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CAPÍTULO 1 – A TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA

1.3. A TEORIA DE VYGOTSKY E SUA APLICAÇÃO NA SALA DE AULA

1.3.1. O Sociointeracionismo

O Sociointeracionismo oferece grandes possibilidades aplicativas na sala de aula. Em primeiro lugar, baseando-nos no princípio de que o desenvolvimento segue a aprendizagem e de que o conhecimento é internalizado através da interação social, mediada pela linguagem, compreendemos o quanto o contexto escolar pode contribuir para extinguir crenças no determinismo biológico, arraigadas na nossa sociedade, limitadoras do potencial do indivíduo. Assim é que, ao aceitar as idéias da teoria sócio-histórica, o professor crê que todo ser humano é passível de mudanças no seu processo de evolução cognitiva e, por isso, planeja atividades desafiadoras que necessitem de sua intervenção para serem executadas pelo aluno. Dessa forma, o docente assume o papel de mediador, levando o aprendiz para a zona de

desenvolvimento proximal. No caso, tanto o professor quanto o aluno com maior nível de

conhecimento, numa situação específica, pode desempenhar a função de mediador, podendo tal função ser intercambiável entre os aprendizes. Para aquele que age como mediador, “o avanço cognitivo provém do fato de ter que organizar seu pensamento para dar as instruções apropriadas”. Essa idéia se coaduna com a teoria vygotskiana na qual a “passagem do pensamento à linguagem ou pensamento verbalizado reestrutura o raciocínio e melhora a compreensão”. (ECHEITA e MARTÍN, 1995, p. 41)

Ilustrando o que ocorre durante a mediação, Moll (1996, p.179) afirma que “o desenvolvimento de qualquer capacidade individual de desempenho representa um relacionamento mutável entre regulação social e auto-regulação”. Nesse processo, o mediado passa por quatro estágios, a saber:

O desempenho é assistido por indivíduos mais capazes – nessa fase o mediado

necessita das orientações da pessoa que detém maior conhecimento do assunto a fim de poder desempenhar suas tarefas. Essa orientação será mais ou menos intensa, dependendo do nível de dificuldade atribuída à tarefa pelo mediado, que é proporcional à extensão da zona de

desenvolvimento proximal e ao caminho já percorrido pelo indivíduo na ZDP.

Moll acrescenta, ainda, que nos períodos iniciais da zona de desenvolvimento

proximal, o indivíduo não consegue perceber com clareza a situação nem compreende bem a

tarefa e seus objetivos. Por isso, ele apenas segue modelos ofertados pelo mediador. O indivíduo estará pronto para percorrer o estágio seguinte, quando consegue transferir o conhecimento adquirido, aplicando-o no desempenho da tarefa solicitada.

O desempenho é auto-assistido – nesse estágio, o indivíduo faz uso dos padrões de

atividade adquiridos por meio de processos interpsicológicos e os utiliza na resolução de problemas no plano intrapsicológico. Embora possa executar a tarefa sem auxílio externo, isso não implica um desenvolvimento pleno do seu desempenho, pois a função de controle é feita por meio da verbalização aberta sob a forma do discurso autodirigido.

Segundo Moll, este fenômeno ocorre com indivíduos de qualquer idade, sempre que se esteja tentando internalizar um conhecimento novo que requeira a aquisição de capacidades especiais de desempenho. Daí sua importância na orientação de sistemas de assistência ao desempenho, na sala de aula.

O desempenho é desenvolvido e automatizado – esse é o estágio em que o indivíduo

automatizadas. Por esse motivo, a oferta de ajuda externa ou até mesmo a autoconsciência são dispensáveis e limitadoras.

A desautomatização do desempenho conduz a um retorno à zona de desenvolvimento proximal – Segundo Moll (1996, p. 182), “em qualquer indivíduo, ao

longo de toda sua vida, o aprendizado segue as mesmas regras e seqüências da ZDP – da assistência externa à auto-assistência – a elas retornando reiteradas vezes para o desenvolvimento de novas capacidades. Para cada indivíduo, em cada momento específico, haverá uma mescla de regulação externa, auto-regulação e processos automatizados.”

Sabe-se, por exemplo, que todo indivíduo, mesmo quando já automatizou o desempenho de uma tarefa, pode esquecer algo aprendido ou necessitar de ajuda de alguém mais experiente para resolver o problema apresentado. Durante a nossa vida, estamos constantemente oscilando entre as formas de autocontrole e de controle externo. Por isso, as informações sobre os estágios percorridos pelo indivíduo na zona de desenvolvimento

proximal são de extrema importância para o ensino, porque tais informações orientam o

docente, durante o processo de mediação, de uma forma mais racional e eficaz.

Para uma melhor visualização dos estágios, segue-se a adaptação do quadro apresentado por Moll (1996, p. 180).

Quadro 01 – Estágios na Zona de Desenvolvimento Proximal

Retor

Cap

Capacidade Capacidade inicial inicial desenvolvida

ZONA DE DESENVOLV. PROXIMAL

... por indivíduos mais

Assistência prestada Auto- Interiorização Desautomatização

capacitados

Por indivíduos mais assistência Automatização Retorno aos estágios

Capacitados Fossilização iniciais Pais, p

Pais, rofessores, trein

Especialistas, colegas, Treinadores Retorno acidade Capacidade desenvolvida ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

... Assistência prestada

Auto- Interiorização Desautomatização: assistência Automa s estágios

iniciais

rofessores, especialistas, colegas,

adores.

TEMPO ESTÁGIO I ESTÁGIO II ESTÁGIO III ESTÁGIO IV

tização retorno ao

Fonte: adaptado de MOLL (1996, p. 180).

Levando-se em conta que o professor determina o tipo de atividade a ser realizada em sala de aula (interação entre pares, grupos, preleção), tipo de recompensa (notas, elogios individuais ou coletivos etc), tipo de controle da classe (quem liderará o trabalho), compreende-se que a atividade do aluno depende das decisões tomadas pelo professor. Este é o motivo pelo qual, se quisermos pôr em prática a teoria vygotskiana, é imprescindível adotar uma abordagem cooperativa para o ensino com a conseqüente ênfase no trabalho em pares e/ou grupos, o que possibilita a troca de experiências e a cooperação em sala de aula. Desse modo, o aprendiz poderá mais facilmente adquirir habilidades sociais tais como ouvir o colega, esperar sua vez para falar, oferecer sugestões, explicar-se com clareza, encorajar outras pessoas e criticar idéias, ao invés de criticar os outros.

Nesse processo, o aluno aprende também a lidar com sua afetividade, à proporção que conhece melhor seus sentimentos e os dos colegas, começa a aceitar as diferenças e peculiaridades individuais, ao mesmo tempo em que consegue mais facilmente compreender os conteúdos ensinados. Ocorre, então, um desenvolvimento integral do indivíduo em que

estão envolvidos não apenas fatores cognitivos como sociais e afetivos. Estes são, sem dúvida, os benefícios de uma abordagem colaborativa para o aluno. No entanto, Dixon-Krauss (1996, p. 84-85) afirma que tal abordagem produz também benefícios para o professor, como veremos a seguir.

O primeiro é a possibilidade de acabar com um estilo pedagógico autoritário ao adotar uma postura mais flexível, através da negociação. Dessa forma, o mestre não tem interesse em impor, mas sim em guiar o aluno na execução de tarefas. A segunda vantagem é que a abordagem colaborativa contribui para a solução de um problema que tem preocupado os professores há muito tempo: como atender às necessidades individuais dos educandos em turmas numerosas. Isso ocorre porque, trabalhando em grupos simultaneamente, na execução de tarefas diversas, em graus de dificuldade variados, o aprendiz pode selecionar o que lhe interessa e desempenhar a atividade de acordo com o seu nível de desenvolvimento.

Outro benefício da abordagem colaborativa é que, longe de se dedicar unicamente ao ensino de conteúdos, o professor compartilha com os alunos responsabilidades, não tendo que saber tudo e fazer tudo. Assim pode desfrutar da companhia dos educandos, ao interagir com eles, ao mesmo tempo em que lhes dá assistência individual, sempre que for necessária.

Em se tratando da aplicação da teoria vygotskiana para a educação, não podemos deixar de enfatizar a importância de se ter uma atitude flexível o bastante para negociar procedimentos e construir sentidos em sala de aula. O professor deve ainda se concentrar no potencial do aluno e não em um nível demonstrado de rendimento e compreensão, para possibilitar a sua intervenção enquanto mediador. Para tanto, o ensino deve ser suficientemente desafiador e promover a autonomia do aluno por meio do uso de técnicas e atividades que estimulem as operações intelectuais do educando. Dessa forma, o mediador estará facilitando o desenvolvimento do aprendiz e desestimulando sua passividade e

submissão, através de uma abordagem conteudista que visa a uma mera transmissão de conhecimento.

Por este motivo, o professor deve desenvolver no educando o espírito de iniciativa e autoconfiança, a fim de que os aprendizes se sintam capazes de iniciar a mediação espontaneamente, dividindo, sempre que possível, essa responsabilidade com o professor.

Deve o educador observar, também, o nível de envolvimento e participação dos alunos nos grupos, para evitar que o trabalho cooperativo se transforme em um mero aglomerado de pessoas dispostas em círculo, preocupando-se apenas com suas necessidades e interesses individuais.

1.3.2 – O lugar da afetividade na obra de Vygotsky

Segundo Rego (1999, p. 120), a dificuldade de acesso à totalidade dos trabalhos de Vygotsky trouxe, provavelmente, a falsa impressão de que a afetividade não tenha sido também alvo de seu interesse e estudo, produzindo, portanto, uma maior divulgação dos temas concernentes à cognição.

Sabe-se, no entanto, que o ser humano sempre foi tratado por Vygotsky como um ser integral, um misto de razão e sentimento. Assim, ele esclarece:

A fertilidade de nosso método pode ser demonstrada também em outras questões concernentes às relações entre as funções, ou entre a consciência como um todo e suas partes. Uma breve referência a pelo menos uma dessas questões indicará a direção que nossos estudos futuros poderão tomar, e demonstrará a importância do presente estudo. Referimo-nos à relação entre intelecto e afeto. A sua separação enquanto objetos de estudo é uma das principais deficiências da psicologia tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um fluxo autônomo de “pensamentos que pensam a si próprios”, dissociado da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das inclinações e dos impulsos daquele que pensa.

Mais adiante, afirma Vygotsky: “... a antiga abordagem impede qualquer estudo fecundo do processo inverso, ou seja, a influência do pensamento sobre o afeto e a volição”. (VIGOTSKI, 2000, p. 9)

Considerando-se a importância atual de se encarar o aluno como um ser multifacetado, em que os aspectos cognitivos, afetivos e sociais são contemplados, compreende-se o quanto Vygotsky estava à frente do seu tempo. Suas idéias são de grande utilidade pedagógica já que podem nortear o professor na sua jornada diária de trabalho, tornando-o mais perspicaz e empático no que concerne às dificuldades enfrentadas pelo aluno em sua aprendizagem.

O trabalho cooperativo ajuda o professor nessa tarefa pois o ambiente escolar propicia o que Coll (1995, p. 44) denomina relações psicossociais, “o que ocorre com o aluno, entre alunos, e entre os alunos e o professor, como resultado da forma de organizar os processos de ensino-aprendizagem”.

Numa sala de aula, reunem-se pessoas com características de personalidade díspares. Portanto, se quisermos promover um ambiente de harmonia e respeito mútuo, é indispensável criar um clima de aceitação das diferenças individuais. O sentimento de respeito ao outro indivíduo e a cooperação produzem ainda um ambiente de confiança que certamente reduz os efeitos de um eventual fracasso escolar, motivando o aluno a prosseguir em sua busca de sucesso como um ser humano único e integral.

A seguir, apresentaremos a teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Feuerstein. Baseando-se na teoria vygotskiana, esse autor aprofunda as questões pedagógicas, fornecendo uma orientação detalhada sobre o procedimento adequado para uma mediação eficaz.

CAPÍTULO 2 – FEUERSTEIN E A TEORIA DA MODIFICABILIDADE