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A Teoria do Capital Humano surgiu em finais dos anos 50, início dos anos 60 do século XX através de trabalhos realizados essencialmente por um grupo de economistas neoclássicos da Escola de Chicago, nomeadamente Edward Denison (1962), Jacob Mincer (1958), Theodore Schultz (1961), Gary Becker (1960) e Milton Friedman (1955), entre outros. Após a apresentação do conceito, os estudos sobre Capital Humano difundiram-se rapidamente principalmente nos Estados Unidos mas também noutros países. Theodore Schultz publicava em 1963 a obra The economic value of education e em 1964, Gary Becker publica Human Capital, uma obra de referência nos estudos sobre investimentos na formação dos trabalhadores onde a discussão se amplia com o desenvolvimento da análise sobre a economia da família, utilizando como base do programa de investigação a teoria do capital humano.

A realidade é que esta teoria teve um extraordinário impacto tanto na literatura económica como na acção política educacional e foi rapidamente incorporada nos programas de expansão educacional dos anos 60 do século XX, levados a cabo na maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Mais tarde, a teoria foi integrada nos programas de outras agências internacionais como a Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO) e pelo Banco Mundial, tornando-se central para a estandardização das estratégias de desenvolvimento nos países em vias de desenvolvimento (Marginson, 1993: 31).

Vejamos de seguida, em maior detalhe, as ideias defendidas pelos teóricos Schultz, Becker e Mincer, no que diz respeito ao capital humano.

Theodore Schultz, debruçando-se sobre as transformações da agricultura entre 1956 e 1960, destaca a importância da educação como investimento e reflecte sobre a importância do processo educacional na preparação do ser humano para enfrentar os constantes ajustamentos a que é submetido, como resultado dos desequilíbrios económicos e sociais tão frequentes na sociedade moderna. Baseando-se em grande medida na ideia defendida por Irving Fisher (1906/2006) que defendia que se o capital é uma fonte de rendimento ao produzir fluxos de rendimentos e serviços, o homem também poderia ser um capital, ainda que de natureza diferente, Schultz escreve em 1961 um artigo de grande repercussão académica, intitulado “Investment in Human Capital”, onde elaborou o conceito de capital humano, procurando estabelecer a essência do conceito e as condições da sua formação. Com esta ideia, Schultz trouxe uma nova noção de trabalho para a teoria económica ao entender o trabalho como uma forma de capital e consequentemente ao criticar a noção clássica e ultrapassada que entendia o trabalho ou os recursos humanos, como um meio de produção, um produto do investimento (tal como uma máquina ou uma infra-estrutura).

Nessa forma de ver o trabalho, os trabalhadores eram pensados e entendidos como uma entidade homogénea com capacidades apenas para realizar trabalho manual que exigia pouco conhecimento e especialização. Este entendimento foi criticado por Schultz na sua obra seminal, onde o autor afirma que «essa noção de trabalho estava errada no período

clássico e está evidentemente errada agora.» (Schultz, 1961: 3). Efectivamente, as ideias de

Schultz foram inovadoras e tiveram repercussões até hoje na medida em que a ideia do homem como um bem similar a outras formas de “capital”1 projecta-nos para a emergência da “sociedade dos serviços”, da “civilização terciária”, para a “sociedade do conhecimento”, para a “sociedade pós-industrial”, expressões que viriam a dominar as ciências sociais nas décadas seguintes ao surgimento da ideia de capital humano. Não obstante, estes pensamentos também foram criticados, principalmente, porque a ideia de considerarmos o ser humano como uma forma de capital remete alguns autores para a velha noção de propriedade no sentido em que se entendia a escravatura (Cf. Pipes, 2000).

Gary Stanley Becker2 veio reforçar as ideias de Schultz, analisando em profundidade o valor oculto dos intangíveis gerados pelo Capital Humano. No seu livro “Human Capital: A

Theoretical and Empirical Análisis, with especial reference to Education”, publicado em

1964, o autor expõe importantes ideias sobre o Capital Humano que hoje em dia são muito usadas. Com o conceito de capital humano, Becker desenvolve toda uma teoria de comportamento, centrada não apenas no indivíduo isolado, mas num indivíduo pertencente a uma família, a um contexto social e económico. Num dos seus mais recentes artigos “La Inversión en Talento como valor de futuro”3, Becker define Capital Humano como «la

inversión en dar conocimientos, formación e información a las personas; esta inversión permite a la gente dar un mayor rendimiento y productividad en la economía moderna y aprovecha el talento de las personas.» (Becker, 2002:26). Nesta definição o autor refere-se

claramente à informação e ao talento, ainda que implícitos na escolarização e na formação, como elementos centrais nos processos económicos e sociais actuais. Esta visão tem bem presente as alterações que têm ocorrido ao nível social, político, económico e cultural como por exemplo, o impacto produtivo das novas tecnologias de informação e comunicação e a globalização, entre outros fenómenos actuais e cujo desenvolvimento fez com que as pessoas tenham um papel central nesses processos e nas mudanças que estão a ocorrer. Finalmente, Jacob Mincer, num artigo publicado em 1958, examinou a questão do capital humano numa perspectiva econométrica, procurando a correlação entre o investimento na formação do trabalhador e a distribuição do rendimento individual. A sua análise indicou que a decisão de absorver tempo para melhorar o desempenho no trabalho era resultante de

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Ver conceito de “Capital Good” in Schultz, 1961: 2.

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Em 1992, G. Becker recebe o Prémio Nobel da Economia pelas suas teorias sobre o Capital Humano.

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uma escolha individual e racional, que as diferenças entre as ocupações eram função de diferenças na formação e que essas diferenças surgiam quando os conceitos de investimento e capital humano eram estendidos para incluir a experiência no emprego. Assim, procurando a relação entre investimento em capital humano e produtividade, Mincer extraía uma conclusão provisória da sua tese de doutoramento no sentido de que a dispersão dos rendimentos entre as diferentes ocupações deveria estar relacionada positivamente com o volume de investimento em capital humano feito nelas. Por conseguinte, a teoria do capital humano defendida por Mincer, aperfeiçoando o quadro neoclássico geral em que se enquadra, admite a heterogeneidade do trabalho, ao considerar o investimento realizado em capital humano e surgindo este como um factor explicativo da diferenciação salarial entre trabalhadores, dotados de produtividades distintas (Teixeira, 2007). O autor defende ainda que a formação contínua, como resulta da abordagem do modelo da acumulação óptima de capital humano, também deve estar incluída na equação referente ao capital humano. Na verdade, esse capital continua a desenvolver-se depois da saída da escolaridade e com a entrada no mercado de trabalho, ainda que o montante tenha tendência para diminuir ao longo do tempo (Mincer, 1974).

Uma vez expostas três perspectivas essenciais da teoria do capital humano, importa apresentar uma resenha dos dois principais princípios que orientam esta teoria.

O pressuposto central é o de que o capital humano é algo produzido, isto é, algo que é o produto de decisões deliberadas de investimento em educação ou em formação. O segundo pressuposto é o de que os indivíduos são detentores de certas características pessoais (umas parcialmente inatas, como as aptidões intelectuais, e outras que vão sendo adquiridas ao longo da vida, tais como a educação formal e informal, a formação profissional e a experiência), que contribuem para o aumento da sua produtividade e, consequentemente, dos salários auferidos ao longo do ciclo de vida. Estas premissas estabelecem uma correlação positiva entre o “stock” de capital humano4 e o nível das taxas salariais aplicáveis, ou seja, o salário de um trabalhador seria igual ao produto marginal do seu trabalho, logo, a remuneração que os trabalhadores recebem seria equivalente ao valor da sua contribuição económica para a organização onde se encontram inseridos. Por conseguinte, a teoria do capital humano afirma que «uma educação adicional elevará os

rendimentos futuros, e, neste sentido, a aquisição de educação é da natureza de um investimento privado em rendimentos futuros» (Blaug, 1975: 21). Visto desta forma, há uma

nítida analogia entre a produtividade física do capital e a educação, justificando-se o tratamento analítico da educação como capital, isto é, como capital humano, posto que se

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O “stock” de capital humano consiste no nível de aptidões, conhecimento e capacidades possuídas num dado momento pelos indivíduos (OCDE, 1998:15).

torna parte da pessoa que a recebe. Para alguns autores (eg. Fernandes, 2000; Teixeira, 1999), a principal hipótese que está subjacente a este tratamento da educação é a de que alguns aumentos importantes no rendimento nacional são uma consequência de investimento nesta forma de capital. Além disso, a educação, enquanto investimento, obedece a uma opção racional entre custos actuais e rendimentos futuros, no contexto mais amplo da maximização dos retornos individuais ou sociais. Logo, a distribuição da educação corresponde à distribuição das preferências, a qual é considerada uma variável exogenamente determinada, se bem que de alguma maneira influenciada pelo progressivo melhoramento do padrão de vida (Teixeira, 1999).

Resumindo, o raciocínio da teoria do capital humano é o seguinte: a) as pessoas educam- se; b) a educação tem como principal efeito mudar suas "capacidades" e conhecimentos; c) quanto mais uma pessoa estuda, maior a sua habilidade cognitiva e maior a sua produtividade; e d) maior produtividade permite que a pessoa tenha maiores rendimentos.