• Nenhum resultado encontrado

A TEORIA DE JACQUES LACAN

J a c q u e s Lacan, p s i c a n a l i s t a f r ancis, p r e t e n d e resg_a tar os c o n c e i t o s da obra de Freud da m a s s a c o n f u s a de defini ções e r e d i f i n i ç õ e s . A i n t e r p r e t a ç ã o l a c a n i a n a qu e r ser a_u t e n t i c a m e n t e e s t r u t u r a 1ista - b a s e i a - s e no m o d e l o da L i n g ü í ^ tica E s t r u t u r a l na m e d i d a em que não nega seus v í n c u l o s com F. S a u s s u r e e R. J a k o b s o n - e, como tal, v a l o r i z a s o b r e m a n e i ra a linguagem. Sua o p i n i ã o é de que os i n t é r p r e t e s têm o l ­ v i d a d o m u i t o s a s p e c t o s e s s e n c i a i s da d e s c o b e r t a revolucion_á ria de Freud por f a l t a r - l h e s o ponto de v i s t a a d e q u a d o : as r e l a ç õ e s entre s i g n i f i c a n t e e s i g n i f i c a d o , p r i n c i p a l m e n t e , já que nada pode ser c o n h e c i d o , nem ter r e a l i d a d e , s e não p e ­ la e na linguagem. Desde já, a d i m e n s ã o l i n g ü í s t i c a f r e u d i a na, base da i n t e r p r e t a ç ã o p s i c a l í t i c a lacaniana, d e s t a c a - s e n o t a d a m e n t e nas obras A I n t e r p r e t a ç ã o dos S o n h o s , □ Chi s t e e suá R e l a ç ã o com o I n c o n s c i e n t e e P s i c o l o g i a da Vida C o t i d i a -

na. Com isto, p e r c e b e m o s , de imedi a t o , que Lacan a p l i c a o m £ de l o l i n g ü í s t i c o aos dados p s i c a n a l í t i c o s .

P r o p õ e uma c o m p r e e n s ã o do s u j e i t o s e g u n d o u m e s q u e m a e s c a l o n a d o em e s t r u t u r a s . Estas re ú n e m a d i s t i n ç ã o tópicafreu_ d i ana de c o n s c i e n t e , p r é - c o n s c i e n t e e i n c o n s c i e n t e . 0 i n c o n ^

ciente s eria uma e s t r u t u r a segunda, m a r c a d a pela consciêji cia. Eis, então, a p r i n c i p a l tese lacaniana; 0 i n c o n s c i e n t e é e s t r u t u r a d o c o m o uma linguagem.

1. 0 I n c o n s c i e n t e e a Lin g u a g e m : A u t o n o m i a do S i g n i f i c a n t e

0 s i g n o s a u s s u r i a n o une um c o n c e i t o e uma im a g e m a c ú s ­ tica, isto é, a r e p r e s e n t a ç ã o da p a l a v r a f o r a d e to d a r e a l i z £ ção de fala, pois a i m a g e m a c ú s t i c a não é o som mas a i m p r e ^ são p s í q u i c a do som, e n q u a n t o o c o n c e i t o não é a coisa. F. S a u s s u r e propõe que se d e n o m i n e a ima g e m acústica: " s i g n i f ^ cante" e o conceito: " s i g n i f i c a d o ” . 0 signo seria, então, a u n i f i c a ç ã o de um s i g n i f i c a n t e com um s i g n i f i c a d o , ato que er^ g e n d r a a s i g n i f i c a ç ã o .

S i g n i f i c a n t e e s i g n i f i c a d o são para Lacan duas redes de relações que não se recobrem. S i g n i f i c a n t e e s i g n i f i c a d o são "ordens d i s t i n t a s e s e p a r a d a s i n i c i a l m e n t e por uma b a r r e i r a r e s i s t e n t e ã s i g n i f i c a ç ã o " . (Lacan, 1967:260).

Esta b a rra r e s i s t e n t e ã s i g n i f i c a ç ã o e s t a b e l e c e uma re_ lação entre s i g n i f i c a n t e e s i g n i f i c a d o neste alg o r i t m o :

Nele, a b a r r a d e n u n c i a p r e c i s a m e n t e a a u t o n o m i a do s i g n i f i c a n t e (S) com r e s p e i t o a todo s i g n i f i c a d o p r e e s t a b e l £ cido. Ao s e p a r a r o s i g n i f i c a n t e do s i g n i f i c a d o - em Sauss u r e , s i g n i f i c a n t e e s i g n i f i c a d a eram dois a s p e c t o s c o m p l e m e n t a r e s e i n d i s s o c i á v e i s da u n i d a d e do s i g n o - Lacan d e s t a c a o s t a t u s s i g n i f i c a t i v o do s i g n i f i c a n t e , sua c a p a c i d a d e de p r o d u z i r e- f eitos de s i g n i f i c a d o . A rede de r e l a ç õ e s do s i g n i f i c a n t e com põe a e s t r u t u r a s i n c r ô n i c a do m a t e r i a l da l i n g u a g e m e n q u a n t o cada e l e m e n t o tem aí seu lugar p r ó p r i o e a f u n ç ã o p r e c i s a de "ser d i f e r e n t e dos outros. A rede de r e l a ç õ e s do s i g n i f i c a d o r£:

p r e s e n t a o c o n j u n t o d i a c r ô n i c o dos d i s c u r s o s c o n c r e t a m e n t e pr£ n u n c iados, que reage h i s t o r i c a m e n t e sobre o p r i m e i r o , mas s£ fre em c o n t r a p a r t i d a o i n f l u x o d e t e r m i n a n t e das leis e s t r u t ^ rais deste último". (Nogueira, 1978:34). Em outras palavras, o s i g n i f i c a n t e sofre uma l i b e r a l i z a ç ã o total: r o m p e - s e o par^a l e l i s m o e n tre s i g n i f i c a n t e e s i g n i f i c a d o ; cai a i n d i s s o c i a b i - lidade do signo, q u e s t i o n a n d o -se a r e l a ç ã o de r e p r e s e n t a ç ã o da r e a l i d a d e do signo. C o n s e q ü e n t e m e n t e , o r e f e r e n t e flutua. 0 s i g n i f i c a d o desliza-' sob o s i g n i f i c a n t e . A s i g n i f i c a ç ã o é e x c l u s i v a da c a d e i a de s i g n i f i c a n t e s . A barra se d e n s i f i c a t o r n a n d o - s e r e s i s t e n t e ã s i g n i f i c a ç ã o . □ s i g n i f i c a n t e torna- se autônomo.

A a r b i t r a r i e d a d e do s igno p o s s i b i l i t a o fato de um si^ g n i f i c a n t e e s t a r s u j e i t o a v a r i a d a s a p l i c a ç õ e s p o 1 i s s i m i c a s . Vej a - s e , por exemplo, o que a c o n t e c e q u a n d o se diz "manga". _! m e d i a t a m e n t e , i n s t a l a - s e uma a m b i g ü i d a d e , uma i n d e t e r m i n a ç ã o de sentido. E n q u a n t o se to m a o s i g n i f i c a n t e i s o l a d a m e n t e , não há m a n e i r a de a f i r m a r de f o r m a r e s o l u t a e c e rta seu s i g n i f i c a

do. ü p r e d o m í n i o d este ou d a q u e l e s i g n i f i c a d o só é d e f i n i d o g r a ç a s à p r e s e n ç a de outros s i g n i f i c a n t e s , isto é, f u n d a - s e na m a t e r i a l i d a d e f ô n i c a ou g r á f i c a da letra, r e m e t e n d o ã he_ t e r o g e n e i d a d e da m e n s a g e m a p o i a d a n e ssa letra. T a m b é m a p o n t a para um d i s c u r s o d i s s o c i a d o de sen t i d o , e n t e n d e n d o - s e por s e n t i d o a i n t e nc i on a 1 i d ade do sujeito. (.Vallejo S M a g a l h ã e s , 1981:138]. Nisto, há de se c o n s i d e r a r que, se o s i g n i f i c a n t e r e s p o n d e ã f u n ç ã o de r e p r e s e n t a r o s i g n i f i c a d o , o s e n t i d o de um t e x t o se r e s o l v e r i a pela a n á l i s e de s i m p l e s sign i f i c a n t e s . 0 s i g n i f i c a n t e supõe uma f u n ç ã o em que, pelo menos, dois e 1 e^ m entos e s t e j a m r e l a c i o n a d o s em um jogo de a l t e r n â n c i a e d i f £

rença.

A e s t r u t u r a do s i g n i f i c a n t e re v e l a duas p r o p r i e d a d e s : a p r i m e i r a , que reduz os s ignif ican t e s "a e l e m e n t o s diferen^ ciais últim o s " ; a segunda, que se compõe s e g u n d o ”as leis de uma ordem f e c h a d a " . CLacan, 1978:231-2].

Os e l e m e n t o s d i f e r e n c i a i s só a d q u i r e m s i g n i f i c a ç ã o q u a n d o i n t e g r a d o s em s i s t e m a s , e, assim sendo, são e l a b o r ^ dos de f o r m a i n c o n s c i e n t e . De fato, o s i s t e m a f o n o l ó g i c o pe£ mite o a c e s s o ao i n c o n s c i e n t e po r q u e sua o r g a n i z a ç ã o lógica i n d e p e n d e da c o n s c i ê n c i a do falante. Ora, m e s m o c o n h e c e n d o o s i s t e m a que usa, o f a l a n t e não pode f a z e r uso d e sse c o n h £ ci m e n t o no m o m e n t o que fala. é a b s o l u t a m e n t e certo--que se o i n d i v í d u o q u i s e s s e p e n s a r todas as o p o s i ç õ e s que r e a l i z a em uma s i m p l e s p alavra, não a r t i c u l a r i a uma f r ase s e q u e r . ^

Esta tese já h a v i a sido d e f e n d i d a por N. T r u b e t z K o y , na obra La P h o n o l o g i e A c t u e l l e , c onforme atesta Luiz- Costa Lima in E s t r u t u r a l i s m o e T e o r i a da L i t e r a t u r a , 1973: p. 245.

A p r i m e i r a p r o p r i e d a d e , a que r e duz os s i g n i f i c a n t e s a e l e m e n t o s d i f e r e n c i a i s ú l timos, e n f a t i z a d a por Lacan em I n s ­ t â n c i a da L e t r a ,- m o s t r a a c a r a c t e r í s t i c a l o c a l i z a d a da

letra como um e l e m e n t o cujos topos reside numa c o m b i n a t ó r i a .

Aqui é p o s s í v e l o b s e r v a r que não são os c o n t e ú d o s que são i n c o n s c i e n t e s ( crítica aos a r q u é t i p o s de Jung], mas as formas, is t o é, a f u n ç ã o s i m bólica. (Lacan, op. cit.:223-59]. Em Lacan, a d e s c r i ç ã o do i m a g i n á r i o c o l e t i v o deve ser f e ita pelas suas f o r m a s e f u nções, não pelos seus temas. 0 quequer dizer: por seus s i g n i f i c a n t e s e não por seus s i g n i f i c a d o s . A penas as f o r m a s são c o n s t a n t e s e nisso o põem-se ã v a r i a b i l i ­ dade dos c o n teúdos. (Barthes, 1971:27).

Q u a n t o ã s e g u n d a p r o p r i e d a d e do s i g n i f i c a n t e , a de se c o m p o r s e g u n d o as leis de uma ordem f e c h a d a ( c o d i f i c a ç ã o ) , Lacan a f i r m a a n e c e s s i d a d e de um s u b s t r a t o t o p o l ó g i c o c h a m £ do por ele c a d e i a s i g n i f i c a n t e : "anéis f o r m a n d o um c olar que se en l a ç a no anel de um outro c o lar f e i t o de anéis". (Lacan, op. cit.:232). Os s i g n i f i c a n t e s ligam-se uns aos outros numa d upla v i n c u l a ç ã o : s u b s t i t u i ç ã o e c o m p o s i ç ã o , isto é, a r t i c u ­

lação s i s t e m á t i c a e s i n t a g m á t i c a . A c a d e i a s i g n i f i c a n t e d e ­ m o n s t r a que a b usca de s i g n i f i c a ç ã o só se e f e t u a na correl_a

ção e x i s t e n t e entre os s i g n i f i c a n t e s . Ora, "o s e n t i d o não existe fo r a da p r o p o s i ç ã o " (Deleuze, 1975:23), pois, é p r ó ­ prio das coisas serem e x p r i m í v e i s por m e i o de p r o p o s i ç õ e s . Mas se, assim é, t a m b é m é p r ó p r i o das p r o p o s i ç õ e s s erem v e r d ^ deiras ou falsas. Por outro lado, o s e n t i d o ' d e uma prop o s i ção só pode ser r e f e r i d o por outra p r o p o s i ç ã o e assim

r e c o r r e r a outras p a l a v r a s que d e s i g n e m o s e n t i d o do que d ^ go, tem-se que para cada p a l a v r a a l i n g u a g e m con t é m uma outra p a l a v r a que d e s i g n a o sentido". (Magalhães, 1976:11}. Isto d £ m o n s t r a que a l i n g u a g e m está acima de quem fala, pois quem fala é i n c a p a z de d i z e r o s e n t i d o de sua p r o p o s i ç ã o , já que a l i n g u a g e m fa l a a t r a v é s de suas p r ó p r i a s p a l a v r a s e o s e n t i ­ do c o n s t i t u i - s e no e x p r i m í v e l da p r o p o s i ç ã o e no a t r i b u t o das

coisas. Ca d a p a l a v r a na frase a d q uire um s e n t i d o pa r a o jogo i n t e r - r e l a c i o n a 1 dos e l e m e n t o s p r o p o s i c i o n a i s , mas, ao m e s m o tempo, esse s e n t i d o não é jamais f i x a d o de m a n e i r a estável- ”Na cadeia s i g n i f i c a n t e o s e n t i d o insiste, mas ne n h u m elemejn to da ca d e i a c o n s i s t e na s i g n i f i c a ç ã o " . (Ibid.:30).

Como se observa, Lacan p r e t e n d e que a e s t r u t u r a do s i g n i f i c a n t e seja igual ã e s t r u t u r a da língua, isto é, a r t i c £

lada. 0 s i g n i f i c a n t e , d este p o n t o de vista, deve ser c o n s i d e ­ rado como p onto de i n t e r s e c ç ã o de um s i s t e m a de r e l a ç õ e s d i f £ renciais. N e s t e aspecto, c o n s i d e r e m - s e os e l e m e n t o s f o n e m á t ^ COS que não são a n a l i s a d o s por seus c o n t e ú d o s , mas pela r e l £ ção f o r m a l de d i f e r e n ç a , c o m b i n a n d o -se s e g u n d o as leis de um código. "Não i n t e r e s s a a c o n s t â n c i a f o n é t i c a na v a r i a b i 1 idade c o m b i n a t ó r i a , mas o s i s t e m a s i n c r ô n i c o dos pares di f e r e n c i a i s , □s f o n e m a s p o d e m ser p r o n u n c i a d o s de d i f e r e n t e s m a n e i r a s , mes mo num só d i s c u r s o , mas não se pode e m p r e g a r o /p/ por /t/ ou o /p/ por /b/; essa é a d i f e r e n ç a que deve ser m a n t i d a a p e s a r das v a r i a ç õ e s mo d u lat ó r i a s . (...) se a d i f e r e n ç a ou a varija ç ã o d e p r o n ú n c i a levasse ao d e s c o n h e c i m e n t o da d i f e r e n ç a f o n £ máti c a , não h a v e r i a c o m p r e e n s ã o na l í n g u a ” . (Vallejo & H a g ^ Ihães, op. c i t . : 1 3 0 - l ] . Deste modo, "a f o n o l o g i a d e m o n s t r a a

p r i m a z i a do i n c o n s c i e n t e como o p e r a d o r lógico, r e p o s i t ó r i o dos e s q u e m a s m e n t a i s comuns a toda a h u m a n i d a d e , que vão con£ t i t u i r - s e c o m o c o n d i ç ã o b á s i c a para a a p r e e n s ã o dos mais d i v e r s o s s i s t e m a s s i m b ó l i c o s " . CFarias, 1975:10).

A tese c e n t r a l de Lacan é que o i n c o n s c i e n t e é e s t r u ­ t u r a d o c o m o linguagem. Isto s i g n i f i c a que o i n c o n s c i e n t e tem a m e s m a e s t r u t u r a da linguagem, e m b o r a e s t e j a e x c l u í d a a pó t e s e de que o i n c o n s c i e n t e seja um a m o n t o a d o de palavras. 0 i n c o n s c i e n t e tem uma e s t r u t u r a precisa, s e n d o ela m e s m a a

S que d e f i n e o a l g o r i t m o — .

A o rdem do i n c o n s c i e n t e é f u n d a d a em duas leis c o n s t ^ t u t i v a s que F reud c a r a c t e r i z o u como des l o c a m e n t o e c o n d e n s a ­ ção e, co m o tal, para Lacan, o i n c o n s c i e n t e não é um não s £ bido, mas uma d e t e r m i n a ç ã o sim b ó l i c a , ü i n c o n s c i e n t e não é um r e s e r v a t ó r i o i n s t i n t i v o . A c r í t i c a de Lacan ã c o n c e p ç ã o b i o l ó g i c a do i n c o n s c i e n t e d e s t a c a a d i f e r e n ç a que e x i s t e e n ­ tre a t e o r i a f r e u d i a n a da a s s o c i a ç ã o e a t e o r i a e m p i r i s t a da a s s o c i a ç ã o . Esta, p r e s e n t e em H a r t mann, e n t e n d i a o s o nho como c o m p o s i ç ã o p i c t ó r i c a . Aliás, " H a rtmann, e s f o r ç o u - s e por m o s t r a r a e x i s t ê n c i a do p s i q u i s m o onde o b s e r v a m o s o f i s i o l ó ­ gico" (Filloux, 1966:18), ou seja, s e g u n d o a sua visão, é p o s s í v e l i n t r o d u z i r o p s i q u i s m o até m e s m o na m a téria.

A t e o r i a f r e u d i a n a da as s':o ciação, por sua vez, e n t e n ­ de 0 s onho como uma d i m e n s ã o e s t r i t a m e n t e s i m b ó l i c a dos e l e ­ m e n t o s de uma c o m b i n a t ó r i a . 0 que i m p o r t a não é a ima g e m on^ ri c a como c o n t e ú d o , mas a c o m b i n a t ó r i a fo r m a l que está em jogo, o m e c a n i s m o s i g n i f i c a n t e .

A q u e s t ã o do i n c o n s c i e n t e t a m b é m não se limita ao mai t e r i a l l i n g ü í s t i c o , v i s t o que "toca no p onto mais sen s í v e l da n a t u r e z a da linguagem: a q u e s t ã o do sujeitc3». 0 s u j e i t o não pode ser s i m p l e s m e n t e i d e n t i f i c a d o com o f a l a n t e ou com o p r o n o m e p e s s o a l numa sen t e n ç a " . (Lacan, 1 9 7 6 : 2 0 0 - 1 ) .

G s ujeito, para Lacan, é puro e f e i t o da l i n g u a g e m e esta, não é c o n s t i t u í d a pelo homem, mas o c o n stitui. □ s u j e i ­ to, na i n t e r s u b j e t i v i d a d e , é súd i t o de uma e s t r u t u r a formal que o d e t e r m i n a . U m b e r t o Eco (1976:31) a f i r m a que, e x ­ ceção f e i t a a alguns c ó d igos i m p o s t o s pela a u t o r i d a d e a um g r u p o (o c ó d i g o Horse, por e x e m p l o ] , "outros cód i g o s , entre os quais a língua, e m b o r a t e n d o v a l o r c o e r c i t i v o , são u s a ­ dos i n c o n s c i e n t e m e n t e pelos f a l a n t e s , que a eles o b e d e c e m sem se d a r e m c onta de que se s u j e i t a m a um s i s t e m a de r e l £ ções i m p o s t a s ” . N i s t o c o n s i s t e a s u p r e m a c i a dos s i g n i f i c a n - tes, a a u t o n o m i a do s i g n i f i c a n t e .

Esta a u t o n o m i a pode ser e x p l i c a d a da s e g u i n t e maneira: Caso se t enha a f i g u r a de um cavalo e esta f i g u r a for r e c o r ­ tada em formas d i v e r s a s , de m o d o a f o r m a r um q u e b r a - c a b e ç a , s e n d o que as p e ças do q u e b r a - c a b e ç a vão e n c a i x a r - s e perfeit_a m e n t e umas nas outras, esta r e l a ç ã o de p e r f e i t o e n c a i x e nada tem a ver com a q u i l o que antes era a r e p r e s e n t a ç ã o de um c a ­ valo. Do m e s m o modo. os s ig n i f ic an t es de uma língua tim en^ tre si r e l a ç õ e s e s t r u t u r a i s que se d e v e m a seus c a r a c t e r e s fo r m a i s , i n d e p e n d e n t e s do s i g n i f i c a d o . Então, as e s t r u t u r a s f o r m a i s bas t a m para d e f i n i r os v í n c u l o s dos s i g n i f i c a n t e s e f u n d a m e n t a m sua s i s t e m a t i z a ç ã o .

Na i n t e r l o c u ç ã o , os s u j e i t o s o c u p a m p o s i ç õ e s estrat_é g i c a s com r e l a ç ã o às regras do jogo que põem em e x e r c í c i o . A p o s i ç ã o r e l a t i v a do s u j eito é d e t e r m i n a d a por um s i s t e m a de re g r a s ou c o n v e n ç õ e s , f u n c i o n a n d o como um código, e que mar ca uma p o s i ç ã o e não um c o n t e ú d o interno. Então, "falar não é s i m p l e s m e n t e e x p r e s s a r algo ou c o m u n i c a r um c o n t e ú d o de i_n forma ç ã o ; f a l a r é c o l o c a r - s e , cada um, em d e t e r m i n a d a posi^ ção, com r e l a ç ã o ao outro, p o s i ç ã o essa que não é i n d e p e n d e n te da e s t r a t é g i a que f u n c i o n a a p a r t i r de certas r e g r a s ” .

(Vallejo S M a g a l h ã e s , op. cit . : 1 5 4 ) . üu, como a f i r m a o f i l ó ­ sofo M a r t i n B u b e r (1977:03], f a l a r é um ato, a t r a v é s do qual 0 homem se c o n s t i t u i ser e se situa no m undo com os outros. A e x i s t i n c i a hu m a n a se c o n c r e t i z a pela i n s c r i ç ã o na ordem do s i m b ó l i c o , a m e s m a da l i n guagem, e é a t r avés d e ssa o r d e m que se r e a l i z a a a f i r m a ç ã o hum a n a na d i m e n s ã o social e moral. E_s ta d i m e n s ã o i n t e r - s u b j e t i v a é m a n i f e s t a d a pelas p a l a v r a s - p r i n c í p i o : E u - T u - I s s o .

ii

Ao a f i r m a r que o i n c o s n c i e n t e tem a e s t r u t u r a radi^ cal da l i n guagem, o p r o b l e m a que se põe é que a o rdem do si£^ bó l i c o não é c o n s t i t u í d a pelo homem, mas ela o con s t i t u i .

Já t i v e m o s o p o r t u n i d a d e de c h a m a r a a t e n ç ã o sobre e_s te aspecto, em b o r a r a p i d a m e n t e . A n a l i s e m o s ma i s de p e r t o o p r o b l e m a como Lacan o coloca.

A s u p r e m a c i a dos s i g n i f i c a n t e s e sua a u t o n o m i a são i l u s t r a d a s por Lacan a t r a v é s do e xame que faz do c onto de gar A l l a n Poe, i n t i t u l a d o A C arta R o u b a d a .

Na p r i m e i r a cena, a r a i n h a re c e b e uma c a r t a , ^ pe l o que tem de d i s s i m u l á - l a e ntre ou t r o s papéis ao v e r o rei entrar, s e g u i d o pe l o m i n i s t r o . □ rei não vê a m a n o b r a da rainha. 0 m i n i s t r o p e r c e b e o e m b a r a ç o da rainha, s u s p e i t a que algo se p a s s a e a p o d e r a - s e da carta.

A c o n t e c e que a r a i n h a vê a m a n o b r a do m i n i s t r o , mas nada pode fazer, pois teme m o s t r a r sua i n q u i e t a ç ã o ao rei. 0 que i m p o r t a é que o rei, como sucede com m u i t o s m a r i d o s , não s a i b a nada. A r a i n h a sabe que o m i n i s t r o a p o d e r o u - s e da c arta e o m i n i s t r o sabe que a r a i n h a viu a m a nobra.

Nos m e s e s que se sucedem, a p o l í c i a a p r o v e i t a as s a í ­ das n o t u r n a s do m i n i s t r o e r e v i s t a toda a casa, sem e n c o n t r a r

a carta.

Na s e g u n d a cena, o m i n i s t r o re c e b e Dupin, c hefe de p_o lícia, que p r o c u r a com a vista a carta. Vi sobre a m e s a do e ^ critó r i o , d e i x a d a ao acaso, a carta. Ali h a v i a si d o d e i x a d a pelo m i n i s t r o por s a b e r que d e i x a n d o - a em e v i d ê n c i a seria uma m a n e i r a e f i c a z de e s c o n d ê - l a .

Q u a n d o Dupin, chefe de polícia, vê a c a rta c o l o c a d a ao acaso, d e s c u i d a d a m e n t e sobre a m e s a do e s c r i t ó r i o . c o n c l u i que esse é o d o c u m e n t o que está procu r a n d o . Então, f i n g e e^ q u e c e r o c a c h i m b o e vai embora. No dia segui n t e , D u p i n v o lta ao m i n i s t r o com uma c a r t a f a l s i f i c a d a e, a p r o v e i t a n d o - s e de um d e s c u i d o do m i n i s t r o , s u b s t i t u i a c a rta que e s t a v a sobre

Em F r a n c ê s , o t e r m o lettre que, além de c a r t a , signi^ fica l e t r a , é noção r e t o m a d a nos E s c r i t o s em outras p a r t e s , e ^ p e c i a l m e n t e no c a p í t u l o A I n s t â n c i a da Letra no I n c o n s c i e n t e ou a Razão d e s d e F r e u d . Alias, e p r o p r i o do e s t i l o l a c a n i a n o j o g a r com a a m b i g ü i d a d e como f o r m a de r o m p e r o d o m í n i o do p o ­ der, t a nto do s u j e i t o a n a l ista, como do s u j e i t o ana l i s a d o .

a m e s a pela que trazia.

Esta cena a p r e s e n t a uma s i m e t r i a com a p r i m e i r a ; todja via, se na p r i m e i r a a r a i n h a viu a m a n o b r a do m i n i s t r o , na s e g u n d a o m i n i s t r o não viu a m a n o b r a de Dupin.

0 rei não viu nada, não se i n t e i r o u de nada; a r a i n h a viu a m a n o b r a do m i n i s t r o , mas nada pôde fazer, não pôde iji tervir; a p o l í c i a nada pôde ver em todas as buscas que e f £ tuou d u r a n t e ta n t a s noites, m e s m o e s t a n d o a c a r t a em evidiin cia; o m i n i s t r o , f i n a l m e n t e , não p e r c e b e u que D u p i n levou a carta.

Todos estes a c o n t e c i m e n t o s , c o n c l u i Lacan, d e s e n v o l vem - s e ao r e d o r de um s i g n i f i c a n t e : a carta. De seu c o n t e ú d o nada se conhece. Isto i l u s t r a os p o d eres do s i g n i f i c a n t e ,sua s u p r e m a c i a . Ca d a uma das p e r s o n a g e n s está d e t e r m i n a d a em re lação ã carta. Nada pode e s c a p a r a essa lei. A v e r d a d e d e t e £ m i n a a a t i t u d e das p e r s o n a g e n s , mas estas não a vêem.

Onde está a v e r d a d e ? A v e r d a d e i n s t a l a - s e num vai- ve'm e n tre os que a dizem, numa a l t e r n â n c i a i n t e r s u b j e t i v a . A v e r d a d e é um b r i n q u e d o , pois q u a n d o d i g o a v e r d a d e , minto, po r q u e a v e r d a d e não pode ser p o s t a ã prova. " £ p r e c i s o s u s ­ p e i t a r de toda a v e r d a d e que se oculta sob as a p a r ê n c i a s ; as g a v e t a s s e c r e t a s do c o n h e c i m e n t o estão s e m p r e vazias, mas a nossos olhos, as v e r d a d e s o f e r e c i d a s t r a z e m sua m e n t i r a " , a- f i r m a J e a n - M a r i e A u z i a s (1972:104]. E o que não está em seu lugar- f a l a - s e do s í m b o l o - é s o m e n t e aqu i l o que pode m u d a r de lugar. □ real está se m p r e aí, b a sta senti-lo.

Entre os seres c i r c u l a m as p a l a v r a s e os escritos. ü o b j e t o da busca não é a i n d a g a ç ã o que se faz a r e s p e i t o dos c o n t e ú d o s das m e n s a g e n s , nem a r e s p e i t o das s i g n i f i c a ç õ e s , pois na p r o c u r a i n t e r v é m a f a l a que joga com cada participa_n te e se t r a n s f o r m a com ele. M e r l e a u - P o n t y [ 1 9 69:209 ) decl_a ra que " é p r e c i s o r e c o n h e c e r em p r i m e i r o lugar que o pens:a- m e n t o não i, no s u j e i t o que fala, uma r e p r e s e n t a ç ã o , isto é, ele não põe e x p r e s s a m e n t e objetos e relações. 0 o r a d o r não p e n s a antes de f a l a r e nem m e s m o q u a n d o falaj a sua p a l a v r a é seu p e n s a m e n t o ” .

Aliás, um dos n ú c leos c e n t r a i s da r e f l e x ã o de Herleau- Ponty c o n s t i t u i - s e p r e c i s a m e n t e neste a n t i p r e d i c a t i v o da

linguagem, ou seja, o fato de que, para falar, o s u j e i t o não p r e c i s a procecjer ã t e m a t i z a ç ã o e x p l í c i t a das leis l i n g ü í s t i ­ cas, de h a ver um uso " i n c o n s c i e n t e " da l i n g u a g e m e uma fuji c i o n a l i d a d e e f e t i v a da p a l a v r a antes de q u a l q u e r i d e a l i z a ç ã o r e t r o s p e c t i v a .

Por o u tro lado, A n d r e a Bononi, r e a l ç a n d o o p apel in- t e r s u b j e t i v o que a l i n g u a g e m i m põe aos f a l a n t e s , a s s i m se expressa: ”A l i n g u a g e m não se i n t r o d u z na ordem do eu p e nso mas na do eu p o s s o , como sede de uma práxis ori e n t a d a : a g i n e s e do s e n t i d o deve ser p r o c u r a d a do lado do s u j e i t o agejn te e c o n c r e t o , t o m a d o no t e c i d o das r e l a ç õ e s i n t e r - h u m a n a s . T o r n a assim a surgir, como c o n s t a n t e p onto de r e f e r i n c i a , o p r o b l e m a da i n t e r s u b j e t 1 v i d a d e ” . (Bononi, 1974:14).

Q u a n d o o homem lança a sua p a lavra, s upõe um u n i v e r s o c o n s t r u í d o onde ela s i g n i f i c a . Q m u n d o e x i s t e e já está trans

f o r m a d o pelo o u t r o e aí somos c h a m a d o s a nos engajar, ü de_s v e l a m e n t o do real pela l i n g u a g e m é obra f e i t a e por fazer. ”A fala do i n d i v í d u o e x p r i m e a o r g a n i z a ç ã o do seu mundo, c o n s t a n t e m e n t e criado, q u e s t i o n a d o , a m e a ç a d o e reconstruído'.’

(Augras, 1978:78]. Sem dúvida, é a p a l a v r a que m a n t é m o h o ­ mem no ser, e m b o r a ela t e n h a a sua p r ó p r i a v erdade, a sua

p r ó p r i a lei. J o g a antes que os s u j e i t o s jo g u e m nela.

No jogo da i n t e r 1 o c u ç ã o , a i n t e n ç ã o é livre de a m b i ­ güidade. É p r e c i s o dar c r é d i t o ã s u b m i s s ã o ã regra, v i sto que q u a n d o em a s s e m b l é i a , a l g u é m diz "Qual é a tua d ú v i d a ? " , cada i n d i v í d u o p r e s e n t e d e s l o c a os sinais s i m b ó l i c o s até que o sinal v o l t e ao p o n t o de origem. Isto faz com que todos t o ­ mem um lugar em r e l a ç ã o a um sinal, isto é, d e s e m p e n h e m uma função. Então, a p a r t i r da c i r c u l a r i d a d e f u n c i o n a l n ossa p £ lavra e s v a z i a - s e de nossas int e n ç õ e s . Esta é a r a zão pela qual a p r o c u r a i n t e n c i o n a l é c ausa da cegueira.

N o caso da Carta Roubada, não importa quem é o autor da carta, nem seu conteúdo. S a b e - s e apenas que ela i m p l i c a perigo, m e s m o assim a n ível de suspeita.

Na m e d i d a em que a c a r t a circula, seu s e n t i d o muda, ou m e l h o r , os s u j e i t o s são p o s s u í d o s por seu s e n t i d o em ins tãncia. G s i g n i f i c a n t e é a m e t á f o r a do s u jeito, pois "o s u ­ j e i t o é este não m a r c a d o que i n d i c a c o n s t a n t e m e n t e sob o s i g n i f i c a n t e , como s u p o r t e de uma e x p o s i ç ã o e e s t r a t i f i c a ç ã o em d i s c u r s o , como õ que faz a v a n ç a r o d i s c u r s o de um s i g n i f ^ c a n t e ao s e g u i n t e , e c l i p s a n d o - s e cada vez ma i s aí mes m o , por

3 r

3

Este o u t r o , com letra m i n ú s c u l a , é o proximo, cuja r e l a ç ã o e s p e c u l a r p r i m o r d i a l é a mãe. 0 O u t r o , com letra mal^ úscula, r e f e r e - s e a o r d e m do i n c o n s c i e n t e .

trás de um novo s i g n i f i c a n t e , em suma, como o que se aloja e n tre os s i g n i f i c a n t e s , na c e s u r a ” . (Wahl, 1970:1173. Ou nas p a l a v r a s de L a can C1967:206): "ü que d e f i n e um s i g n i f i c a n t e é o fa t o de ele r e p r e s e n t a r um s u j e i t o não para outro s u j e i ­ to, mas p a r a o utro s i g n i f i c a n t e " . Na f a l t a d e s s e significa_n te, os de m a i s nada r e p r e s e n t a m .

De tudo isso, i n f e r e - s e , a e x e m p l o do que F r eud já havia o b s e r v a d o , que na c a d e i a s i g n i f i c a n t e o s u j e i t o e v a n e ^ ce, ou seja, o s i g n i f i c a n t e joga e g a n h a antes que o s u j e i t o perceba.

A l é m disso, a c a d e i a s i g n i f i c a n t e , a o r dem do simbóli^ co, não são s i m p l e s r e p r o d u ç õ e s do e s p í r i t o humano, a exem pio dos m i t o s para L é v i - S t r a u s s . Em Lacan, a c a d e i a s i g n i f ^ c ante e a ordem do s i m b ó l i c o , s e n d o m a n i f e s t a ç õ e s do i n c o n s ­ c i e nte, d o m i n a m o h omem antes que ele possa pen s á - l a s .

Por último, é o "mundo das p a l a v r a s que cria o m u n d o das coisas". Por essa razão, se o homem fala é, pois, "po£ que o s í m b o l o o fez homem". (Lacan, 1978:1413. Estas duas f r a s e s r e s u m e m a c o n c e p ç ã o f i l o s ó f i c a básica de J a c q u e s L a ­ can. Para que o s í m b o l o se c o n v e r t a em p a l a v r a não se r e q u e r uma d i f e r e n ç a de q u a l i d a d e s o n o r a de sua m a t é r i a , mas de seu ser e v a n e s o e n t e onde o s í m b o l o e n c o n t r a a p e r m a n ê n c i a do cojn ceito; pela p a l a v r a que é já uma p r e s e n ç a f e i t a de ausincia, a a u s i n c i a m e s m a que vem a n o m e a r - s e em um m o m e n t o o r i g i n a l

go i n f a n t i l do "f o r t i . . . .d a 1” 3. E d e sse par m o d u l a d o da p r £ sença e da a u s i n c i a n a s c e r i a o u n i v e r s o do s e n t i d o de uma língua, no qual o u n i v e r s o das coisas virá c o l o c a r - s e o r d e ­ n a d a m e n t e , i n c l u s i v e o homem, t r a n s f o r m a d o em o b j e t o p e r d i d o da natureza. (Foucoult, 1968],

rias r e t o m e m o s a tese de que o i n c o n s c i e n t e f u n c i o n a como uma l i n guagem. Q u a n d o Lacan a ela se refere, d e s t a c a e£ p e c i a l m e n t e os m e c a n i s m o s da m e t á f o r a e da m e t o n í m i a . Tais m e c a n i s m o s já h a v i a m sido o b s e r v a d o s por Freud nos sonhos, nos s i n t o m a s n e u r ó t i c o s , nos atos fa l h o s e nos chistes. "A p r i m e i r a c o isa que se t o r n a c l a r a a q u e m quer que c o n f r o n t e o c o n t e ú d o do s o n h o com os p e n s a m e n t o s o n í r i c o s é que se e f £ tuou um t r a b a l h o de c o n d e n s a ç ã o em c o m p l e t a escala. Os s o ­ nhos são breves, i n s u f i c i e n t e s e l a c ô n i c o s em c o m p a r a ç ã o com a g a m a e a r i q u e z a dos p e n s a m e n t o s o n í r i c o s ” . (Freud, 1972: 297). Em o u tra p a r t e da m e s m a obra, assim se expre s s a : "A c o n s e q ü ê n c i a do d e s l o c a m e n t o é que o c o n t e ú d o do s onho não

4

4

Freud, em Além do P r i n c í p i o do P r a z e r , nos m o s t r a c o ­ mo uma c r i a n ç a c h e g a a d o m i n a r a v i v ê n c i a o b s c u r a da ausi_n cia de sua mãe, s u b s t i t u i n d o esta v i v ê n c i a por um símbolo. A. De W a e l h e n s , na obra Sur L ’i n c o n s c i e n t e et la P e n s ã e P h i - l o s o p h i q u e , r e t o m o u este jogo com o i n t u i t o de d e s c r e v e r o a c e s s o da c r i a n ç a à f u n ç ã o m e t a f o r i z a n t e da linguagem.

A c r i a n ç a de quem Freud r e l a t a o jogo f a v o r i t o t i nha um c a r r e t e i a m a r r a d o a um barbante. S e g u r a n d o o fio, lançava o c a r r e t e i por cima da borda de seu berço, c e r c a d o por um c o r t i n a d a . P r o n u n c i a v a e n t ã o um " o o h ’’ p r o l o n g a d o que foi i n ­ t e r p r e t a d o como um e s b o ç o do fort alemão, que qu e r d izer lo_n ge, p a r t i d o (embora). Em s e g u i d a , p u x a v a o c a r r e t e i para o seu c a mpo de v i s ã o e s a u d a v a seu r e a p a r e c i m e n t o com um a l e ­ gre "da "( eis , chegou). F o r t / d a seriam, então, dois fo nemas que s i m b o l i z a v a m o d e s a p a r e c i m e n t o e o a p a r e c i m e n t o do carre t e i , r e s p e c t i v a m e n t e .

não m a i s se a s s e m e l h a ao n ú c l e o dos p e n s a m e n t o s do sonho, e que este não a p r e s e n t a m a i s que uma d e f o r m a ç ã o do d e s e j o do s o nho que e x i s t e no i n c o n s c i e n t e " . CIbid.:320].

A c o n d e n s a ç ã o nos diz que o s o n h o m a n i f e s t o tem um c o n t e ú d o m e n o r do que o latente, e n q u a n t o o d e s l o c a m e n t e o r£ l a c i o n a - s e ao d i s f a r c e que o s o nho usa.

As leis e s t r u t u r a i s o b s e r v a d a s nos sonhos, nos s i n t £ mas n e u r ó t i c o s , nos atos falhas e nos chistes, ã s e m e l h a n ç a de uma r e t ó r i c a , c o n f e r i n d o - l h e um s e n t i d o que deve ser i n ­ t e r p r e t a d o , c e r t a m e n t e são as m e s m a s da linguagem. Por outro lado, q u a n d o se diz que o s e n t i d o deve ser i n t e r p r e t a d o , re^ a l ç a - s e a v e r d a d e f e n o m e n o l ó g i c a de que o d o m í n i o do 1 og o s não é apenas c o e x t e n s i v o ao d o m í n i o do saber. Há um s e n tido que não se põe c l a r a m e n t e pa r a a c o n s c i ê n c i a , mas, nem por isso, d e i x a de ser sentido. (Nogueira, op. cit.:4B].

Qu a n t o aos m e c a n i s m o s da m e t á f o r a e da m e t o n í m i a ,tem- se em c o n t a que este diz r e s p e i t o ao eixo s i n t a g m á t i c o , b_a s e a n d o - s e na e x t e n s ã o e na prese n ç a , e n q u a n t o aquele diz r e £ p e ito ao eixo s i s t e m á t i c o , b a s e a n d o - s e na a s s o c i a ç ã o e na ausência. J a K o b s o n m o s t r a que o p r o c e s s o de s e l e ç ã o p r o d u z - se na e q u i v a l ê n c i a , s e m e l h a n ç a ou d i s s e m e 1hança , na s i n o n ^ mia ou a n t o n í m i a , e n q u a n t o que a c o m b i n a ç ã o , a c o n s t r u ç ã o e as s e q ü ê n c i a s b a s e i a m - s e na c o n t i g ü i d a d e . Por isso, "toda f orma de d i s t ú r b i o a f ã s i c o c o n s i s t e em al g u m a d e t e r i o r a ç ã o , mais ou m e n o s gr a v e , da f a c u l d a d e de s e l e ç ã o e s u b s t i t u i ç ã o , ou da f a c u l d a d e de c o m b i n a ç ã o e con t e x t o " . (Jakobson, 1969: 55). A m e t á f o r a s e ria a v i n c u l a ç ã o de um s i g n i f i c a n t e a um

s i g n i f i c a d o s e c u n d á r i a , com base na s e m e l h a n ç a com o s i g n i f ^ cado p r i m á r i o ; por sua vez, a m e t o n í m i a s eria a m e s m a v i n c u - lação, todavia, não por s e m e l h a n ç a , mas por c o n t i g ü i d a d e .

Se em S a u s s u r e o s i g n i f i c a n t e se c o n c a t e n a apenas sin t a g m a t i c a m e n t e , em Lacan a c o n c a t e n a ç ã o p r o d u z - s e t a m b é m sis t e m a t i c a m e n t e . Em Jakobson, o p r o c e s s o m e t o n í m l c o , b a s e a d o no p l a no s i s t e m á t i c o , e o p r o c e s s o m e t a f ó r i c o , b a s e a d o _____ no plano s i s t e m á t i c o , são dois eixos f u n d a m e n t a i s da p r o d u ç ã o do s i g n i f i c a d o . Neste caso, é i m p o r t a n t e c o m p r e e n d e r a postL[ lação l a c a n i a n a para que se e s t a b e l e ç a de que f o rma a m e t £ fora e a m e t o n í m i a c h e g a m a c a r a c t e r i z a r as duas leis f u n d a ­ m e n t a i s do i n c o n s c i e n t e .

Antes, porém, a n a l i s e m o s m a i s de p e r t o os dois gran des eixos da l i n g u a g e m . ^

P r i m e i r a m e n t e , f a l a r é s e l e c i o n a r cer t a s u n i d a d e s lin g ü í s t i c a s d i s p o n í v e i s na língua e c o m b i n a r estas u n i d a d e s em u n i d a d e s cada vez mais vastas e c o m plexas. A s e l e ç ã o é a es colha de um t e r m o d e n t r e ou t r o s ta n t o s p o s s í v e i s e i m p l i c a a p o s s i b i l i d a d e de s u b s t i t u i ç ã o de um t e r m o por o u tro com ba se na s e m e l h a n ç a . Esta. por sua vez. como bem m o s t r o u Sa u s s u re. pode ser uma s e m e l h a n ç a de s e n t i d o ou de som. A c o m b i n a ção faz r e f e r ê n c i a ã i déia de laço. de c o n t e x t o , de ligação. Cada u n i d a d e l i n g ü í s t i c a s e rve de c o n t e x t o ãs u n i d a d e s mais s i m p l e s e e n c o n t r a seu c o n t e x t o numa u n i d a d e mais complexa. Gra. a c o m b i n a ç ã o de signos b a s e i a - s e na e x t e n s ã o haja v i s t a o f a t o de que dois e l e m e n t o s não p o d e m ser p r o n u n c i a d o s ao m e s m o t e m p o e cada t e r m o toma o seu v alor em r e l a ç ã o àq u e l e

R e f e r i m o - n o s ao eixo s i n t a g m á t i c o e s i s t e m á t i c o (p£ r a d i g m á t i c 0 ]. S e g u i m o s de p e rto R. J a k o b s o n na obra Essais de L i n g u i s t i q u e G e n e r a l ( 1963 ) e R. B a r t h e s na obra E l e m e n t os de

que Q p r a c e d e e àquele que o segue. Como diz S a u s s u r e (1977: 143], na c a d e i a falada, ao nível de c o m b i n a ç ã o , os te r m o s são u n i d a d e s in p r a e s e n t i a ; na seleção, in a b s e n t i a .

Os dois planos e s tão i n t i m a m e n t e r e l a c i o n a d o s , pois a c o m b i n a ç ã o só avança por a p e l o s s u c e s s i v o s a novas u n i d a d e s ti r a d a s do Código. No entanto, p e r c e b e - s e que o p l a n o da com b i n a ç ã o l i g a - s e de p e r t o ã fala, e n q u a n t o o p lano da s e l e ç ã o

liga-se ã língua como sistema.

Na seleção, os t e r m o s de s u b s t i t u i ç ã o são ligados por g r a u s v a r i á v e i s de s e m e l h a n ç a ou oposição. Seu d o m í n i o é o

eixo v e r t i c a l , m e d i a n t e a s s o c i a ç õ e s .

Na c o m b i n a ç ã o , os t e r m o s tim por s u p orte a h o r i z o n t a - lidade e m a n t i m entre si r e l a ç õ e s de c o n t i g ü i d a d e , laços de c o n c a t e n a ç ã o .

Como já t i v e m o s o p o r t u n i d a d e de obser v a r , os termos da l i n g u a g e m p o d e m se a s s o c i a r por s e m e l h a n ç a (plano v e r t i ­ cal ou eixo p a r a d i g m á t i c o , ou ainda, s i s t e m á t i c o ) ou podem se a s s o c i a r por c o n t i g ü i d a d e (plano h o r i z o n t a l ou eixo sijn t a g m á t i c o ) . Ora, as duas f o r m a s ma i s c o n d e n s a d a s da semelhajn ça e da c o n t i g ü i d a d e são, r e s p e c t i v a m e n t e , a m e t á f o r a e a met onimi a .

Al é m dos te r m o s já vistos que f a z e m r e f e r i n c i a aos dois Bixos da l i n guagem, há outros. Por isso, achou.-se mais

g s i m p l e s a p r e s e n t a r um q u a d r o que f a c i l i t e essa v i s ualização.

6

E x t r a í d o do livro J acques L a c a n : Uma I n t r o d u ç ã o , de a u t o r i a de A n i K a L e m a i r e (1979:76).

S e l e ç ã o C o m b i n a ç a o S u b s t i t u i ções A s s o c i a ç õ e s 1 C o n t e x t o P a r a d i g m a S i n t a g m a □ p o s i ç õ e s C o n t r a s t e s Simi l a r i d a d e C o n t i g ü i d a d e M etáf ora M e t o n í m i a Lín g u a Fala

R e t o m e m o s o e n f o q u e lacaniano. Num p r i m e i r o passo, La can a f i r m a que na l i n g u a g e m p o é t i c a o s i g n i f i c a d o é p r o d u z i ­ do a p a r t i r dos si g n i f i c a n t e s , isto é, m e d i a n t e a co-prese_n ça v e r t i c a l (metáfora) e h o r i z o n t a l (metonímia) r e s u l t a m si£ n i f i c a d o s como efeitos.

T a n t o num p r o c e s s o q u a n t o no outro, o s i g n i f i c a n t e não é dado. Mas, e n q u a n t o no prc^cesso m e t a f ó r i c o o m o d o de ser é da d o p e l a p r e s e n ç a -a u s i n c i a , no p r o c e s s o m e t o n í m i c o é t o t a l m e n t e ausente. A f ó r m u l a da m e t á f o r a seria "uma p a l a v r a por outra", a l u d i n d o a s u b s t i t u i ç ã o ; a da m e t o n í m i a , "pal^a vra ã p a l a v r a " , c a r a c t e r i z a n d o a c o n t i g ü i d a d e . ( V allejo S M a g a l h ã e s , op. c i t .:108]. Eis a f ó r m u l a l a c a n i a n a da m e t á f o r a : ^ f r - 1 S

(í)

= SC+] s. 7 □ s i g n o = d e s i g n a c o n g r u ê n c i a .

Oue pode ser e x p l i c a d a assim: ”na fu n ç ã o (f) de uma m e t á f o r a , o signifi cante' m e t a f ó r i c o (S'] m a n t é m sob a barra o s i g n i f i c a n t e anterior. A m e t á f o r a nos re m e t e ( ] a uma re lação e n tre s i g n i f i c a n t e e s i g n i f i c a d o i n c o n s c i e n t e que po d e ria ser f o r m u l a d a por S/s. Hás o signo (+1 i n d i c a que a b a rra entre S e s pode ser t r a n s g r e d i d a " . (Fages, 1971:57).

A m e t á f o r a c o l o c a - s e e x a t a m e n t e no ponto em que o s e n t i d o p r o d u z - s e no n ã o - s e n t i d o , ou seja, o s i g n i f i c a n t e m a n i f e s t a d o é uma m á s c a r a que remete a um s i g n i f i c a n t e i m p l í ­ cito. T o davia, o ef e i t o de s i g n i f i c a ç ã o só é p o s s í v e l med_i ante tal s u b s t i t u i ç ã o . 0 s i g n i f i c a n t e p r e s e n t e é f r uto da m e t á f o r a , e n q u a n t o o s i g n i f i c a n t e a u s e n t e é o que as s u m e o

l u gar do s i g n i f i c a d o .

Lacan f o r m a l i z a a m e t o n í m i a assim:

Que pode a p r e s e n t a r a s e g u i n t e e x p l i c a ç ã o : " p o r fun ção (f), a m e t o n í m i a põe um s i g n i f i c a n t e (S'], seja copo, que está em r e l a ç ã o de c o n t i g ü i d a d e (as r e t i c ê n c i a s ) com o s i g n i f i c a n t e a n t e r i o r (S), seja água, que ele sub s t i t u i . E_s ta o p e r a ç ã o remete a uma r e l a ç ã o entre s i g n i f i c a n t e meto n í - mico e s i g n i f i c a d o que seria S/s, mas onde a barra entre S e s não pode ser t r a n s p o r t a Cdoente do signo)". (Ibid.:59).

Como se observa, a m e t o n í m i a é uma c o n e x ã o entre s i g n i f i c a n t e s . Tod a v i a , o s i g n i f i c a d o m e t o n í m i o nunca pode e s t a r além da p r ó p r i a c o n c a t e n a ç ã o , sendo o s i g n i f i c a d o to t a l m e n t e s e p a r a d o do s i g n i f i c a n t e . Na m e t á f o r a , ex i s t e ums s u b s t i t u i ç ã o e x p l í c i t a e m a r c a d a de um significante por outro.

sem a qual não h a v e r i a e f e i t o m e t a f ó r i c o , vale dizer, no s i ^ n i f i c a n t e m a n i f e s t o e m e r g e o s i g n i f i c a n t e s u b s t i t u í d o . Na me tonímia, por sua vez, não há n e n h u m a r e l a ç ã o m a r c a d a entre o s i g n i f i c a n t e p a t e n t e e o que se d e s l i z o u nele; a d e s c o b e r ta p r e c i s a ser f e i t a a t r a v é s de análise, ( V allejo & M a g a ­ lhães, op. cit-.-:96).

Em resumo, observou-se que, para Lacan, as p r o d u ç õ e s do i n c o n s c i e n t e - os lapsus mentis, os sonhos, os c h i s t e s , o s s i n t o m a s - e stão c o n s t a n t e m e n t e t e m a t i z a d a s por m e c a n i s m o s d e s e l e ç ã o e de c o m b i n a ç ã o que c a r a c t e r i z a m a m e t á f o r a e a m e t £ nímia, aos quais c o r r e s p o n d e m , na obra de Freud, a c o n d e n s a ção e o d e s l o c a m e n t o , r e s p e c t i v a m e n t e .

2. A C o n s t i t u i ç ã o do S u j e i t o e a L i n g u a g e m

A o rdem da e x p o s i ç ã o dos c o n c e i t o s l a c a n i a n o s , deve- se notar, tem apenas uma r e l a ç ã o d i s t a n c i a d a com a ordem na pulsão, c o n c e b i d o s como ativos no d e s e n v o l v i m e n t o p s í q u i c o do i n d ivíduo. P o r outro lado, os e s t ados p s í q u i c o s i n i c i a i s p o dem c o e x i s t i r na ps i q u e com as e v o l u ç õ e s -p o s t e r i o r e s , v i n ­ do a d e s e m p e n h a r um p apel p r e p o n d e r a n t e na f o r m a ç ã o de sis temas n e u r ó t i c o s . ’

Na p r i m e i r a fase, c h a m a d a de p r é - e d i p i a n a , a c r i a n ç a é v i s t a como v o l t a d a para a e x p l o r a ç ã o s e n s ó r i a , a p r e s e n t a n do como c a r a c t e r í s t i c a o a u t o -e r o t i s m o . Ela não d i s t i n g u e en tre os dados a s s o c i a d o s ao p r ó p r i o c o r p o e os que lhe são ex t eri o r e s .

A fase p r i - e d i p i a n a , s e g u e - s e a fase e s p e c u l a r . Nela a c r i a n ç a toma c o n s c i ê n c i a da d i s t i n ç ã o e ntre seu p r ó p r i o c o rpo e o exter i o r , o "outro". A c r i a n ç a vê o que se co l o c a fora de si e se i d e n t i f i c a com a i m a g e m pro j e t a d a . Esta imagem com a qual a c r i a n ç a se i d e n t i f i c a , s e g u n d o Lacan, pode ser d e s c r i t a como o Ego I d e a l , e s t a n d o s i t u a d a no m u n d o e x t e r i o r da cria_n ça. No d i z e r de L. C. Lima (1973:459), "o m u n d o não lhe chega e n q u a n t o mundo, mas e n q u a n t o m o r a d a de sua imagem". Assim, "a fase e s p e c u l a r a n u n c i a a a l i e n a ç ã o , s i t u a d a no â mago da i d e n ­ t i f i c a ç ã o , já que p a r a que ocorra a i d e n t i f i c a ç ã o de v e h a ver dois e u s , um eu que p e r c e b e e um eu p e r c e b i d o " . (Centre for C o n t e m p o r a r y C u l t u r a l E s t u d i e s da U n i v e r s i d a d e de B e r i m inghan,

1980:275).

Cabe aqui uma d i s t i n ç ã o e n tre o ejj, o ego e o s u j e i t o . □ ejJ é a p r é - c o n d i ç ã o pa r a a c o n s t i t u i ç ã o do e g o , que r e s u l ­ ta da p a s s a g e m do eu_ pa r a uma i d e n t i f i c a ç ã o com o objeto no outro (o n ã o - c r i a n ç a ) . 0 s u j e i t o é o ego c o n s t i t u í d o pela li_n guagem,

Do p r o c e s s o de i d e n t i f i c a ç ã o e s p e c u l a r d e r i v a o imagi- nãri o (relação d e s p r o v i d a de i n d i v i d u a l i d a d e , c o n s t i t u i n d o - s e numa f a lsa u n i d a d e que i n a u g u r a um m o d o do s u j e i t o , o lugar do Ego I d e a l , e uma d i a l é t i c a de i d e n t i f i c a ç ã o c o n f o r m e esse m o d o a l i e n a n t e de ser o o u t r o ) .

0 p s i c ó t i c o , por ex e m p l o , é aq u e l e que não r e a l i z a a s u p e r a ç ã o do i m a g i n á r i o . Não c o n s e g u e t r a d u z i r o real a t r a v é s do sim b ó l i c o . F i x a - s e nas coisas, isto é, no real. Significaji te e s i g n i f i c a d o se c o n f u n d e m e tudo é r e d u z i d o a d i m e n s ã o de imagem. (Nogueira, o p . c i t . : 5 9 - 6 3 ) .

A rela ç ã o dual, em que a c r i a n ç a e s c a n d e sua vida com a p r e s e n ç a (dal) e com a a u s i n c i a (fort!], é o f a s c í n i o im£ g i n á r i o do eg o , "sendo ela p r ó p r i a este outro, tal outro, q u a l q u e r outro, t odos os outros da i d e n t i f i c a ç ã o n a r c í s i c a primá r i a , sem n u nca p o d e r c o l o c a r - s e di a n t e do outro ou de si m e s m o na d i s t â n c i a o b j e t i v a d o r a do ter c e i r o " . (Alth u s s e r , 1 9 67:246 3 .

Ap ó s a fase e s p e c u l a r , a c r i a n ç a passa a i d e n t i f i c a r - se com objetos que lhe são e x t e r i o r e s . Esta i d e n t i f i c a ç ã o p r ^ m e i r a d á-se com a mãe. A r e n ú n c i a a esta f u s ã o o r i g i n a l é o o b s t á c u l o que p r e c i s a ser superó-do para que oc o r r a a e n t r a d a na m e d i a ç ã o p e l o p r o c e s s o s i m bólico. 0 i m a g i n á r i o do s u j e i ­ to, r e g i s t r o c o n s t i t u í d o pela fase esp e c u l a r , " p r e f i g u r a a e x i s t i n c i a do s i m b ó l i c o com a P a t e r n i d a d e , a Lei e a d o r t e e d e f i n e o Re a l pa r a o dito sujeito". (Vallejo & M a g a l h ã e s , op. cit.:49). 0 mundo, a cujo a c e s s o a l i n g u a g e m possibilita,

0 é e x p r e s s ã o do d e s e j o de ser r e c o n h e c i d o pelo outro.

A r u p t u r a da r e l ação e x c l u s i v a com a mãe e a C Q n s £ q ü e n t e p a s s a g e m ãs e s t r u t u r a s da s o c i a b i l i d a d e h u m a n a d á-se com a i n t e r v e n ç ã o do Pai (da Lei 3 . E o c o m p l e x o de Edipo. 0 ind i v í d u o , m e s m o antes de nascer, recebe uma p o s i ç ã o na lin g u a g e m e na f a m í l i a , além da s e x u a l i d a d e m a s c u l i n a ou f e m i n ^ na. A p r e s e n ç a da a u t o r i d a d e , da Lei e da Ordem, i m p e d i n d o a i d e n t i f i c a ç ã o com a mãe é v i sta pela c r i a n ç a como uma au- s i n c i a absoluta. Esta lacuna na i d e n t i d a d e (a u s i n c i a -d e - s e r )

g

A n oção de dese j o s e g undo a P s i c a n á l i s e não se c oji f unde com a n o ç ã o n a t u r a l i s t a ou b i o l ó g i c a de desejo. Neste caso, o d e s e j o não p a s s a de uma a p e t ê n c i a de s a t i s f a ç ã o de uma n e c e s s i d a d e ; n aquele, o d e s e j o é i n d e s t r u t í v e l , já que vai s u s t e n t a r - s e em uma p e r m a n e n t e i n s a t i s f a ç ã o .

i n s p i r a na c r i a n ç a o me d o da castração. Em Lacan, é j u s t a m e n te a a u s i n c i a - d e - s e r a or i g e m de toda o p o s i ç ã o possível. (E- c o , o p . c i t . :336 3.

ü c o m p l e x o de c a s t r a ç ã o é uma f a lta i m a g i n á r i a no fan tasma. Oc o r r e qu a n d o a c r i a n ç a d e s c o b r e a a u s i n c i a do falo na mãe e na irmã. □ pai é o i n i c i a d o r da c a s t r a ç ã o s i m b ó l i c a ao p r i v a r a mãe do fa l o ori g i n a l (a crian ç a ) , o que p e r m i t e p r i v a r a c r i a n ç a do objeto de seu desejo. Isto p e r m i t e o in g r e s s o do ser na s i g n i f i c a ç ã o f á l i c a [falo s i m b ó l i c o ) , "signl^ f i c a n t e do O u t r o e n q u a n t o lugar da l e i ” . (Lacan, óp. cit.: 270) .

A a m e a ç a de c a s t r a ç ã o só pode ser r e s o l v i d a pela cr_i ança ao s u b m e t e r - s e ã a u t o r i d a d e p a t e r n a e i d e n t i f i c a r - s e com essa a u t o r i d a d e . Se na r e l a ç ã o m a t e r n a a i d e n t i f i c a ç ã o é imedi a t a , aqui é ape n a s eventual; isto é, s u b m e t e n d o - s e ã o£ dem p a t e r n a (a Lei) g a r a n t e a p o s s i b i l i d a d e de vir a ocupar a m e s m a posição.

Assim, tris são os m o m e n t o s c a p i t a i s na c o n s t i t u i ç ã o 9

f o r m a l do ind i v í d u o ; o e s t á g i o do e s p e l h o em que a inda per siste a i d e n t i f i c a ç ã o da c r i a n ç a com a mãej a i n t e r v e n ç ã o do p a i . p r i v a n d o a c r i a n ç a d e ssa i d e n t i f i c a ç ã o ; e, por último, a i d e n t i f i c a ç ã o com o p a i , m a r c a d a pela e n t r a d a na ordem sim bólica. (Magalhães, op. c it.:20-l).

A s u b m i s s ã o ã o r dem p a t e r n a é a s u j e i ç ã o ãs normas da

9 ~ ■

£ i m p o r t a n t e que não se c o n f u n d a a c o n d i ç ã o f o r m a l de tais c o n c e i t o s com a a p a r ê n c i a s i m p l e s m e n t e b i o l ó g i c a que têm. Só a s s i m é p o s s í v e l e n t e n d ê - l o s como e l e m e n t o s da c a ­ d e i a s i g n i f i c a n t e de que se co m p õ e o d i s c u r s o do inconscie_n t e . •

linguagem. Esta p a s s a g e m para o s i m b ó l i c o , que em d i f i t i v o é c o n s t i t u t i v a do sujeito, possui o efe i t o de t o r n a r p o s s í v e l ao s u j e i t o e x p r e s s a r seu desejo. Esse d e s e j o que pode ser c o n s i d e r a d o como s e n d o o i m p u l s o para c o n s e g u i r a i d e n t i d a d e com o Outro, o Pai, é ao m e s m o t e m p o a l i e n a d o e i n s a c i á v e l .

É a l i e n a d o po r q u e o s u j e i t o não pode e x p r e s s a r seu d£ sejo a t r a v é s do s i s t e m a - a l i n g u a g e m que j u s t a m e n t e c o n s u b ^ ta n c i a sua s u b m i s s ã o ao Pai e seu d i s t a n c i a m e n t o dele. A o£ dem s i m b ó l i c a t o r n a certas p o s i ç õ e s do d i s c u r s o i m p o s s í v e i s para o sujeito. Impede, por exemplo, que o "filho" e x p r e s s e o d e s e j o pe l o Pai, r e p r e s e n t a n d o o papel de "esposa".

0 d e s e j o é i n s a c i á v e l por ser d e s e j o de uma p o s i ç ã o s i m bólica. No caso, o o b j e t o d e s e j a d o p õ e - s e em c o n s t a n t e recuo. 0 significado' esc o r r e g a , e x i s t i n d o apenas como garajn tia final, t r a n s c e n d e n t e . Apenas como fantasma.

Na t e o r i a lac a n i a n a , o s i g n i f i c a n t e f á l i c o é o signi- f i c a n t e do d e s e j o e, como s i g n i f i c a n t e , faz parte do s i s t e m a simbólico.

Documentos relacionados