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Teoria da titularidade com base em princípios históricos

3.3 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM ROBERT NOZICK

3.3.2 Teoria da titularidade com base em princípios históricos

Segundo a teoria da titularidade, uma distribuição justa de bens e riquezas tem de ser histórica, ou seja, tem que se levar em conta o que ocorreu no momento anterior para avaliar a legitimidade moral da posse de uma propriedade. De acordo com essa teoria, o fato de uma pessoa possuir um número superior de propriedades ou bens, por si só, não configura uma injustiça, é necessário avaliar o histórico da aquisição. Segundo Nozick, em geral, as pessoas aceitam a concepção de que a justiça de uma situação qualquer só pode ser estabelecida com base no histórico da cada circunstância. O filósofo cita como exemplo as situações em que uma pessoa é presa.

Se algumas pessoas são presas por terem cometido assassinatos ou crimes de guerra, não dizemos que, para avaliar a justiça da distribuição na sociedade, temos de olhar somente para aquilo que essa pessoa tem, que aquela outra tem, que aquela outra também tem... no presente momento. Consideramos importante perguntar se alguma delas fez algo que o tornar-se merecedora de punição, merecedora de uma parcela menos importante (NOZICK, 2011, p. 198).

Portanto, na teoria da titularidade, antes de se afirmar que uma determinada situação de desigualdade é injusta, é preciso ponderar o histórico do momento antecedente para confirmar se há alguma degeneração ou ilegalidade no processo que gerou tal condição. A teoria da titularidade afirma que as concepções políticas que visam a promoção do bem-estar social erram, pois, em geral, se baseiam apenas na condição social que existe no momento presente, sem olhar para o que passou, fundamentando seus princípios apenas no resultado final. Cito as palavras de Nozick.

A economia do bem-estar social é a teoria dos princípios de justiça baseados no que existe em determinado momento. A teoria é concebida como se seu funcionamento ocorresse a partir de matrizes que expressam apenas a informação atual sobre a distribuição. Isso, assim como algumas das condições habituais, garante que a economia do bem-estar social será uma teoria baseada no que existe

em determinado momento, com todos os inconvenientes que isso acarreta (NOZICK, 2011, p. 198).

No final desta citação percebe-se que Nozick usa a expressão: ―com todos os inconvenientes que isso acarreta‖. Com esta colocação, ele está querendo dizer que toda vez que um processo de redistribuição é realizado com o intuito de proporcionar uma melhora no nível de bem-estar social, sem considerar o tempo passado, o poder estatal aventura-se em cometer uma injustiça maior ainda com aqueles que conquistaram suas posses de maneira legítima. Para ele, se não existe uma injustiça na aquisição de um bem, a diferença social entre os indivíduos também não pode ser moralmente censurável. Neste caso, injusta seria a ação estatal em retirar de um indivíduo aquilo que ele conquistou por mérito. Vejamos as palavras de Nozick.

Os princípios históricos de justiça sustentam que circunstâncias ou ações passadas podem criar direitos diferentes ou merecimentos distintos às coisas. Ao passarmos de uma distribuição para outra, estruturalmente idênticas, podemos cometer uma injustiça, pois, ainda que tenha o mesmo perfil, a segunda pode violar os direitos de

propriedade ou os merecimentos das pessoas, pois pode não refletir a história real (NOZICK, 2011, p. 199, grifo nosso).

Em síntese, para Nozick a ideia de padronização econômica, por meio de uma redistribuição de renda impositiva, é imoral porque anula totalmente o mérito do esforço individual. É através de suas críticas às tentativas estatais de estabelecer um padrão econômico ideal para sociedade, que Nozick revela o que existe de mais importante na teoria da titularidade, a saber: que a justiça distributiva deve estar sempre fundamentada em princípios históricos, pois são eles que possibilitam que o poder estatal respeite a liberdade negativa de cada indivíduo. Isto é, se o indivíduo alcançou um determinado padrão social de maneira legítima, não há qualquer justificativa moral para violar a liberdade individual do cidadão. Há uma passagem fundamental, em AEU, para compreender a importância dos princípios históricos em Nozick.

Imaginar que a tarefa da teoria da justiça distributiva é preencher os espaços no enunciado ―a cada um conforme___________‖ é estar predisposto a procurar um padrão; e o tratamento separado dado a ―de cada um conforme sua_________‖ considera a produção e a distribuição dois assuntos distintos e independentes. Do ponto de vista da teoria da titularidade, essas questões não são independentes. Qualquer pessoa que produza algo, tendo comprado ou contratado todos os outros recursos utilizados no processor (transferindo parte de seus bens em troca desses fatores auxiliares), tem direito a isso. Não se trata de uma situação na qual um bem foi produzido e não sabemos quem deve ficar com ele. As coisas já aparecem no mundo ligadas as pessoas que têm titularidade sobre elas. Do ponto de vista da justiça na distribuição das posses com base na titularidade, os que partem do zero para completar ―a cada um conforme a sua_________‖ tratam os objetos como se tivessem surgido do nada (NOZICK, 2011, p. 205).

Segundo Nozick, as teorias que buscam uma padronização na partilha de bens e riquezas, sem valorizar o histórico passado de cada situação, são arbitrárias por que tratam as coisas como se tivessem surgido do nada. Por exemplo, quando uma estrutura governamental propõe políticas redistributivas a partir da máxima ―a cada um segundo as suas necessidades‖, sem se atentar para a origem do recurso que deseja partilhar, ela está violando a liberdade individual daquele que possuí o recurso. Para Nozick, o fato de um indivíduo menos favorecido necessitar de auxílio para sobreviver, não serve de justificativa moral para que o Estado confisque e redistribua os bens ou a renda daquele que os conquistou de maneira honesta. Como foi dito por Nozick na passagem acima, a teoria da titularidade não entende que os conceitos de produção e distribuição devam ser tratados como questões distintas em uma estrutura econômica ou social, ou seja, no entendimento nozickiano, aquele que produz algo tem direito a ele e ninguém pode fazer nada com este recurso sem a autorização expressa do proprietário.

Discordando das teorias que tentam padronizar a economia ou pelo menos minimizar as desigualdades sociais de maneira artificial, Nozick afirma que essas teorias sempre se verão obrigadas a propor uma estrutura estatal que viola a liberdade individual. Isto porque, em qualquer sociedade que exista o mínimo de liberdade individual a possibilidade de se manter um padrão econômico ideal de maneira espontânea é inexistente. Segundo Nozick, para manter um padrão socioeconômico mais igualitário, o Estado terá de intervir constantemente na

economia e confiscar, arbitrariamente, o fruto do trabalho das pessoas que mais se esforçam. Assim sendo, a redistribuição por meios compulsórios é sempre imoral.

Princípios padronizados de justiça distributiva requerem atividades redistributivas. É pequena a probabilidade de que qualquer conjunto de bens constituído de maneira verdadeiramente livre esteja ajustado a determinado padrão; e, à medida que as trocas e as doações acontecem entre as pessoas, a probabilidade de que ele continue ajustado ao padrão é zero. Do ponto de vista da teoria da titularidade, a redistribuição é um assunto realmente sério, pelo fato de implicar, como é o caso, a violação dos direitos das pessoas (NOZICK, 2011, p. 216, grifo nosso).

Para reforçar ainda mais sua aversão ao redistributivismo, Nozick afirma que mesmo em sociedades onde não há garantias ou proteção à liberdade individual, sempre existirão pessoas que se dedicam mais que as outras em seu oficío e que, consequentemente, possuirão um capital maior99. Diante disso, ele questiona se haveria bons motivos morais para obrigar os mais talentosos e esforçados a ajudar os menos favorecidos. Segundo Nozick, ao impor taxações compulsórias com o objetivo de auxiliar os menos afortunados, o Estado está a colocar, de maneira ilegítima100, um fardo sobre aqueles que se dedicam a trabalhar para alcançar seus objetivos. Em outras palavras, a redistribuição pune inclusive o trabalhador mais pobre que se dedica a cada dia para melhorar sua renda.

Por que deveríamos tratar o homem, cuja felicidade requer certos bens materiais ou serviços, de forma diferente do homem cujas preferências e desejos tornam tais coisas desnecessárias para sua felicidade? Por que deveria o homem que prefere ir ao cinema (e tem que ganhar dinheiro extra para comprar o ingresso) ser objeto da exigência obrigatória de ajudar os necessitados, enquanto que a pessoa que prefere apreciar o pôr-do-sol (e daí não ganha nenhum dinheiro extra) não é? De fato, não surpreende que os

redistributivistas optem por não incomodar a pessoa cujos

99

Neste ponto, Nozick está pensando na possibilidade de que mesmo em uma sociedade onde aconteça uma padronização salarial, é de se imaginar que algumas pessoas poupem mais dinheiro que as outras, ou então, se dediquem a trabalhos extras fora do seu horário de expediente do emprego principal. (Cf. NOZICK, 2011, p. 206 – 211).

100 Aqui o termo ―ilegítimo‖ deve ser entendido em sentido moral. Isto é, mesmo que as ações

redistributivas estejam em conformidade com uma legislação, ou seja, com o direito positivo, Nozick entende que o processo estará fundamentado em leis moralmente condenáveis.

prazeres são assim tão facilmente conseguidos sem trabalho extra,

enquanto acrescentam mais um fardo ao pobre infeliz que tem de trabalhar para obter seus prazeres (NOZICK, 2011, p. 219, grifo

nosso).

Não resta menor a dúvida que Nozick rejeita a concepção de Estado redistributivo, pois considera a intervenção estatal uma violação da liberdade individual. Apoiado na ideia de restrições morais indiretas, que se baseia na ideia kantiana de fim em si mesmo, a teoria nozickiana sustenta que ainda que as políticas afirmativas representem um avanço no nível de justiça social em uma sociedade, quando financiadas por tributações coercitivas, elas não devem ser utilizadas, pois, violam a liberdade negativa dos cidadãos101 (Cf. NOZICK, 2011, p. 192).

De modo resumido, Nozick afirma que ―os princípios históricos de justiça sustentam que as circunstâncias ou ações passadas, podem criar direitos diferentes ou merecimentos distintos às coisas‖ (NOZICK, 2011, p. 199). Assim sendo, uma vez demonstrado o repúdio nozickiano a toda e qualquer ação estatal redistributiva e a importância dos princípios de justiça serem históricos, passamos à análise do que Nozick considera ser uma distribuição moralmente justa.