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Tendo incertezas e estresse na internação

No documento deniserocharaimundoleone (páginas 97-100)

6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE PRELIMINAR DOS DADOS

6.2 COMPREENDENDO AS DEMANDAS DE AUTOCUIDADO

6.2.2 Codificação Axial: Reagrupando os dados empíricos

6.2.2.2 Realizando a diálise peritoneal no domicílio e estando

6.2.2.2.3 Tendo incertezas e estresse na internação

A necessidade de hospitalização, independentemente de qual o motivo, exige do indivíduo uma capacidade de adaptação às mudanças que ocorreram no seu modo de viver. Ao ser internado em uma instituição hospitalar, este passa a seguir as rotinas estabelecidas pela instituição, diminuindo, assim, sua autonomia e, por vezes, como já registrado pela literatura, “até despersonalizando o indivíduo”, dependendo do tempo de internação. Essas mudanças geram sentimentos como medo, ansiedade e desconforto (COSTA; SILVA; LIMA, 2010; COSTA; SAMPAIO, 2015).

Ao analisar as entrevistas realizadas, compreende-se que a necessidade de internação para o indivíduo que realiza a DP no domicílio acarreta estresse e ansiedade não apenas pela internação em si, mas também pela necessidade de continuidade do tratamento dialítico.

As causas de internações dos entrevistados variaram em cada indivíduo e nem sempre estavam relacionadas à DRC e ao tratamento dialítico. Internação para investigação de dor abdominal, cirurgia de coluna, retirada de fístula e tratamento da peritonite foram relatadas como motivos de internação.

Os entrevistados que realizam a DP no domicílio e que precisaram ser internados tiveram três opções: fazer hemodiálise durante a internação, solicitar a

um familiar ou pessoa próxima capacitada para realização do procedimento dialítico que vá todos os dias na instituição para a efetivação desta ou até mesmo ficar sem diálise, como foi o caso da entrevistada que estava internada em um serviço de pronto socorro e não foi autorizada a realizar a DP lá. A opção ofertada para cada paciente dependeu do local da hospitalização.

Na internação na XXX [Serviço de Urgência e Emergência], eles não aceitam que faça por causa de infecção, então fiquei três dias sem fazer. Aí depois fui transferida para o YYY [Hospital do serviço de diálise] e lá fiquei uma noite sem fazer, aí depois, no outro dia de manhã, eu fui lá para o XXX [Serviço de diálise] e fiz lá e depois voltei. Aí, no outro dia, tive alta também [Tulipa].

Eu estava no XXX [Hospital], eu fiquei internado ano passado [...] e o que eu fiz para não fazer hemodiálise, levei a máquina, arrumei uma mesa, entendeu? Deu tudo certo, graças a Deus [...] a minha mulher e a minha irmã que fizeram para mim, ninguém conhecia, parecia ser um bicho de sete cabeças [...] teve um dia que eles tiveram que cortar a máquina, né, desligar cortando, porque o cara não sabia, né, aí veio uma parafernália de pano que vem com avental protegido e tudo esterilizado, aí quebrou e arrebentou, abriu tudo, aconteceu que tirou tudo com maior cuidado, com luva e era uma coisa simples [...]. O YYY [médico do serviço de diálise] comentou depois que ouviu os enfermeiros comentando “nossa, coitado do rapaz, vai ter que fazer hemodiálise porque não conseguiu fazer a diálise peritoneal”. Eu estava lá e ele já tinha me visto, mas como não era ele que estava me olhando, ele não foi lá no quarto, mas como ele escutou esse problema, ele chamou o rapaz e explicou como resolver [Crisântemo].

Fiquei internado porque encheu o pericárdio, eles operaram para poder tirar o líquido e tirou muito líquido! muito líquido do pericárdio, muito líquido desse pulmão de cá, mas estou bem, graças a Deus [...]. Naquele tempo, eu já fazia a diálise [peritoneal], mas lá foi feito por aqui [mostrou a fístula], não foi feito a diálise peritoneal não [Bálsamo].

As falas acima retratam a questão da falta de preparo das instituições que realizam internações para com os pacientes que realizam DP. Vale ressaltar que esse despreparo contempla os hospitais públicos e particulares da realidade da pesquisa, pois essas internações ocorreram em instituições públicas e privadas. Salienta-se que, ao relatarem que a equipe não sabe o procedimento, os entrevistados apresentam o domínio das habilidades requeridas.

Entende-se que se trata de uma prática especializada e, portanto, seria interessante que as instituições mantivessem convênio com as clínicas de diálise para que, caso necessário, os funcionários destas se desloquem até o hospital para a realização do procedimento, assim como acontece quando existe a necessidade de hemodiálise.

Nos casos em que a internação se dava no hospital onde era locado o serviço de diálise de referência desses pacientes, os mesmos foram deslocados ao centro de diálise para fazer o tratamento durante o dia, horário em que o serviço de diálise peritoneal funcionava. Esse fluxo de atendimento evitava a necessidade de um responsável se deslocar até o hospital para a efetivação do tratamento.

Outra questão que sobressai na análise dos trechos das falas de Bálsamo e Tulipa é a perda da autonomia dos mesmos durante a hospitalização. Escolher a terapia de substituição renal a ser realizada como tratamento para a DRC é um direito das pessoas que apresentam esta doença como diagnóstico. Uma vez que os entrevistados necessitam de internação e não podem realizar a DP durante esse período, o seu direito está sendo negligenciado (BRASIL, 2014b).

Segundo Carretta; Bettinelli e Erdmann (2011, p.960), “a autonomia sugere tomada de decisão deliberada ou mais livre, preservação da integridade e individualidade, baseada em aspirações, valores, crenças e objetivos particulares de cada ser”. Porém, a tomada de decisão durante uma hospitalização está circundada de questões administrativas e burocráticas que são inerentes à instituição hospitalar, e, no caso dos entrevistados, por vezes, estas impossibilitaram a realização da terapia dialítica.

Associada à perda de autonomia durante a internação, constata-se a restrição na realização das atividades de autocuidado, o que causa maior dependência de familiares para realização da terapia neste período.

Ademais, assim como em outros pontos da RAS, a falta de conhecimento dos profissionais que atuam na atenção terciária também foi evidenciada nos dados, conforme trechos de falas a seguir.

Nos hospitais, eles não têm conhecimento, aí você tem que ficar explicando o que é e como que funciona. Só uma vez que eu fui no hospital XXX, que uma médica de lá sabia, também ela era conhecida da Doutora YYY [médica do serviço de DP] [Lisianto].

Você vai no hospital fazer alguma coisa, aí você tem que explicar que você é paciente renal e que faz diálise peritoneal, como que é, como que faz, porque o pessoal não conhece [Gerbera].

Novamente, ficou evidente a vulnerabilidade à qual o indivíduo que realiza a DP no domicílio está exposto e a necessidade de proporcionar educação

permanente aos profissionais da atenção terciária acerca da temática da DRC, seus tratamentos e implicações.

Acredita-se, diante do exposto, que, assim como com a APS, não há comunicação e consequentemente inexiste um sistema de referência e contrarreferência eficiente e eficaz entre a atenção terciária e o serviço de diálise. Isso contraria o princípio da integralidade do SUS. Destaca-se que manter comunicação com as equipes multiprofissionais dos demais componentes da RAS é uma atribuição do serviço de nefrologia, segundo a Portaria nº 389 de 13 de março de 2014, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2014a).

Salienta-se que todos os participantes são usuários do SUS e consequentemente são submetidos a um mesmo fluxo e modelo de organização da RAS. Ao analisar o ponto de vista destes sobre seus percursos de busca e a obtenção dos cuidados na RAS, identifica-se, entre outros elementos, a existência de rupturas, fragmentações, ausência de vínculos com a Atenção Primária, desconhecimento sobre existência de Serviço de Atenção Domiciliar, vínculo principal com serviço especializado de nefrologia.

No documento deniserocharaimundoleone (páginas 97-100)