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5. A T EORIA DO D OMÍNIO DO F ATO

5.3. A TEORIA DO DOMÍNIO DA VONTADE EM RAZÃO DE APARATOS ORGANIZADOS DE PODER

A teoria do domínio da vontade em razão de aparatos organizados de poder, conforme visto, é uma das formas de manifestação da autoria mediata, segundo Claus Roxin, e se apoia na tese de que, em uma organização delitiva, o homem de trás, que controla a prática de delitos, pode ser responsabilizado como autor mediato, ainda que os executores sejam plenamente responsáveis, ao contrário da autoria mediata clássica.

Por meio desta Teoria, foi possível a condenação de Adolf Eichmann, como responsável pelo assassinato de judeus durante o governo nazista na Alemanha. A Teoria foi também invocada pelo Superior Tribunal alemão, em 1994, para a condenação de membros do Conselho de Segurança Nacional da extinta República Democrática da Alemanha, pela morte de cidadãos durante tentativa de atravessar o muro de Berlim, para fugir do governo socialista. Os soldados que mataram os cidadãos da RDA foram igualmente condenados por homicídio doloso. Outras condenações se sucederam a esta.

A Teoria foi internacionalmente adotada por países como Espanha, Peru e Argentina, entre outros, e também pelo Tribunal Penal Internacional.

Como não poderia deixar de ser, a Teoria é alvo de muitas críticas. Eentre elas, a que tenta afastar o conceito de autoria mediata, sob o argumento de que ela seria uma modalidade ou variação da coautoria ou da indução/instigação.

Roxin (Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha) lembra que, para a coautoria, falta a “execução comum”, pois o homem de trás não pratica a conduta típica, sendo ela atribuída a terceiros executores (instrumentos). O homem de trás determina e controla a realização da prática delituosa sem, na grande maioria das vezes, ao menos conhecer o executor. Além disso, não existe a divisão de tarefas entre o homem de trás e o homem da frente (executor), tampouco o planejamento comum.

Para Roxin, a indução/instigação também deve ser afastada, embora exista a “provocação” pelo homem de trás. Aqui não há certeza alguma da prática do delito pelo induzido/instigado, tampouco o controle da situação pelo homem de trás, ou seja, o induzido/instigado decide, por si, a realização ou não do delito, bem como o quando, o onde e o como. Já na organização delitiva, o homem de trás determina quando e as circunstâncias em que se dará a prática do delito, enquanto o executor tem nenhuma ou quase nenhuma discricionariedade. Além disso, caso o executor não concorde ou não possa realizar o determinado, poderá ser substituído por outro. Daí, não há como equiparar o homem de trás ao mero indutor/instigador.

Outra crítica à Teoria aponta a impossibilidade da existência de um autor por trás de outro plenamente responsável. Entretanto, Roxin rebate que não se pode esquecer que trata-se de uma organização de poder hierarquicamente estabelecida, com clara definição de papeis e diversidade de executores. O homem de trás e o executor possuem distintas formas de domínio do fato, que não se incompatibilizam. O homem de trás, possuindo o domínio da organização, conta com elevada segurança de que sua ordem será cumprida justamente em razão da estrutura hierarquizada de poder à sua disposição, inclusive a possibilidade de substituição do executor. Esta segurança e a certeza da realização do delito são muito maiores do que as existentes nas outras formas de domínio.

Roxin (Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha) define quatro pressupostos, que devem ser atendidos para a caracterização da autoria mediata em razão do domínio da organização:

a) Poder de mando. Somente pode ser autor mediato aquele que tenha a autoridade para dar ordens e dela se utilize para determinar a realização de delitos. Ele pode estar no topo ou numa posição intermediária da pirâmide organizacional. O comandante de um campo de concentração era autor mediato dos assassinatos de judeus por ele ordenados, ainda que ele mesmo estivesse agindo em obediência a ordens superiores. Podem, portanto, existir diversos autores mediatos na cadeia hierárquica da organização de poder.

b) Desvinculação do ordenamento jurídico do aparato de poder. A organização, ou ao menos parte dela, deve estar desvinculada do Direito, emitindo ordens e dando o suporte necessário para a prática delituosa. Em outras palavras, deve ser uma organização destinada à prática de delitos.

c) Fungibilidade do executor imediato. Assegura-se o cumprimento das ordens emitidas pelo homem de trás, justamente pela existência de executores potenciais disponíveis, em quantidade tal que a recusa ou a impossibilidade de um deles possa ser suprida por outro, sem ameaçar a prática delituosa.

d) Relevante disposição do executor para o fato. Exige-se a adesão voluntária do executor à organização e que ele esteja pré-disposto à realização do fato típico. O executor em um aparato organizado de poder, que pratica a conduta típica final tem uma posição diferente da do autor individual de um delito. O segundo atua de forma totalmente autônoma, enquanto o primeiro atua sob influência da organização e corrobora com o domínio dos homens de trás. Além disso, o executor deve adaptar- se às condições e exigências da organização em vários aspectos, desde o seu comportamento até a forma de atuação. Deve-se levar em conta, também o fato de que existe na organização de poder, seja ela criminosa ou não, uma disputa natural para o crescimento/promoção e busca de prestígio, além de outras espécies de motivação. Há, ainda, o sentimento de que se ele não o fizer, alguém o fará em seu lugar, acabando por receber também os méritos. Aqui, o domínio do fato por coação irresistível e por erro são afastados, porém, existe um temor do executor da perda de prestígio e, eventual sanção, em caso de recusa ou falha na execução. Ainda, há o sentimento de que sempre a responsabilidade maior será do homem de trás, pois estaria agindo sob seu comando. Neste aspecto, a disposição do executor ao fato não é incondicionada, mas condicionada.

Esta última condição não deve ser analisada isoladamente, mas em conjunto com as demais, especialmente a fungibilidade.

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