissional ou amador.

Este, claro, pagava e não ganhava”.368

367 THEODORO, A. Entrevista ao pesquisador. Londrina, 28 mai. 2004.

368 JACON, N. Entrevista concedida ao pesquisador. Curitiba, 10 set. 2004.

Além da ênfase dada à discussão dos espetáculos apresentados desde os primeiros anos de existência do Festival, juntamente com cursos, congressos, oficinas, atividades de reciclagem e de atualização dos grupos, Nitis Jacon comenta que procurava aliar o aprendizado técnico ao estudo teórico dos participantes do grupo. Ela diz que discutiam muito num primeiro momento as teorias e técnicas de Constantin Stanilavski e Bertolt Brecht - principalmente deste, por causa da questão do distanciamento. Posteriormente, aproximaram-se do polonês Jerzy Grotowski e, também, leram obras de Antonin Artaud, promoveram estudos e seminários sobre o teatro do absurdo. A técnica de distanciamento brechtiano foi estudada e aplicada na montagem de Guernica, o espetáculo que provocou polêmica em 1975 ao ser considerado hermético.

Ao mesmo tempo, a primeira década de existência do Festival de Londrina é marcada também pelo trabalho de criação de novos grupos de teatro, principalmente em escolas e na periferia da cidade. O desmembramento do grupo NÚCLEO resultou na formação de outros grupos, com destaque para o Meta, ligado a estudantes secundaristas; o Teatro Gente, que se dedicava ao teatro popular numa escola da periferia; e o TED, que fazia teatro infantil.

A idéia já vinha sendo discutida pelo grupo havia algum tempo, visto que, com o advento da universidade e fim das faculdades isoladas, os grupos teatrais universitários deixaram de existir. E como a finalidade era manter um movimento teatral de vanguarda, revolucionário, a intenção era ampliá-lo para o maior número de pessoas.

Além dos grupos formados, os integrantes do NÚCLEO, antes de se desligarem da UEL e parte deles se indisporem com Nitis Jacon, faziam palestras em escolas, promoviam cursos relâmpagos de interpretação e, acima de tudo, muita agitação política, com a coordenação da própria diretora. Depois da cisão no movimento, em 1975, o trabalho continuou por algum tempo. Apoio Theodoro destaca que o movimento foi também um aliado incondicional da luta estudantil e

estava sempre à disposição do DCE para montagens relâmpagos dirigidas, sempre com o intuito de despertar a consciência das pessoas e repudiar a ditadura. “Foi um dos períodos mais ricos do movimento, tanto no que diz respeito a montagens quanto no que se refere a discussões sobre política teatral e política em geral.”369

Apoio Theodoro, por exemplo, dirigiu o Grupo de Teatro Gente, composto por alunos da Escola Estadual Antonio de Moraes Barros, do jardim Bandeirantes, na região Oeste de Londrina.

Foi uma experiência marcante em minha vida dada a maneira como o trabalho foi realizado. O próprio recrutamento dos atores era feito de uma forma inovadora: além daqueles jovens que demonstravam algum pendor artístico, dava-se preferência àqueles alunos que tinham alguma dificuldade de comunicação e timidez. E foi muito gratificante ver jovens pisando pela primeira vez num palco e rompendo suas limitações; também era muito estimulante vê-los discutindo temas de realidade brasileira que, na época, por medo ou comodismo, estavam ausentes das salas de aula. O grupo, até o seu final em 1979, realizou inúmeras montagens e chegou mesmo a ter um repertório com três espetáculos montados. As apresentações eram feitas em qualquer lugar, desde praças a salões de paróquias e até debaixo de um poste bem iluminado fizemos apresentações. As peças, quase sempre, eram seguidas de debate com o público já que a nossa intenção era provocar discussões que colocavam em cheque o modelo econômico/social vigente.370

O Grupo de Teatro Gente montou espetáculos que procuravam estimular a identificação do público. Em 1975, exibiu As desventuras de um morto vivo, escrito por Domingos Pellegrini Junior, um dos participantes do movimento que defendia a facilidade de compreensão das peças.

Neste aspecto, os anos 70 são apresentados como marco no surgimento do teatro do cotidiano, quando alguns autores transportam o foco dos grandes acontecimentos para a história de pessoas comuns. Em casos como na montagem de Guernica e As Troianas, a diretora Nitis Jacon optou por trabalhar com metáforas.

Os grupos descendentes do NÚCLEO, trilharam caminhos diferentes, ao retratar episódios comuns, porém com propostas semelhantes, à medida em que visavam

369 THEODORO, A. Entrevista concedida ao pesquisador. Londrina, 28 mai. 2004.

370 ld.

públicos diferentes - estes, a população mais simples, aquela, os universitários.

Em terras distantes, a tendência do teatro do cotidiano era o enredo simples e linear da vida das pessoas. Assim fez tanto o alemão Franz Xaver Kroetz, voltado a retratar o proletariado371, como os franceses Michel Vinaver e Michel Deutsch. Este último, defendia que “as peças, os espetáculos deviam ser leves, nervosos e próximos das ‘pessoas’; as produções e os circuitos deviam ser concebidos para sustentar tais projetos.”372

Neste aspecto, o teórico francês Jean-Pierre Ryngaert defende que a corrente do cotidiano, embora tenha sucumbido, às vezes, ao combatido “tranche de v/e”373 ou narcisismo de alguns autores, deu um novo impulso à escrita teatral. Mas os anos 80 chegam com uma nova ordem mundial. Na opinião de Ryngaert, o teatro passa a ser marcado cada vez mais pelo espetáculo e pela diversão, em virtude da dissolução de ideologias, o que promove uma perda de referências. Michel Deutsh afina mais este discurso: “Com o enunciado da esquerda tendo se tornado discurso de poder, o teatro se considerou liberado do protesto, da oposição.”374

No Brasil, a década é marcada pelo fim do regime militar e o movimento teatral, anteriormente submetido e sufocado à repressão, começa a respirar outros ares, num período de transição para a democracia. Em Londrina, de acordo com

371 CARLSON, M. Teorias do teatro: estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade.

Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Unesp, 1997. p. 450.

2 RYNGAERT. J-P. Ler o teatro contemporâneo. Trad. Andréa Stahel M. da Silva São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 54.

373 Segundo Luis Paulo Vasconcellos, citado por Ryngaert: '"Term o geralmente usado no original, em francês. Em tradução literal significa ‘fatia da vida’. Trata-se de uma expressão adotada pelo naturalismo para definir o grau de similitude com a realidade a ser alcançada pelo drama. De acordo com tal conceito, a peça não devia deixar transparecer qualquer organização interior, em termos de ação ou personagem, mas, ao contrário, mostrar fatos e acontecimentos como se estes acontecessem ao sabor do acaso, como na realidade [...]"'. (Apud RYNGAERT, Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 54.)

374 RYNGAERT. J-P. Ler o teatro contemporâneo..., p. 57.

Nitis Jacon, o cenário traz consigo uma profunda crise de identidade, que vai determinar na busca de uma nova estética para o Festival de Teatro.

O período de transição foi uma crise de linguagem para o teatro. Durante a ditadura havíamos desenvolvido técnicas e linguagem metafórica para uma comunicação com o público sem os riscos da censura. Funcionava bem. Porém, com a abertura da transição democrática, os livros, músicas e filmes que haviam sido proibidos ressurgiram e nossa linguagem se tornara inútil. O teatro, havia sido uma principais frente de resistência pela comunicação direta com o público, estava aí a sua força.375

Deste modo, houve a perda desta linguagem e, acima de tudo, “um desalento muito grande”376, porque se via alguns políticos, algumas pessoas, que tinham se calado, se omitido, até sido denunciantes durante o tempo da ditadura, apropriando-se do discurso que teria levado o pessoal do teatro para a prisão até alguns meses antes. “Eles usavam o discurso que o povo queria escutar e que entendia no teatro através da metáfora. Aí, alguns demagogos começaram a ganhar votos em cima de uma coisa que haviam passado 20 anos sem dizer, calados, e às vezes contribuindo para a permanência daquele estado. Isso foi muito duro para nós.”377

Nitis Jacon conta que o teatro ficou sem linguagem e sem discurso. Então, muitas pessoas partiram para um trabalho mais elaborado, esteticamente mais formal, procurando textos diferentes dos anteriores, que já tinham sido muito trabalhados, pois não dava para fazer aquelas peças de novo, do mesmo jeito, sem metáfora - e fazer com metáforas, conforme haviam sido concebidas, não tinha mais sentido.

Foi um momento de crise. Muitos grupos partiram para experiências mais radicais. O Zé Celso (Martinez) fazendo ‘happening’. Nós fomos para montagens mais elaboradas, porque era complicado. Não tínham os mais uma linguagem, não tínhamos mais o que dizer, já tínhamos dito tudo durante a ditadura, metaforicamente. Foi um momento de

375 JACON, N. Entrevista concedida ao pesquisador. Curitiba, 10 set. 2004.

376 Id.

377 Id.

grande perplexidade, de frustração para nós. Realmente ficamos sem pé, sem chão.378

A partir de tal constatação, o teatro amador perdeu uma de suas principais referências, que era abordar assuntos muitas vezes proibidos ao teatro profissional.

Isso representava ameaça à continuidade do Festival de Londrina e, por isso, surgiu um dilema: ou dava um salto, ou parava, porque a sua proposta ficava ultrapassada.

Nitis Jacon comenta que não queria mais aquilo, ao analisar como os festivais, que durante a ditadura eram uma frente de resistência, se repetiam. “Agora vamos relaxar, ficar sentados na nossa trincheira? Não. Não tem sentido.”379

Ela sugeriu a realização de um festival latino-americano, que nunca tinha havido no Brasil. A proposta de Nitis Jacon estava baseada no período entre 1971 e 1972, quando viajou por vários países da América Latina e encontrou situações semelhantes à realidade brasileira da época. Conversou a respeito com os integrantes do PROTEU e, ao retornarem de um festival no México, onde apresentaram o espetáculo ZYDrina, partiram para a organização da primeira edição da Mostra Latino Americana. Foi o princípio de novas estéticas para o Festival de Londrina.

O cenário heterogêneo, de descobertas e troca de informações, foi se ampliando, principalmente porque, no segundo ano da Mostra Latino Americana, percebeu-se que as produções tinham sofrido muito com as ditaduras em todos os lugares e que, quando faziam produção de êxito, ficavam cinco, seis anos em cartaz.

Como não dava para ficar repetindo espetáculos, a partir de 1990 foi aberto espaço para países de outros continentes, nascendo, então, o Festival Internacional de Londrina (FILO).

No documento JOSÉ APARECIDO MARINHO (páginas 161-168)

Documentos relacionados