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5 Possíveis teorias que fundamentam a imprevisão e a quebra

5.9 Teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico

Como consequência do meio no qual está inserido, não se olvide que o contrato é reflexo das condições sociais existentes. Por isso, antes de sua formação, as partes são levadas a contratar por certas condições da realidade, formulando suas intenções segundo circunstâncias de caráter geral, tais como o poder aquisitivo da moeda e segurança nas transações econômico-financeiras.

Dessarte, se após a conclusão do acordo ocorrerem transformações essenciais que impliquem necessariamente na modificação da linha mestra do pacto originário acarretando diferentes conclusões daquelas anteriormente pretendidas pelas partes, é mais do que certo que o ordenamento jurídico deverá guarnecer tais situações a fim de que injustiças não se perpetuem em nome do rigorismo formal. Daí porque Clóvis do Couto e Silva264 leciona que:

A base objetiva do negócio jurídico decorre de uma ‘tensão’ ou ‘polaridade’ entre os aspectos voluntaristas do contrato – aspecto subjetivo – e o seu meio econômico – aspecto institucional – o que relativiza, nas situações mais dramáticas, a aludida vontade, para permitir a adaptação do contrato a realidade subjacente.

262

Cass. 25 junho de 1952, n. 1883, apud BESSONE, Mario. Ob. cit. p. 88.

263

BESSONE, Mario. Ob. cit. p. 134/135..

264

COUTO E SILVA, Clovis do. A teoria da base do negócio jurídico. In: FRADERA. Véra Maria Jacob de (Org.). O direito privado brasileiro na perspectiva de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 93/94.

Portanto, a base objetiva do negócio jurídico é formada pelas representações das partes quando da conclusão do contrato sobre as circunstâncias que levaram a sua formação, sendo que tais condições são erguidas pelos contratantes como pilares fundamentais da avença. Pode ser caracterizada pela permanência de uma série de condições econômicas que delimitam o contrato, o qual está indissoluvelmente atrelado à conjectura econômica, que não é perene, pois nela se reflete a ordem social. Posto isto, o fato é que o contexto econômico-social amolda os contornos contratuais.

É que, para Larenz265, a base objetiva é formada pelas:

Circunstâncias e pelo estado geral das coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato subsista, segundo o significado das intenções de ambas as partes, como regulação dotada de sentido.

Logo, considerando que o equilíbrio do contrato diz respeito ao contexto econômico-social, o contrato deixa de ser visto como um instituto jurídico que se relaciona apenas às partes, pois, acima de tudo, está umbilicalmente ligado a corpo social. Dessa relação advém a responsabilidade do Estado pela justiça contratual, privilegiando-se a adaptação das avenças às circunstâncias econômicas em detrimento da simples e pura extinção por inadimplemento do pacto.

Confrontando-se os pressupostos da teoria da base do negócio jurídico com aqueles da teoria da imprevisão, nota-se que a primeira exige condições mais flexíveis, pois não requer a imprevisibilidade dos acontecimentos como requisito essencial capaz de desestabilizar o critério econômico-financeiro do contrato. Daí porque se conclui que a teoria da base do negócio jurídico possibilita com maior facilidade a revisão contratual pela modificação das condições, pois não exige a imprevisibilidade do fato gerador do desequilíbrio. Inclusive, existem decisões judiciais266 nesse sentido, registrando-se, in verbis:

265

Ob. cit. p. 170.

266 Apelação Cível nº 193.051.083 da 4ª Câmara Cível do TJRS, Relator Desembargador Márcio

Não se perquire mais, como na Teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria. Com efeito, o fato pode ser previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial.

Inobstante as críticas de teorias posteriores a da base objetiva do negócio jurídico267, fato é que ainda possui utilidade a distinção entre base subjetiva e objetiva, pois o § 313 do BGB, quando da reforma do direito das obrigações, acolheu as duas vertentes. 268

A seguir, serão tratadas as duas situações descritas por Karl Larenz que caracterizariam a quebra da base objetiva do negócio jurídico: destruição da relação de equivalência e impossibilidade de alcançar o fim do contrato.

5.9.1 Destruição da relação de equivalência

Caracteriza quebra da base objetiva do negócio jurídico a destruição da relação de equivalência, pois é dispensável que as prestações recíprocas num contrato bilateral, no qual cada uma das partes se obriga por uma prestação previamente fixada na avença, sejam equivalentes segundo um critério objetivo.

Isso porque o bastante apenas que cada uma das partes considere a outra prestação como uma compensação suficiente, dentro de um juízo subjetivo das partes no contrato. Destarte, eventuais desequilíbrios com caráter objetivo não terão repercussão sobre a natureza contratual. O contrato permanecerá oneroso se os contratantes atribuírem às vantagens e desvantagens numa simples e pura relação

267

Josef Esser, apud MENEZES CORDEIRO, ob. cit. p. 1048 e 1949. Ver também Enneccerus- Lehmann, apud SERRA, Adriano Pais da Silva Vaz. Manuel de Andrade, Civilista. Boletim da faculdade de direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1959, v. 35, p. 35, nota 42.

268

Nesse sentido, VELENCOSO, Luz Maria Martínez. La Alteración de las circunstancias contractuales. Madrid: Civitas, 2003, p. 34.

de equivalência.

Daí porque Larenz269 ensina que as relações pertinentes ao contrato devem ser condizentes com a “justiça compensatória”, que não se refere apenas à equivalência das prestações, mas, além disso, à distribuição equânime de riscos e responsabilidades inerentes ao acordo.

É condição do contrato bilateral que cada parte receba por sua prestação um determinado equivalente, o qual, inclusive, poderá ser menor que o valor de mercado, mas que poderá ser recebido como equivalente pela parte que irá recebê- lo. Logo, depreende-se que é da essência do contrato bilateral a relação de reciprocidade da prestação e contraprestação das partes. Daí porque o contrato bilateral tende a perder seu sentido quando, por conta de modificações circunstanciais, a relação de equivalência se transformar ao ponto de não se poder falar em contraprestação. Em tese, nesse momento, a base do negócio não mais subsiste.

Nesse caso, caindo por terra a base do negócio jurídico, a alteração é de tamanho porte que impossibilita a finalidade precípua do contrato, isto é, o manejo de prestação e contraprestação consideradas pelas partes como equivalentes. Daí porque considera a doutrina de Larenz atentar contra a boa-fé a exigência do cumprimento da obrigação por uma das partes quando a simbiose entre as prestações se tenha alterado a pondo de não corresponderem numa relação de proporcionalidade.

5.9.2 Frustração da finalidade contratual

A frustração da finalidade do contrato apenas interfere na continuidade da relação contratual quando disser respeito a uma finalidade comum entre as partes, ou seja, a finalidade objetiva do contrato. Trata-se da perda de utilidade da própria

269

LARENZ, Karl. Derecho civil: Parte General. Caracas: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978, p. 61.

prestação por um dos contratantes, o qual não mais terá razões para adimplir a avença considerando o desaparecimento do motivo que gerou a contratação.

A impossibilidade de alcançar o fim do contrato por razões externos e não relacionados ao risco natural da negociação dá ensejo ao desaparecimento da permanência da obrigação. Isso porque, nas palavras de Pontes de Miranda270:

Deixa de subsistir a base do negócio jurídico (...): b.) se não se pode obter a finalidade objetiva do negócio jurídico, ainda que possível a prestação, entendendo-se que a finalidade de um dos figurantes, que o outro admitiu, é objetiva (= subjetiva comum).

Os casos de frustração dizem respeito à avença que ainda era possível de ser adimplida conforme seu critério material, porém sem razão de ser para uma das partes, pois incongruente com a estruturação do contrato preconizado inicialmente pelas partes. Tal frustração decorre dos seguintes fatores: impossibilidade de se alcançar a finalidade do contrato, quando inútil para a parte que o desejava ou a finalidade conquistada por meios diversos271. À guisa de exemplo, cita-se o caso de uma empresa que contrata campanha publicitária de certo produto, mas antes do início, tal produto é considerado proibido por portaria governamental272.