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Teoria da troca e controlo social

Capítulo II – Contributos teórico-metodológicos da sociologia para o estudo da violência

2.2. Teorias microsociológicas

2.2.2 Teoria da troca e controlo social

A possibilidade que se formulou na combinação entre a teoria do comportamento humano e a teoria do controlo social, originou a teoria da troca e do controlo social, mostrando- se a assim como outro recuso teórico para a elucidação das ocorrências de violência conjugal.

Na década de 80 do século passado, o autor Gelles in Dias (2010) baseou-se nas premissas de ambas as teorias referidas anteriormente para compreender o fenómeno da violência doméstica. Segundo a teoria explicativa do comportamento humano, “os indivíduos

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dos custos” (Ibidem: 169). De acordo com esta premissa, os indivíduos apenas se vão preocupar

com comportamentos que lhes podem conferir gratificações, evitando assim aqueles que lhes podem proporcionar custos. No que diz respeito à outra teoria do controlo social, esta tem sido utilizada essencialmente para a explicação dos fenómenos de delinquência juvenil, defendendo que existem mecanismos de controlo na sociedade que fazem com que os crimes não acontecem, não que esquecendo que estes mesmos crimes são fenómenos que integram a sociedade. Nas situações ou em contextos onde os mecanismos de controlo não são tão eficazes ou simplesmente não existem, a probabilidade de ocorrerem crimes aumenta significativamente (Bersani e Chen in (Dias, 2010)).

Gelles ao conjugar os fundamentos destas duas teorias apresentou um modelo integrador que pudesse explicar a VD, considerando que os indivíduos procuram alcançar os seus benefícios, evitando punições ou custos com base nas suas ações. O outro indivíduo sujeito a este tipo de interação, fica em divida até que o primeiro seja recompensado. Quando esta expectativa de benefícios e gratificações sofre uma rutura, no caso da família traduz-se no momento em que um dos cônjuges não recebe os benefícios esperados, existem fortes probabilidades de ocorrerem situações de violência (Ibidem: 169). Os benefícios podem ser manifestações de amor, carinho, dinheiro, admiração, que apesar de muitos destes serem sentimentos de cariz subjetivo e de dificuldade elevada na sua quantificação, os sentimentos de injustiça e frustração provocados pela sua ausência acumulam-se e podem dar origem a conflitos e atos violentos.

No seguimento da conjugação das duas teorias referidas à VD, Gelles in Dias (2010) considera pode ser expectável a ocorrência de situações de VD no seio familiar, uma vez que os indivíduos agressores/as não esperam que os custos dos seus atos ultrapassem os benefícios, nomeadamente porque os mecanismos de controlo social e as possíveis sanções sobre os agressores/as não são conjeturáveis. Conclui este autor como premissa geral o seguinte: “as

pessoas agridem e abusam dos outros membros da família porque podem”. Na sequência desta

tese principal surgiram outras que concretizam as situações mais particulares da violência doméstica:

“Os membros da família têm maior tendência para recorrer à violência doméstica

no lar quando esperam que os custos daí recorrentes sejam inferiores às recompensas”;

“A audiência de mecanismos de controlo social eficientes sobre as relações

familiares diminui os custos que os membros da família poderão sofrer ao agirem de forma violenta entre si”;

“Certas estruturas sociais e familiares servem para reduzir o controlo social das

relações familiares e, consequentemente, reduzem os custos e/ou aumentam os benefícios da violência” (Ibidem: 169).

39 O mesmo autor refere igualmente três fatores que ajudam, na sua perspetiva, a limitar a intensidade do controlo social sobre a família, assim como as repercussões negativas que advêm das atitudes e comportamentos violentos, que são eles: desigualdade, privacidade e a imagem do homem real (real man).

O primeiro fator de desigualdade mostra-nos que a existência de uma estrutura normativa de poder na sociedade e no interior da família que por si só promove situações de desigualdade entre os membros, quer a nível sexual, quer geracional. Esta desigualdade diz propriamente respeito à inferioridade de oportunidades e possibilidade que a mulher tem em comparação com o homem, uma vez que normalmente são os homens quem possuem os maiores rendimentos e status mais elevado possibilitando que “a desigualdade no lar reduz, quer o

controlo social sobre as relações familiares, quer os custos para os indivíduos que são violentos” (Dias, 2010: 170).

O segundo fator refere-se à existência de uma natureza privada na família, natureza esta que diminui drasticamente os níveis de controlo social no seio deste grupo. A privacidade das famílias reflete-se igualmente na acessibilidade que estas poderiam ter às estruturas sociais de apoio e às instituições legais de segurança pública. Neste sentido pode dizer-se que a privacidade das famílias é uma característica facilitadora da redução dos mecanismos de controlo sociais, permitindo que os indivíduos continuem a manter as suas gratificações decorrentes dos atos violentos (Ibidem, 2010).

O último fator está relacionado ao rótulo que pode ser imputado ao homem que pratica atos violentos sobre a mulher. Por sua vez este rótulo pode não resultar numa perda de status social, isto porque em determinadas culturas, o custo que advém dos atos violentos praticados sobre as mulheres, apresenta significados positivos e motivo de grandeza para o homem. Esta imagem positiva atribuída ao homem nestas culturas, vai contribuir para a redução significativa do controlo social sobre estes indivíduos e mais propriamente sobre a família.

Este modelo fornece importantes contributos para a explicação da permanência da mulher junto do cônjuge mesmo sofrendo atos de violência doméstica, em que a principal explicação se traduz na falta de alternativas para a vida desta. Nos diminutos casos em que a mulher consegue efetuar uma rutura familiar e procurar uma alternativa, é considerada a fase mais complicada e perigosa para si. No momento em que o homem percebe que perdeu o controlo sobre a situação e a dominação sobre a mulher sofreu uma rutura, sente que os custos dessa situação podem sofrer uma alteração, a introdução de outras variáveis como a intervenção da polícia, pode ser interpretado pelo homem como “já não ter nada a perder”. Geles refere que “quanto menos os homens tenham a perder pelo facto de serem violentos, e menor forem os riscos de serem detidos, mais violentos eles podem ser, por outro lado, quanto mais tenham a perder por serem detidos e publicamente identificados como agressores/as, menor é a probabilidade de voltarem a ser violentos” (Gelles in (Dias, 2010: 172)).

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Passando agora às limitações deste modelo teórico que como todos os outros igualmente as possui, no entanto teve importantes implicações na implementação de modelos de intervenção sobre a VD. Uma dessas implicações positivas refere que a forma de prevenir a VD é aumentar o controlo social sobre as famílias, reduzindo os níveis de isolamento destas das instituições sociais. A redução do fechamento das famílias permitiria não só um aumento dos níveis de assistência prestados, como uma redução efetiva das situações de violência (Ibidem: 174)

Este modelo teórico não prevê porém situações onde, em famílias perfeitamente integradas na comunidade podem igualmente ocorrer situações de VD, onde os custos para os agressores/as são extremamente reduzidos uma vez que estas famílias estão menos sujeitas à intervenção das entidades de segurança e sociais. Fica a questão de porquê ocorrerem situações de violência nestas famílias.

Uma outra questão que não obteve resposta à luz deste modelo teórico tem que ver com o motivo de se optar pela violência para dar resposta à falta de reciprocidade entre os membros, revelando este modelo dificuldade de operacionalização quando se trata do domínio das relações intimas.

Para concluir a discussão em torno deste modelo teórico, de referir que os níveis de desigualdade na família devem ser amenizados tendo em vista a obtenção de uma maior reciprocidade entre os membros durante as suas relações familiares, diminuindo assim o risco de conflitos e violência (Gelles in (Dias, 2010)).