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UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL GRAUDUAÇÃO EM DIREITO CELSO MAMORU TERAMAE A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NA AÇÃO PENAL Nº 470/MG

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UNIVERSIDADE

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EORIA DO

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OMÍNIO DO

F

ATO NA

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ENAL Nº

470/MG

Trabalho interdisciplinar apresentado ao Programa de Bacharelado em Direito da Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS

ORIENTADOR

PROF.DR.SILVIO CESAR AROUK GEMAQUE

SÃO CAETANO DO SUL 2015

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C

ELSO

M

AMORU

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ERAMAE

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EORIA DO

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OMÍNIO DO

F

ATO NA

A

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ENAL Nº

470/MG

Monografia apresentada no curso de graduação à Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Faculdade de Direito para a conclusão do bacharelado em Direito.

Área de concentração

Data de defesa: ___/___/___

Resultado: ____________________________. Banca Examinadora constituída pelos professores:

Prof. Dr. Silvio Cesar Arouk Gemaque ___________________________________ Universidade Municipal São Caetano do Sul

1º Examinador ___________________________________ Universidade Municipal São Caetano do Sul

2º Examinador ___________________________________ Universidade Municipal São Caetano do Sul

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REITOR DA UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL – USCS Prof. Dr. Marcos Sidnei Bassi

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO Prof. Ms. Marcos Antonio Biffi

GESTOR DO CURSO DA ESCOLA DE DIREITO Prof. Dr. Robinson Henriques Alves

(5)

“O homem para, o mundo não.”

(6)

R

ESUMO

De acordo com as teorias tradicionais, autor é aquele que pratica a conduta nuclear do tipo penal, enquanto aquele que contribui para a realização do fato típico, sem praticar a conduta típica é mero partícipe. O mandante de um crime, que não pratica conduta típica alguma, é considerado mero partícipe, mesmo que seja o maior beneficiário. A Teoria do Domínio do Fato surgiu na Alemanha, para possibilitar a responsabilização do mandante de um crime, aquele que se utiliza de terceiro para a prática da conduta típica, como autor mediato. A Teoria vem ganhando espaço mundialmente, especialmente na responsabilização daquele que se utiliza de um aparato organizado de poder, uma organização criminosa, tendo sido acolhida, inclusive, pelo Tribunal Penal Internacional. No Brasil, ganhou grande repercussão no julgamento da Ação Penal nº 470/MG, o Mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Teoria do Domínio do Fato, Claus Roxin, aparato organizado de poder, mandante, autor mediato, AP-470/MG.

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A

BSTRACT

According to traditional theories, perpetrator is the one that practices the action described in criminal law, while the one that contributes without practicing any of crime verbs is a mere participant. Thus, the one behind a crime, not acting according to the criminal verbs, is a mere participant, regardless perceiving most benefits. The Domain of the Act Theory was conceived in Germany in order to permit the crime assignment to the one behind the crime as an indirect perpetrator, the one that uses a third party to practice the criminal verbs. The Theory is gaining worldwide importance, specially, in case of criminal organizations, in an organized apparatus of power, and was adopted by the International Criminal Court. In Brazil, the Theory had large repercussion during the judgement of Ação Penal nº 470/MG, by the Brazilian Prime Court.

Key words: Domain of the act, Claus Roxin, organized apparatus of power, the man behind, indirect perpetrator and AP-470/MG.

(8)

S

UMÁRIO 1. Considerações Iniciais ... 9 2. Introdução ... 10 3. Concurso de Pessoas ... 13 4. Autoria e Participação ... 17 4.1. Autoria ... 18 4.2. Participação ... 21

5. A Teoria do Domínio do Fato ... 25

5.1. Domínio do Fato, delitos de dever, de mão própria e culposos ... 27

5.2. O que não é a Teoria do Domínio do Fato ... 28

5.3. A teoria do domínio da vontade em razão de aparatos organizados de poder ... 30

5.4. Organizações empresariais ... 33

6. Exclusão do Domínio do Fato ... 34

7. Críticas à Teoria do Domínio do Fato ... 35

8. A Teoria do Domínio do Fato no Brasil ... 42

9. A Ação Penal nº 470/MG – O Mensalão ... 44

9.1. A Denúncia ... 49

9.2. O Julgamento ... 52

9.3. O Acórdão ... 53

10. A Teoria do Domínio do Fato na Ação Penal nº 470/MG ... 59

10.1. Dirigentes o Banco Rural ... 59

10.2. José Dirceu de Oliveira e Silva ... 61

10.3. Posições dos Ministros do STF quanto a Teoria do Domínio do Fato ... 63

11. Novas etapas ... 66

12. Considerações finais ... 68

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1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este estudo tem como objetivo abordar a Teoria do Domínio do Fato, sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro e no julgamento da Ação Penal nº 470/MG, o Mensalão, sem a pretensão de esgotar o assunto e tampouco questionar o conhecimento e a capacidade dos ilustres Ministros do STF, que fizeram parte do julgamento.

(10)

2.INTRODUÇÃO

O homem é um ser gregário por natureza, ou seja, necessita viver em grupo, pelas mais diversas razões. Nos primórdios, a maior motivação para o agrupamento era a sobrevivência da própria espécie, especialmente, na busca de alimentos e para se proteger de seus predadores. Com o tempo, o homem apercebeu-se de que poderia obter outras vantagens com a vida em grupo e os motivos foram mudando, acompanhando a evolução do homem e de suas relações na sociedade.

Hoje, dentre tantas razões para a vida em sociedade, destacam-se a divisão de funções, a especialização, a oportunidade de crescimento econômico, as crenças religiosas e o poder, dando oportunidade para o surgimento das nações, das grandes corporações, dos grupos econômicos, entre outros.

Ao mesmo tempo que trouxe prosperidade, a vida em sociedade agregou riscos às pessoas, pelo simples fato de estarem juntas. Em outras palavras, as pessoas podem ser lesadas sem intenção alguma do agente, em razão do risco implícito a determinadas condutas. São riscos, porém, toleráveis à sociedade, tais como, acidentes de trânsito, erro médico, queda de uma ponte, esbarrão andando na multidão, etc.

Entretanto, além dos riscos toleráveis, a vida em sociedade oferece também riscos intoleráveis, indesejáveis e proibidos, decorrentes de atos ilícitos ou delitos. Aliás, criminosos, usurpadores e aproveitadores do trabalho alheio e outros tipos de delinquentes sempre existiram, à margem da sociedade, em busca das mais diversas vantagens, mas, principalmente, de vantagem econômica. Assim, a vida em sociedade propicia também a criminalidade, seja pela facilidade ou abundância de oportunidades em praticar delitos, seja pela maior perspectiva de impunidade. São atos contrários às normas que regem o convívio em sociedade.

Como consequência ou aproveitando da evolução social, surgiram também as organizações delituosas.

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A cooperação entre criminosos e a associação entre eles também vêm dos primórdios, com o objetivo de facilitar a realização de determinados crimes e em determinadas situações, conforme a conveniência. Desta forma, os criminosos ganhavam eficácia e eficiência. Porém, as organizações criminosas atuais atingiram tal grau de sofisticação e especialização que, por vezes, põem em cheque o poder do Estado, pois cresceu também a dificuldade para identificar e punir os responsáveis, além da dificuldade na caracterização do próprio crime.

Com a atuação conjunta de agentes, tornou-se fundamental a identificação e distinção das várias contribuições na realização do fato criminoso para a adequada responsabilização e aplicação da pena cabível, ou seja, a individualização da pena. Tal tarefa mostrou-se complexa e confusa ao longo da história. Surgiram diversas teorias, que o tempo mostrou serem inadequadas ou insuficientes para atender à demanda da sociedade.

Neste contexto, a Teoria do Domínio do Fato surgiu como mais uma resposta a um problema concreto, que consistia na dificuldade para a distinção entre autor e partícipe.

A expressão “Teoria do Domínio do Fato” foi utilizada pela primeira vez em 1915 por Carl August Hegler, na Alemanha, cuja ideia tomou forma por obra de Hans Welzel, em 1939, e aperfeiçoada por Claus Roxin em sua obra Täterschaft und Tatherrschaft, de 1963, fazendo com que ganhasse a projeção especialmente na Europa e na América Latina, sem mencionar a sua aceitação pelo Tribunal Penal Internacional.

Na Alemanha, a Teoria foi utilizada pelo equivalente ao nosso Superior Tribunal de Justiça, para julgar e condenar comandantes da extinta República Democrática da Alemanha, por crimes cometidos para evitar a fuga de cidadãos do regime comunista. Na Argentina, foi utilizada para julgar e condenar comandantes da Junta Militar, considerando-os culpados pelo desaparecimento de várias pessoas durante a ditadura militar. No Peru, foi utilizada pela Suprema Corte para julgar e condenar o ex-presidente Alberto Fujimori por crimes de sequestro e homicídio ocorridos durante seu governo.

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Sem entrar ainda em detalhes, segundo a Teoria do Domínio do Fato, autor é a pessoa que, mesmo não praticando direta e pessoalmente a conduta descrita no tipo penal, decide e ordena sua prática a terceiro, que atua como instrumento, ou seja, o terceiro pratica o delito em obediência ao primeiro. Para a Teoria, o mentor da infração não é mero partícipe, pois seu ato não se restringe a induzir ou instigar o agente infrator, havendo relação de subordinação entre ambos, e não de mera influência resistível.

Como desdobramento da Teoria, entende-se que uma pessoa que tenha autoridade direta e imediata sobre um agente ou grupo de agentes que pratica ilicitudes, em situação ou contexto em que estes têm conhecimento, ou necessariamente deveriam tê-lo, essa autoridade poderá ser responsabilizada pela infração do mesmo modo que os autores imediatos.

A Teoria do Domínio do Fato pressupõe concurso de agentes, com a devida distinção entre autoria e participação e, para melhor compreensão dela, torna-se importante uma breve passagem por estes conceitos.

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3.CONCURSO DE PESSOAS

A grande maioria dos crimes tipificados pode ser praticada por um único agente; são os crimes unissubjetivos. Entretanto, há crimes que exigem o envolvimento de dois ou mais agentes; são os crimes plurissubjetivos, tais como: crimes contra a Administração Pública, tráfico de entorpecentes, tráfico de armas, tráfico de pessoas, pedofilia, crime organizado e lavagem de dinheiro, na forma de coautoria, autoria colateral, autoria mediata ou participação. Muitos desses crimes transcendem as fronteiras de um Estado, através de organizações internacionais e, não por acaso, são os crimes que mais crescem atualmente, pois são os que propiciam maior vantagem econômica.

Quando se discute a distinção entre autor e partícipe, está-se abordando a participação de múltiplos agentes na realização de um mesmo fato típico, ou seja, o concurso de agentes, e é uma questão ainda que causa divergências na doutrina, razão pela qual existem diversas teorias e definições. São algumas das situações típicas:

a) Concurso de pessoas nos crimes dolosos. É a forma mais comum de concurso, onde os agentes se unem consciente e voluntariamente em busca de um resultado típico comum, visando vantagens comuns ou particulares.

b) Concurso de pessoas nos crimes culposos. Não existe o vínculo subjetivo de “querer o resultado típico” entre os agentes, mas existe o vínculo consciente e voluntário de “querer praticar determinada conduta em conjunto”. Os coautores dão causa ao resultado, mesmo não querendo, ao agirem sem o dever objetivo de cuidado.

c) Concurso de agentes em crimes omissivos. Duas ou mais pessoas, em comum acordo, deixam de praticar ato a que estariam obrigadas, causando diretamente o fato típico, como ocorre na omissão de socorro, configurando crime omissivo próprio. Pode também ocorrer a situação em que duas ou mais pessoas, em comum acordo, deixam de praticar ato a que estariam obrigadas, causando o fato típico de modo indireto, como ocorre quando a mãe deixa de alimentar o filho pequeno,

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levando-o à morte, configurando crime comissivo por omissão. A participação no crime omissivo decorre de uma ação positiva do partícipe que leva o autor à omissão de conduta a que era obrigado. Os crimes comissivos admitem participação por omissão e os crimes omissivos, a participação por ação.

d) Multidão delinquente. Não existe o vínculo subjetivo que “querer atuar em conjunto” ou de “querer o mesmo resultado”, porém não se afasta o vínculo psicológico entre os agentes. É o efeito manada, como ocorre nos casos de linchamentos, saques ou depredações.

São circunstâncias que envolvem o concurso de pessoas:

a) Circunstâncias incomunicáveis. As circunstâncias pessoais dos agentes na prática delituosa são, em regra, incomunicáveis, exceto quando elementares do crime (art. 30, CP).

b) Circunstância objetiva, material ou real. Diz respeito ao fato, à qualidade e condição da vítima, ao tempo, ao lugar, modo e meio de execução do crime e as circunstâncias se comunicam, se forem de conhecimento dos agentes.

c) Circunstância subjetiva ou pessoal. Diz respeito ao agente, suas qualidades, estado, parentesco, motivo do crime, etc., não se comunicando entre os participantes, a não ser que se tratem de elementares do crime, lembrando que elas são essenciais à figura típica, ou seja, sem elas, o delito será outro. Logo, em regra, cada agente responde pelo crime de acordo com suas circunstâncias e condições pessoais.

Dentre as principais teorias acerca do concurso de agentes, destacam-se:

a) Teoria monista, unitária ou igualitária da participação. Não faz distinção entre autor, coautor e partícipe; todos são autores. É a teoria adotada no Brasil, entretanto, o artigo 29, caput, Código Penal admite a dosagem da pena na medida da culpabilidade, de forma que há uma aproximação da teoria monista à dualista.

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b) Teoria dualista ou dualística. Considera autor aquele que pratica a conduta descrita no tipo penal e partícipe aquele que contribui com a realização do fato típico realizando atividades secundárias, porém, o crime continua sendo um só. A teoria define, também, o instigador e o cúmplice, dependendo da conduta e contribuição de cada um.

Esta teoria não foi adotada pelo nosso ordenamento jurídico, a não ser como exceção à teoria anterior, de forma mitigada, conforme menciona Cezar Roberto Bitencourt.

c) Teoria pluralista. Concurso de ações ou condutas distintas, havendo uma pluralidade de infrações, de modo que cada agente pratica uma infração própria e autônoma, sem vínculo psicológico algum. Embora independentes, as condutas dos agentes convergem para um objetivo e resultado comuns.

Fernando Capez considera que o nosso Código Penal admite esta teoria como exceção à monista, em situações específicas, como a situação em que o agente quis participar de um crime menos grave, configurando a cooperação dolosamente distinta.

São requisitos do concurso de pessoas:

a) A pluralidade de agentes: atuação conjunta de dois ou mais agentes para a prática de um delito comum, executando ou não a conduta típica.

b) A divisão de tarefas: prática de condutas distintas, típicas ou não, de forma a contribuir para a realização do fato típico.

c) Relevância causal das condutas: a participação de cada agente pode dar-se de diversas maneiras, mas ela deve ser relevante, ou seja, a ação ou omissão deve ser decisiva para a consumação do delito.

Conduta relevante é aquela sem a qual não haveria crime. Se a participação em nada influir no delito, a conduta será penalmente indiferente, não havendo concurso de agentes.

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d) Elementos objetivos: as condutas devem ser relevantes para o alcance do resultado, podendo ocorrer desde a idealização até a execução e consumação.

e) Elementos subjetivos: as condutas devem ser voluntárias e os agentes devem estar conscientes de que contribuem para a prática de um delito comum. Caso contrário, as condutas serão isoladas e autônomas, caracterizando a autoria colateral. A adesão pode dar-se antes ou durante a execução.

Conclui-se, portanto, que nem toda conduta caracteriza participação, pois ela deve contribuir de forma decisiva para a realização do fato típico.

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4.AUTORIA E PARTICIPAÇÃO

De uma maneira genérica e simplista, o termo “partícipe” é utilizado com dois sentidos:

a) Amplo: compreende autor, instigador e cúmplice, sem distinção, ou seja, todos que de alguma forma contribuíram para a prática do delito. Conceito unitário de autor.

b) Restrito: compreende apenas o instigador e o cúmplice, que contribuem para a prática do delito, sem praticar a conduta típica. Assim, o termo “autor” fica reservado para aquele que pratica a conduta típica.

Na prática, entretanto, não é tão simples assim. A realização de um crime pode envolver inúmeras situações e agentes, levando ao surgimento diversas teorias e conceitos para a caracterização da autoria e da participação, bem como das diversas subclasses correspondentes.

A questão da diferenciação entre autor e partícipe apresenta-se como preocupação desde os primórdios das civilizações, sendo que a finalidade era de se aplicar a punição conforme a gravidade da atuação de cada um dos agentes.

De fato, já na Roma Antiga a participação de vários agentes em um mesmo delito assumia formas distintas:

a) Socii: realização de um delito em coautoria;

b) Princeps sceleris ou princeps delicti: líder da atuação conjunta;

c) Conscius: aquele que tem menor atuação no delito;

d) Auctor: aquele que tem atuação decisiva no delito; e

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Tais definições mostraram-se de difícil aplicação no caso concreto, mas serviram de base para o surgimento de novas teorias e conceitos como, por exemplo, na Itália da Idade Média:

a) Auctor: aquele que pratica a conduta principal;

b) Mandatum: ordem para que um outro praticasse um delito;

c) Auxilium: qualquer tipo de contribuição para a prática delituosa; e

d) Consilium: contribuição intelectual para a prática do delito, sem que tivesse qualquer interesse no fato.

As teorias baseavam-se em diversos critérios para a distinção entre autor e partícipe, entre eles, a eficiência causal, a equivalência das condições, a equiparação sancionatória, a culpabilidade e a relevância da atuação, adotando ora critérios objetivos, ora subjetivos, ou mesclando-os.

Também foram identificadas condições necessárias e condições suficientes para a definição da autoria, a depender da teoria adotada.

4.1.AUTORIA

Em regra, autor é aquele que executa a ação descrita no tipo penal, porém, esta definição mostrou não ser suficiente para a aplicação adequada e individualizada da pena aos agentes, surgindo, então diversas classificações, tais como, a individual, a mediata, a coletiva, a colateral, a incerta e a desconhecida ou ignorada.

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a) Teoria unitária de autor. Não diferencia autor do partícipe; todos são autores e também não há diferenciação das condutas ou do grau de relevância de cada uma delas, de forma que a mesma pena é aplicada a todos, autor e partícipe.

b) Teoria extensiva de autor. Autor é todo aquele que, de alguma forma, contribui para a realização do crime, não havendo diferenciação entre autor e partícipe, independentemente do grau de participação ou da contribuição de cada um.

c) Teoria restritiva de autor. Autor é aquele que pratica, mesmo que em parte, a conduta típica, havendo distinção entre autor e partícipe e desdobra-se em duas:

c.1) Teoria objetivo-formal. Autor é aquele que pratica a conduta típica, enquanto o partícipe não a pratica, contribuindo para o resultado de forma acessória, não se levando em conta o elemento subjetivo. Logo, o mandante, que não pratica a conduta típica, não é autor.

c.2) Teoria objetivo-material. Autor é aquele que contribui para o resultado, independentemente da prática da conduta típica, também não levando em conta o elemento subjetivo.

d) Teoria objetiva-subjetiva. Autor é aquele que tem o controle final do fato e de suas circunstâncias; tem o poder de decidir quanto à realização e consumação, enquanto o partícipe coopera e auxilia na realização. Assim, a tipicidade da ação não é suficiente nem decisiva para caracterizar o autor. Logo, autor não é apenas aquele que realiza a conduta típica (objetiva e subjetivamente), mas também aquele que idealiza, planeja e determina as atividades dos demais, com domínio sobre o fato.

A Teoria do Domínio do Fato enquadra-se nesta última e será detalhada adiante.

Dentre as diversas classificações de autoria, as principais são:

a) Autoria imediata ou direta. Aquele que pratica o verbo núcleo do fato típico será sempre autor.

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b) Autoria mediata ou indireta. Aquele que se vale de terceiro, o qual pratica a conduta típica sem dolo, atipicamente ou justificadamente. O autor conta com uma posição de subordinação, sendo o terceiro mero instrumento para prática delituosa, não possuindo discernimento completo sobre a ilicitude do ato ou domínio sobre o fato, em razão de coação moral irresistível, erro de tipo, obediência hierárquica ou utilização de pessoas inimputáveis. Se o terceiro não for instrumento, não há autoria mediata.

O conceito de “autoria mediata” foi criado por Cristoph Carl Stübel, em 1828, com o intuito de responsabilizar aquele que, sem praticar a conduta típica, vale-se de terceiros para a prática de delitos. O mandante, o homem de trás, de alguma forma domina as ações e as vontades de terceiros, utilizando-os como meros instrumentos, sem responsabilidade. Se o instrumento for responsável (erro de proibição ou tipo evitáveis e dever jurídico), agindo também com dolo, ele será coautor.

c) Coautoria. Aquele que se une a outros agentes e, em colaboração recíproca, realiza a conduta principal, com objetivo comum. A coautoria é fundada na divisão de tarefas, onde cada um responde pelo todo. Assim, as condutas não precisam ser a mesma, mas devem ser relevantes para a realização do tipo penal. A coautoria pode ser: necessária, quando a lei prevê a pluralidade de agentes, ou eventual, quando, embora o delito possa ser praticado por um único agente, há uma união de agentes. Ela pode dar-se das seguintes formas:

c.1) Direta. O agente executa o verbo do tipo penal.

c.2) Funcional. O agente pratica parte do tipo penal.

c.3) Intelectual. Sem executar o verbo do tipo penal, o agente idealiza e organiza as ações para a prática do crime.

d) Autoria colateral. Há uma pluralidade de agentes, sem vínculo subjetivo, um ignorando os demais, que praticam condutas que convergem para o mesmo delito.

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Trata-se de ação conjunta sem reciprocidade consensual e cada agente responde por crime tentado ou consumado, a depender de sua conduta e do resultado.

e) Autoria incerta. Duas ou mais pessoas, sem vínculo subjetivo, praticam condutas convergentes, mas não é possível identificar a autoria, ou seja, quem produziu o resultado. Todos respondem por crime tentado.

f) Autoria desconhecida. Não é possível identificar quem praticou a conduta delitiva.

4.2.PARTICIPAÇÃO

Geralmente, o termo “participação” é utilizado em sentido amplo, abrangendo tanto autores como partícipes de um delito, sem distinção alguma. Entretanto, conforme já visto, o partícipe concorre para a realização do fato típico, sem praticar a conduta típica, exercendo papel secundário, sendo sua conduta considerada acessória.

Para que haja partícipe, é necessário que haja um autor, ou seja, não há conduta acessória sem a conduta principal, descrita no tipo penal. Em outras palavras, é necessário que o autor, ao menos, inicie a execução do crime; caso contrário, não há participação (princípio da acessoriedade).

Além disso, a conduta do partícipe deve ser dolosa, unindo-se ao dolo do autor. Não há possibilidade de participação em crime culposo, porém, a participação culposa em crime doloso é possível.

O Código Penal Brasileiro, apesar de prever penas distintas, a depender da culpabilidade do agente, não faz distinção clara entre autor e partícipe, ficando a cargo da doutrina esta tarefa (art. 29, CP).

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a) Moral - Teoria da participação na culpabilidade: caracterizada pelo induzimento, instigação, à prática do fato típico. A atuação dá-se sobre o agente.

b) Material - Teoria do favorecimento da consumação: caracterizada pela facilitação material, auxílio, para a realização do fato típico (entrega de arma). A atuação dá-se sobre a conduta do agente.

São teorias que definem a participação:

a) Teoria causal. Toda conduta, ação ou omissão, sem a qual não haveria resultado, é considerada causa, não havendo distinção entre autor e partícipe. Cada agente atua em crime próprio, não alheio. Assim, dá-se o mesmo tratamento para quem pratica a conduta típica e para aquele que simplesmente instiga ou induz.

b) Teoria da acessoriedade mínima. Para que o partícipe seja responsabilizado, basta que o autor pratique a conduta típica, mesmo que ele, o autor, seja absolvido pela excludente de antijuridicidade (estado de necessidade, legítima defesa).

c) Teoria da acessoriedade limitada. A conduta principal deve ser típica e antijurídica, sendo a culpabilidade mero pressuposto para a aplicação da pena, não influindo na ocorrência do principal (menor de idade - conceito formal de crime). É a teoria dominante no Brasil.

d) Teoria da acessoriedade máxima ou extrema. O partícipe somente será responsabilizado se o autor praticar a conduta típica, antijurídica e culpável. A acessoriedade da participação é absoluta.

e) Teoria da hiperacessoriedade. O partícipe somente será responsabilizado se o autor praticar conduta típica, antijurídica, culpável e punível.

O Brasil adota as teorias da acessoriedade limitada e máxima. Em qualquer uma delas, a participação é sempre acessória.

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O Código Penal Brasileiro não considera crime “instigar alguém a matar” ou “auxiliar alguém a subtrair” de forma direta. Tais condutas serão crimes somente se alguém efetivamente matar ou subtrair, havendo a adequação típica de forma reflexa, em função do artigo 29, denominado “norma de extensão”.

Por fim, de acordo com a teoria tradicional, aquele que idealiza, organiza, coordena e determina a forma de execução do delito, desde que não realize a conduta típica, é considerado mero partícipe, com penalização mais branda. A Teoria do Domínio do Fato possibilita a classificação de tal agente como autor, com penalização agravada.

Apesar de acessória ou secundária, a conduta do partícipe deve ter eficácia causal, além da consciência e vontade de participar do crime. São algumas das formas de participação:

a) Participação em cadeia ou participação da participação. Corresponde à incitação à instigação; cúmplice da instigação ou da cumplicidade, que ocorre, por exemplo, quando A induz B a matar D, mas B induz C a fazê-lo. A e B serão punidos por participação, desde que C tenha ao menos iniciado o crime e tentado matar D.

b) Participação sucessiva. Corresponde à instigação por dois ou mais agentes de um terceiro, até que este seja convencido à prática do crime, que ocorre, por exemplo, quando A, B e C, sucessivamente induzem D a matar E.

c) Participação impunível. Se a prática do crime não chegar a ser iniciada, a participação será impunível. O mesmo ocorrerá quando a participação não contribuir para o crime. Há casos em que a participação configura crime autônomo (associação criminosa e incitação ao crime).

d) Participação de menor importância. Não existe definição objetiva, ficando a cargo do juiz o estabelecimento de critérios, em cada caso concreto.

e) Cooperação dolosa distinta. O autor vai além do que foi “sugerido” pelo partícipe.

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A ação positiva é a forma mais comum de contribuição para a prática de um delito. Entretanto, a contribuição pode dar-se também por omissão.

Deve-se, entretanto, distinguir a participação por omissão da por conivência. Na primeira, existe um dever jurídico de impedir o resultado (dever legal, dever do garante ou comportamento anterior), além do vínculo subjetivo em relação ao autor. Já a segunda independe do dever jurídico de impedir o resultado e aquele que omite incorre em delito prescrito em lei (omissão de socorro). Assim, não há participação neste tipo de delito.

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5.ATEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

Conforme já mencionado, a Teoria do Domínio do Fato surgiu como resposta à dificuldade na distinção entre autor e partícipe, para a responsabilização e aplicação da pena correspondente a cada agente, na realização de um fato típico, e efetivamente ganhou importância e projeção internacional a partir dos trabalhos de Claus Roxin.

Ele desenvolveu e aperfeiçoou, a ideia de que autor é, além daquele que pratica a conduta do tipo penal, também o que detém o domínio do fato, ou seja, o que controla o quando, o como, o onde e demais circunstâncias para a realização do delito, sem praticar conduta típica alguma. É a figura central do fato típico.

A Teoria abre a possibilidade de se responsabilizar o homem que está por trás do crime ou da organização criminosa, que não pratica nenhuma conduta típica e nem está presente na cena do crime, mas coordena e ordena a sua prática, como autor, pois, sem ele, o crime não ocorreria. Para a Teoria, portanto, a tipicidade da conduta não é suficiente nem decisiva para caracterizar a autoria.

Segundo a Teoria do Domínio do Fato, na autoria mediata, o executor tem a consciência da ilicitude da conduta e a vontade de praticá-la, o que não ocorre na autoria mediata tradicional, em que o executor não tem plena consciência da ilicitude, não tem o domínio sobre a própria conduta ou é inimputável. Eis a razão pela qual ela se enquadra na teoria objetiva-subjetiva de autoria (Seção 4.1).

Segundo Roxin (Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha), domínio do fato pode manifestar-se das seguintes maneiras:

a) Domínio da Ação: autoria imediata. Trata-se do domínio sobre a própria ação. Aquele que domina a ação é sempre autor, agindo de forma totalmente autônoma, a mando de outra pessoa ou erro de proibição inevitável. Será autor ainda que afastada a sua culpabilidade e agindo em concurso de agentes.

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b) Domínio da Vontade: autoria mediata. Trata-se do domínio da vontade de terceiro, que pratica a conduta típica como mero instrumento, por qualquer razão. O autor mediato comete o delito, sem praticar pessoalmente a conduta típica, fazendo com que terceiro o faça por ele. O domínio da vontade de terceiros pode dar-se por:

b.1) coação: pode ser física ou moral e, pelo princípio da responsabilidade, isenta-se o executor de culpa e responsabiliza-se o mandante, o homem de trás, como ocorre quando A, mantendo uma arma apontada a cabeça do filho de B, ordena que B atropele C; de fato, B atropela C, matando-o;

b.2) erro: pode ocorrer desde o erro de tipo até o erro de proibição evitável, que podem ou não excluir a culpabilidade do executor. O fundamental é que o homem de trás controle as ações do executor, como ocorre quando o A atira em B, pensando estar alvejando C, por indução do mandante;

b.3) inimputabilidade: o homem de trás utiliza-se de terceiro inimputável, em razão da idade, doença mental ou outro motivo qualquer para a execução da prática delituosa; e

b.4) organização de poder: Trata-se de organizações criminosas, terroristas ou governos totalitários, em que os executores são meros instrumentos, perfeitamente fungíveis. Quanto mais próximo do topo da estrutura organizacional, maior o poder e a responsabilidade e mais distante da execução. Os líderes planejam e emitem as ordens que são acatadas pelos escalões de baixo, até chegarem aos executores (estes, não raro, desconhecem os membros das lideranças). O executor tem a consciência da ilicitude da conduta e a vontade de praticá-la, o que não ocorre na autoria mediata tradicional, em que o executor não tem plena consciência da ilicitude, não tem o domínio sobre a própria conduta ou é inimputável.

Discute-se se a teoria do domínio organizacional deve ser aplicada somente às organizações ilícitas ou também a toda e qualquer empresa, como ocorre na Alemanha. Roxin defende que apenas nas organizações de natureza criminosa, dissociadas da ordem jurídica, a base acata ordens manifestamente ilegais. Desta

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forma, a Teoria do Domínio do Fato não estaria relacionada ao poder de mando, mas à natureza da organização.

Pode ocorrer, entretanto, que numa organização lícita, ordens manifestamente ilegais sejam acatadas por coação ou erro, ou ainda como ação de um grupo com intenção de lesar a empresa. Neste último caso, haveria uma suborganizarão delituosa dentro da organização lícita.

Não se deve confundir o domínio da organização com o domínio do fato. No primeiro, a atuação é sobre a organização, que garante a continuidade de práticas delitivas, enquanto que no segundo, a atuação é sobre determinada prática delitiva.

c) Dominio Funcional do Fato: Coautoria. Atuação coordenada de dois ou mais agentes, com ou sem divisão de tarefas, onde cada um mantém o domínio sobre a sua própria conduta.

5.1.DOMÍNIO DO FATO, DELITOS DE DEVER, DE MÃO PRÓPRIA E CULPOSOS

A Teoria do Domínio do Fato não é aplicável a toda e qualquer espécie de delito. Há delitos que a própria norma determina quem é o autor e outras em que a autoria é determinada de forma indireta, justamente onde se aplica a Teoria. Algumas situações em que a Teoria não se aplica:

a) Delitos de Dever. Aquele que descumpre um dever jurídico de fazer ou não fazer, pouco importando se detém ou não o domínio do fato, é considerado autor, enquanto o que concorre sem o dever é mero partícipe, como ocorre no peculato, na corrupção passiva ou no descumprimento de um dever legal.

b) Delitos de mão própria. O autor pratica pessoalmente a conduta típica, não se admitindo a coautoria ou a autoria mediata, como no caso do falso testemunho, onde aquele que fornece informações falsas à testemunha não é autor do crime. A testemunha que presta depoimento falso em juízo, acreditando ser verídica a informação recebida também não comete crime algum.

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c) Delitos culposos. Não há distinção entre autor e partícipe em crimes culposos, justamente por se caracterizarem pela ausência de domínio. Tal posição é alvo de críticas na doutrina, que não descarta a coautoria culposa.

5.2.O QUE NÃO É A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

A Teoria do Domínio do Fato carece ainda de estudos mais aprofundados e de referências bibliográficas no Brasil, assim como na maioria dos países, porém, vem ganhando espaço. No Brasil, ganhou notoriedade, especialmente após o julgamento da Ação Penal nº 470/MG, o “Mensalão”. Entretanto, aqui e lá fora, ainda ocorrem deturpações da teoria.

Dentre os erros mais comuns quanto à Teoria e sua aplicação, Roxin destaca:

a) A confusão entre o mandante e o autor de um crime. Aquele que contrata um assassino para matar determinada pessoa não é autor, mas mero partícipe. O mandante será autor somente se efetivamente dominar a ação de terceiro, diretamente ou por meio de uma organização criminosa.

b) A Teoria não tem a pretensão de definir e classificar o autor, mas de fornecer critérios e instrumentos para a sua caracterização, complementando o ordenamento jurídico positivado. A Teoria é aberta e depende da conduta do agente e das circunstâncias em que ocorre o delito, ou seja, deve-se analisar os aspectos objetivos e subjetivos da conduta, além das circunstâncias. Deve-se, portanto, analisar o verbo nuclear do tipo penal, a qualidade do executor, a natureza do delito, a forma de execução do delito, a existência ou não de dever jurídico, a existência ou não de coação, a divisão de tarefas, a existência de uma organização criminosa, a existência de domínio da vontade ou funcional, entre outros, para, por fim, verificar a aplicabilidade do domínio do fato. Assim, o domínio do fato não é requisito suficiente, apesar de necessário, para a atribuição da autoria.

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c) Ter uma posição de comando/chefia de um grupo ou organização não implica necessariamente concorrer para o fato típico. É necessário que tal pessoa utilize-se da estrutura organizacional criminosa para emitir a ordem, fato que deve ser provado, e dispor de agentes dispostos à execução do delito.

d) A Teoria também não se confunde com o poder de evitar o fato, de deter a conduta do agente. Não há domínio do fato por omissão e tal conduta não implica autoria.

e) Não há domínio do fato sem dolo; é indispensável que haja o conhecimento e a vontade de realizar o tipo penal ou, ao menos, a assunção do risco de produzi-lo.

f) A confusão entre o domínio do fato e a autoria mediata. O primeiro é gênero, enquanto o segundo é espécie.

Adicionalmente, Roxin esclarece que é possível a existência do domínio do fato sem o domínio da organização. Um agente pode agir com o domínio total do fato, sem que a conduta esteja conectada aos objetivos da organização ou, quando recebida uma ordem, o agente goze de total discricionariedade sobre o modus operandi e suas circunstâncias.

Quanto à responsabilização do agente:

a) Na autoria mediata, a imputação é unilateral, havendo uma “transferência” da conduta do agente para o homem de trás.

b) Na autoria colateral, cada agente responde por sua própria conduta.

c) Na Teoria do Domínio do Fato, a imputação é recíproca, onde cada agente exerce uma função essencial para a realização do fato típico.

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5.3.A TEORIA DO DOMÍNIO DA VONTADE EM RAZÃO DE APARATOS ORGANIZADOS DE PODER

A teoria do domínio da vontade em razão de aparatos organizados de poder, conforme visto, é uma das formas de manifestação da autoria mediata, segundo Claus Roxin, e se apoia na tese de que, em uma organização delitiva, o homem de trás, que controla a prática de delitos, pode ser responsabilizado como autor mediato, ainda que os executores sejam plenamente responsáveis, ao contrário da autoria mediata clássica.

Por meio desta Teoria, foi possível a condenação de Adolf Eichmann, como responsável pelo assassinato de judeus durante o governo nazista na Alemanha. A Teoria foi também invocada pelo Superior Tribunal alemão, em 1994, para a condenação de membros do Conselho de Segurança Nacional da extinta República Democrática da Alemanha, pela morte de cidadãos durante tentativa de atravessar o muro de Berlim, para fugir do governo socialista. Os soldados que mataram os cidadãos da RDA foram igualmente condenados por homicídio doloso. Outras condenações se sucederam a esta.

A Teoria foi internacionalmente adotada por países como Espanha, Peru e Argentina, entre outros, e também pelo Tribunal Penal Internacional.

Como não poderia deixar de ser, a Teoria é alvo de muitas críticas. Eentre elas, a que tenta afastar o conceito de autoria mediata, sob o argumento de que ela seria uma modalidade ou variação da coautoria ou da indução/instigação.

Roxin (Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha) lembra que, para a coautoria, falta a “execução comum”, pois o homem de trás não pratica a conduta típica, sendo ela atribuída a terceiros executores (instrumentos). O homem de trás determina e controla a realização da prática delituosa sem, na grande maioria das vezes, ao menos conhecer o executor. Além disso, não existe a divisão de tarefas entre o homem de trás e o homem da frente (executor), tampouco o planejamento comum.

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Para Roxin, a indução/instigação também deve ser afastada, embora exista a “provocação” pelo homem de trás. Aqui não há certeza alguma da prática do delito pelo induzido/instigado, tampouco o controle da situação pelo homem de trás, ou seja, o induzido/instigado decide, por si, a realização ou não do delito, bem como o quando, o onde e o como. Já na organização delitiva, o homem de trás determina quando e as circunstâncias em que se dará a prática do delito, enquanto o executor tem nenhuma ou quase nenhuma discricionariedade. Além disso, caso o executor não concorde ou não possa realizar o determinado, poderá ser substituído por outro. Daí, não há como equiparar o homem de trás ao mero indutor/instigador.

Outra crítica à Teoria aponta a impossibilidade da existência de um autor por trás de outro plenamente responsável. Entretanto, Roxin rebate que não se pode esquecer que trata-se de uma organização de poder hierarquicamente estabelecida, com clara definição de papeis e diversidade de executores. O homem de trás e o executor possuem distintas formas de domínio do fato, que não se incompatibilizam. O homem de trás, possuindo o domínio da organização, conta com elevada segurança de que sua ordem será cumprida justamente em razão da estrutura hierarquizada de poder à sua disposição, inclusive a possibilidade de substituição do executor. Esta segurança e a certeza da realização do delito são muito maiores do que as existentes nas outras formas de domínio.

Roxin (Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha) define quatro pressupostos, que devem ser atendidos para a caracterização da autoria mediata em razão do domínio da organização:

a) Poder de mando. Somente pode ser autor mediato aquele que tenha a autoridade para dar ordens e dela se utilize para determinar a realização de delitos. Ele pode estar no topo ou numa posição intermediária da pirâmide organizacional. O comandante de um campo de concentração era autor mediato dos assassinatos de judeus por ele ordenados, ainda que ele mesmo estivesse agindo em obediência a ordens superiores. Podem, portanto, existir diversos autores mediatos na cadeia hierárquica da organização de poder.

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b) Desvinculação do ordenamento jurídico do aparato de poder. A organização, ou ao menos parte dela, deve estar desvinculada do Direito, emitindo ordens e dando o suporte necessário para a prática delituosa. Em outras palavras, deve ser uma organização destinada à prática de delitos.

c) Fungibilidade do executor imediato. Assegura-se o cumprimento das ordens emitidas pelo homem de trás, justamente pela existência de executores potenciais disponíveis, em quantidade tal que a recusa ou a impossibilidade de um deles possa ser suprida por outro, sem ameaçar a prática delituosa.

d) Relevante disposição do executor para o fato. Exige-se a adesão voluntária do executor à organização e que ele esteja pré-disposto à realização do fato típico. O executor em um aparato organizado de poder, que pratica a conduta típica final tem uma posição diferente da do autor individual de um delito. O segundo atua de forma totalmente autônoma, enquanto o primeiro atua sob influência da organização e corrobora com o domínio dos homens de trás. Além disso, o executor deve adaptar-se às condições e exigências da organização em vários aspectos, desde o adaptar-seu comportamento até a forma de atuação. Deve-se levar em conta, também o fato de que existe na organização de poder, seja ela criminosa ou não, uma disputa natural para o crescimento/promoção e busca de prestígio, além de outras espécies de motivação. Há, ainda, o sentimento de que se ele não o fizer, alguém o fará em seu lugar, acabando por receber também os méritos. Aqui, o domínio do fato por coação irresistível e por erro são afastados, porém, existe um temor do executor da perda de prestígio e, eventual sanção, em caso de recusa ou falha na execução. Ainda, há o sentimento de que sempre a responsabilidade maior será do homem de trás, pois estaria agindo sob seu comando. Neste aspecto, a disposição do executor ao fato não é incondicionada, mas condicionada.

Esta última condição não deve ser analisada isoladamente, mas em conjunto com as demais, especialmente a fungibilidade.

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5.4.ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS

A figura do aparato organizado de poder não se limita à criminalidade do Estado e estende-se a outras formas organizações como a máfia, a terrorista, a do tráfico de drogas, a depender do caso concreto.

Entretanto, segundo Roxin, a figura não compreende as organizações empresariais vinculadas ao Direito, lícitas, que venham a cometer delitos, ao contrário do que entende o Superior Tribunal alemão. A doutrina alemã também afasta tal aplicabilidade, pela ausência de duas das quatro condições necessárias definidas por Roxin, a desvinculação do Direito e a disposição dos membros ao delito.

O objetivo de uma organização lícita não é a prática de delitos, mas, eventualmente, pode vir a praticá-los com o fim de obter vantagem econômica, política, social ou outra motivação qualquer.

A justificativa do Superior Tribunal alemão é que os administradores de uma empresa não podem ficar impunes, considerando-se a inaplicabilidade do conceito de coautoria. Roxin, porém, socorrendo-se de normas existentes no ordenamento jurídico alemão, entende que, em tais situações, a autoria deve ser fundamentada na violação de um dever, pois os administradores de uma empresa assumem a posição de garante pelo cumprimento da legalidade.

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6.EXCLUSÃO DO DOMÍNIO DO FATO

A Teoria do Domínio do Fato depende da intenção do agente de “querer” o resultado. Assim, segundo Roxin (Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha), ela não se aplica aos crimes culposos ou omissivos.

a) Crimes omissivos. Na omissão, própria (lei) ou imprópria (garante), o autor direto deixa de praticar uma ação a que está obrigado para evitar o resultado. É autor não por possuir o domínio do fato, mas pelo descumprimento de um dever. Assim, é autor mesmo que descumpra a obrigação a mando de outrem.

b) Crimes culposos. Fica afastado o concurso de agentes nos crimes culposos, pela ausência de intenção do agente e, também, a figura do mandante pela carência da vontade e consciência do agente.

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7.CRÍTICAS À TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

A Teoria do Domínio do Fato, apesar de vir ganhando aceitação em vários ordenamentos jurídicos, não escapa a críticas contra a sua figura jurídica e seus pressupostos de aplicação, especialmente, no que se refere ao conceito de “domínio da organização”. Roxin, em Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha, aponta as principais críticas que a Teoria tem recebido e rebate-as conforme segue.

a) Falta de uma definição e delimitação concreta do que seja um “aparato organizado de poder”. Ainda, alegam os críticos que ela se aplicaria somente a estruturas estatais, como as antigas Alemanha Nazista e Alemanha Comunista.

Roxin lembra que uma organização criminosa é constituída clandestinamente, sem publicidade e sem a divulgação dos objetivos, não havendo necessidade de ajuste pessoal e formal entre os integrantes, ao contrário de uma organização empresarial lícita. Assim, sendo inimaginável que um aparato organizado de poder com finalidade criminosa elabore uma estrutura formal, não se afasta a possibilidade da aplicação da Teoria. Entretanto, cada organização deve ser analisada no caso concreto.

b) A desvinculação do Direito é uma incoerência, visto que tanto a Alemanha Nazista como a Alemanha Oriental eram Estados de Direito e que as organizações não-estatais operam obviamente fora do Direito.

Roxin esclarece que a desvinculação do Direito é um pressuposto no que tange à atividade delituosa e não ao todo da organização. Assim, existem organizações totalmente desvinculadas do Direito e considera-se também a possibilidade da existência de uma “sub organização” delituosa desvinculada do Direito dentro de uma, estatal ou não, perfeitamente vinculada ao Direito.

No caso da extinta República Democrática da Alemanha, ela era, sem dúvida, um Estado de Direito. Entretanto, em se tratando da fuga de cidadãos do regime

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socialista, os atos praticados para impedi-la estavam claramente desvinculados do Direito, ainda que os dirigentes da República julgassem o contrário. Da mesma forma, o extermínio de judeus pelo antigo regime nazista da Alemanha estava desvinculado do Direito.

A morte de cidadãos na antiga Alemanha Comunista, durante a tentativa de fuga e, em especial, a matança de judeus na Alemanha nazista não teriam atingido as proporções que atingiram se não se contasse com o aparato de poder dos respectivos comandos, ou seja, se eles assim não quisessem.

c) Nem todo executor é substituível e não há certeza absoluta de que todos se submetam ao comando.

Roxin esclarece que, em se tratando de executor insubstituível, específico, a autoria mediata seria possível apenas por coação irresistível ou erro e, no demais, seria plausível apenas a instigação/indução ou a coautoria. Além disso, pode perfeitamente ocorrer que o executor, no momento crucial, decida não levar a cabo a missão. Mostra a história que alguns dos responsáveis pelo extermínio de judeus, na Alemanha nazista, não só deixaram de cumprir a ordem, mas foram além, dando-lhes cobertura e auxiliando-os nas fugas. Situação análoga ocorreu na antiga Alemanha Oriental, com executores permitindo a fuga de cidadãos para a Alemanha Ocidental. Há também registros de desobediência em regimes ditatoriais em várias partes do mundo. Tais condutas, no entanto, não descaracterizaram as respectivas organizações de poder e, tampouco, impediram a morte de judeus e de cidadãos da antiga Alemanha Oriental e dos regimes ditatoriais e é inegável que os objetivos dos respectivos comandos e regimes foram atingidos.

d) A relevante disposição ao fato por parte do executor é incompatível com o pressuposto da fungibilidade dos agentes, ou seja, que eles se excluem mutuamente.

Roxin esclarece que, se não houvesse a adesão consciente e voluntária do agente à “vontade da organização criminosa”, tratar-se-ia da autoria mediata tradicional, por erro, coação irresistível ou inimputabilidade do agente ou, ainda, o caso de indução/instigação. Além disso, mesmo contando com a adesão voluntária e

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consciente do agente, sempre poderá haver situações em que ele não possa executar determinado comando, por recusa ou inadequação de suas aptidões, sendo substituído por outro. Há que se considerar, também, que, dentro de qualquer organização, criminosa ou não, há uma disputa por reconhecimento, recompensa e ascensão, ou seja, existe a disposição do agente ou membro para colaborar com ela.

e) Thomas Weigend afasta a autoria mediata em razão do domínio da organização, por entender que, em se tratando de executor direto plenamente responsável, não há como trata-lo como mero instrumento do homem de trás; poder-se-ia considerar apenas como influência exercida pelo homem de trás. Indo além, Weigend entende que a Teoria do Domínio do Fato tem como fundamento o “convencimento intuitivo” de que o líder de uma organização deve ser responsabilizado como autor.

Roxin contra argumenta que o domínio exercido pela organização não é de ordem pessoal, ou seja, o executor não se submete à vontade do líder, mas à “vontade da estrutura organizacional”, à qual aderiu livre e espontaneamente. A ordem emanada pelo líder não é endereçada a um executor específico, pois este poderá ser sempre substituído. Além disso, o executor age em busca do reconhecimento e a valorização dentro da organização.

f) Para Gunther Jakobs, aquele que atua em um aparato organizado de poder, com responsabilidade em relação às suas condutas, não é instrumento. Portanto, aquele que emite as ordens não é autor mediato, porque não pode fazer valer juridicamente a sua autoridade, ou seja, não tem o poder de decidir sobre a realização ou não do fato típico.

Roxin rebate o argumento de Jakobs, lembrando a existência de uma dependência objetivamente recíproca entre o líder da organização e seus subordinados. Não fosse assim, apenas o executor direto da conduta típica seria responsabilizado. Cabe também aqui a observação acerca da “vontade da estrutura organizacional” à crítica de Weigend.

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g) Jakobs também entende que há mecanismos e dispositivos suficientes, especialmente no ordenamento jurídico alemão, para a responsabilização e penalização do autor mediato, sem a necessidade de recorrer à Teoria do Domínio do Fato, ou seja, que ela é desnecessária. No entanto, não responde claramente se o líder de uma organização criminosa deve ser responsabilizado apenas como partícipe, ou seja, com pena mais branda que o executor direto. Vale lembrar que a figura do autor mediato é definida na legislação alemã, assim como em outras.

h) A autoria mediata em razão do aparato organizado de poder equipara-se à instigação. Face à consciência e a responsabilidade do executor direto, não há que se cogitar o controle da vontade, mas apenas uma influência.

Roxin esclarece que a instigação é direcionada a um agente específico, enquanto que na organização de poder pouco importa quem executará a ordem, desde que ela seja cumprida. Além disso, decisões do Tribunal Penal Internacional têm reiterado que aquele que constitui e comanda uma organização com fins ilícitos deixa de ser um mero instigador para responder como autor.

i) A Teoria do Domínio do Fato tem papel secundário no âmbito internacional, tendo apenas recentemente sido aceita pelo Tribunal Penal Internacional, em seu Estatuto de Roma.

Roxin lembra que a Teoria teve papel fundamental nas condenações de:

i.1) Germain Katanga e Mathieu Ngudjolo Chui por crimes de guerra e lesão à humanidade, na República Democrática do Congo – Caso Katanga.

i.2) Thomas Lubanga Dyilo por alistamento e recrutamento de menores de 15 anos, na República Democrática do Congo – Caso Lubanga.

i.3) Omar Hassan Ahmad al-Bashir, presidente do Sudão, por genocídio.

i.4) Abimael Guzmán, líder da organização guerrilheira Sendero Luminoso, na Colômbia, em 2006.

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Lembra também das já comentadas condenações de líderes nazistas, de líderes da antiga República Democrática da Alemanha, de Alberto Fujimori e da Junta Militar Argentina.

j) A autoria mediata em razão do aparato organizado de poder equipara-se à coautoria.

Roxin lembra que a coautoria depende da decisão e execução comuns em relação ao fato típico. Na autoria mediata, a conduta do homem de trás é atípica, ou seja, ele não pratica, nem ao menos em parte, a conduta do tipo penal, que fica a cargo dos executores.

k) É frequente a crítica de que a jurisprudência e a doutrina vêm ampliando a aplicação da Teoria do Domínio do Fato para situações além das originalmente pretendidas por Claus Roxin.

Roxin já esclareceu em diversas oportunidades que a Teoria é aberta, devendo adaptar-se aos movimentos da sociedade. Deve-se considerar que a sociedade não é estática; ela é altamente dinâmica, assim como os fatos que a ela se relacionam.

l) Outra crítica, talvez a mais importante, é de que a Teoria do Domínio do Fato estaria institucionalizando a “responsabilidade penal objetiva” no ordenamento jurídico, em razão da posição de comando que uma pessoa exerce dentro de uma organização, contrariando o princípio do in dubio pro reo, pois, para a imputação da autoria, bastaria a dedução lógica, supervalorizando os indícios.

Tal crítica não procede, pois a teoria parte do conceito restritivo de autor, mas impõe-se como uma teoria objetivo-subjetiva e pressupõe um controle do fato e a determinação para a prática do delito. Além disso, a autoria não se presume; ela deve ser provada.

Em visita ao Brasil, Claus Roxin prestou o seguinte esclarecimento ao jornal Folha de São Paulo, em 11 de novembro de 2012:

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Insatisfeito com a jurisprudência alemã - que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito -, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.

Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.

Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido.

Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.

"Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso

deve ser provado", diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de

seminário sobre direito penal.

Folha - O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?

Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.

Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].

Folha - É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?

Claus Roxin - Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma

organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.

Folha - O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em corresponsabilidade?

Claus Roxin - A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância,

o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"]

é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados. Folha - A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?

Claus Roxin - Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública. (g.n.)

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/77459-participacao-no-comando-de-esquema-tem-de-ser-provada.shtml>

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já manifestou em diversos julgados que a “verdade real”, irrefutável, é inalcançável. O que existe é a “verdade processual”, que é inferida através de provas trazidas e juntadas aos autos. O inquérito policial e a instrução judicial servem para formar o convencimento do juiz, nunca em caráter absoluto, mesmo em caso de confissão.

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O artigo 239 de nosso Código de Processo Penal dispõe que: “considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

Portanto, o juiz decide, ainda que fundamentado em provas diretas, como a confissão direta ou perícia, com uma grande probabilidade de acerto, mas jamais em caráter absoluto, pois mesmo a confissão e a perícia podem estar viciadas. Assim, a “verdade” é construída sobre um conjunto de evidências e indícios e, quanto maior for esse conjunto, maior será a certeza, porém ela jamais será absoluta. Além disso, deve-se considerar que toda prova admite uma contraprova.

m) Finalmente, Lenio Luiz Streck, na Revista do Ministério Público do Rio Grande de Sul, aponta o perigo vulgarização das teorias de direito penal, pois a Teoria do Domínio do Fato possibilita a responsabilização sem se cumprir a exigência de produção de evidências concretas para a condenação de alguém. Estender a sua aplicação de forma indiscriminada a outras ou qualquer forma de concurso de agentes pode levar à insegurança e instabilidade jurídicas.

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8.ATEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NO BRASIL

Parte da doutrina (ESMP – Teoria da imputação objetiva, p. 174) entende que a reforma de 1984, com as alterações nos dispositivos do Código Penal, introduziu a Teoria do Domínio do Fato em nosso ordenamento jurídico. Entende que autor é aquele que tem o poder de iniciar, dar continuidade e suspender a execução do crime. O partícipe não detém tal poder. Entretanto, o foco da Teoria não é a prática ou não da conduta típica, mas o domínio do fato em si. O autor tem, ainda, o poder de determinar a forma de execução do crime. O mandante que não determina a forma de execução do crime não seria autor, mas apenas partícipe.

O autor deve deter o controle subjetivo do fato, atuando no exercício desse controle, além de possuir o domínio final da ação e o poder de decidir sobre a consumação do fato típico, ainda que não participe da execução.

Na divisão de tarefas, cada um é responsável por uma parte do fato, sendo, assim, coautor. As condutas são distintas, mas cada uma é essencial, sem a qual não há a realização do crime. Assim, cada um deles detém o domínio do fato.

Segundo Damásio de Jesus, a Teoria não é incompatível com o conceito restritivo de autor adotada no Brasil, vindo, ao contrário, complementá-la, tendo sua aplicação restrita aos crimes dolosos. Nos crimes culposos não existe o domínio do fato, pois, caso contrário, seriam dolosos.

Em muitos casos, a organização criminosa representa um verdadeiro poder paralelo, especialmente, onde o Estado não se faz presente, mesmo nas grandes capitais. Tais entidades contam com armamento e aparatos tecnológicos que, por vezes, o Estado não possui, além da eficiência e eficácia organizacionais. Desta forma, constantemente, desafiam e até mesmo humilham o Estado.

A Teoria do Domínio do Fato ampliou o conceito de autor, preenchendo a lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, considerando que a conduta do

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detentor do domínio do fato é mais reprovável, por vezes, que a do executor, sendo que, em geral é o maior beneficiário dos delitos.

A Constituição Federal de 1988, ao dispor em seu artigo 5º, XLIII que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem” (g.n.), permite concluir que a Teoria do Domínio do Fato foi adotada pelo nosso ordenamento.

A leitura do artigo 62, I, do Código Penal também permite chegar à mesma conclusão, ao prever que a pena será agravada em relação ao agente que “promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”.

Ademais, a Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013) e a Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) permitem a responsabilização penal de pessoas físicas e jurídicas. Sem a Teoria do Domínio do Fato, os executores desses crimes seriam mais severamente apenados que os mentores ou líderes das organizações criminosas, sendo que estes são os que auferem as maiores vantagens. Com a Teoria, os mentores e líderes da organização criminosa serão apenados como autores dos crimes. Assim a pessoa jurídica pode ser responsabilizada de forma subjetiva, decorrente de ação de pessoa física, ou objetiva, decorrente de omissão da pessoa jurídica, não havendo identificação da pessoa física.

Deve-se considerar que a pessoa jurídica, em razão de sua atividade institucional, é dotada de “vontade”, sendo, portanto, detentora do domínio do fato, sem afastar a responsabilidade de seus administradores e representantes.

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9.AAÇÃO PENAL Nº 470/MG–OMENSALÃO

A Ação Penal nº 470/MG tratou de um esquema de corrupção para a captação de recursos e “compra” de políticos, de diversos partidos, com a finalidade de aprovação de projetos de interesse do Governo Federal e da perpetuação do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder.

O julgamento representou um marco histórico em vários sentidos, com grande repercussão, a nível nacional e internacional, especialmente pela quantidade de réus com prerrogativa de função para serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo fato de ter introduzido, de forma definitiva, a Teoria do Domínio do Fato no ordenamento jurídico brasileiro, até então invocada de forma tímida.

O julgamento contou com os seguintes atores principais:

Relator: Ministro Joaquim Barbosa Revisor: Ministro Ricardo Lewandowski Autor: Ministério Público Federal

Procurador-Geral da República: Roberto Monteiro Gurgel dos Santos Réus (40):

(1) Anderson Adauto Pereira – Ministro dos Transportes (PT) Denúncia: corrupção ativa e lavagem de dinheiro

(2) Anita Leocádia Pereira da Costa – Assessora e Chefe de Gabinete do Deputado Federal Paulo Rocha do PT

Denúncia: lavagem de dinheiro

(3) Antônio de Pádua de Souza Lamas – Funcionário do PL Denúncia: formação de quadrilha e lavagem de dinheiro

(4) Ayanna Tenório Tôrres de Jesus – Vice Presidente de Suporte Operacional do Banco Rural

Referências

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