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PARTE I – MARCO TEÓRICO

2. CAPÍTULO VALORES HUMANOS

2.3. Perspectiva Individual dos Valores Humanos

2.3.3. Teoria Funcionalista dos Valores Humanos

A partir da observação de determinadas limitações nas teorias de valores anteriormente descritas, mas sem deixar de conhecer as importantes contribuições de autores como Rokeach e Schwartz, Gouveia e seus colaboradores (Gouveia, 1998, 2003, 2013; Gouveia et al., 2008, 2010, 2011; Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014) propuseram a Teoria

funcionalista dos valores humanos, a qual não se apresenta como uma oposição às demais

teorias, e sim como um modelo teórico alternativo, relativamente mais parcimonioso e integrador que, com foco nas funções que os valores cumprem e que tem contado com dados que o corroboram fundamentalmente no Brasil e mais outros 19 países dos cinco continentes, em torno de 60.000 indivíduos.

A referida teoria assume cinco pressupostos teóricos nos quais se embasa para lidar com os valores humanos, conforme apontado por Gouveia (2013; Gouveia et al., 2008): (1) a

natureza humana é essencialmente benévola, sendo todos os valores positivos; (2) os valores

são princípios-guias dos indivíduos; (3) os valores possuem uma base motivacional que os caracterizam como bases cognitivas das necessidades humanas a níveis individual, societal e institucional; (4) admite-se apenas o caráter terminal dos valores, pois são menores em número que os valores instrumentais e refletem uma orientação geral coerente com a concepção do desejável; e (5) os valores são sempre os mesmos em todas entre os indivíduos de qualquer cultura, o que muda é apenas a prioridades que os indivíduos atribuem aos valores, ou especificamente às subfunções valorativas.

Os valores são definidos no âmbito desta teoria funcionalista como aspectos psicológicos que guiam as ações dos indivíduos, representam cognitivamente suas necessidades, transcendem situações específicas, são desejáveis e relativamente estáveis (Gouveia, 2013; Gouveia et al., 2008; Gouveia et al., 2011). Nesta definição são expressas as duas principais funções consideradas por Gouveia (2013) em seu modelo: (1) guiar as ações humanas (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992); e (2) expressar as necessidades dos indivíduos (Inglehart, 1977; Maslow, 1954). Estas funções organizam-se em dois eixos, como ilustrado na Figura 2.

Valores como padrão-guia de comportamentos Metas pessoais (o indivíduo por si mesmo) Metas centrais (o propósito geral da vida) Metas sociais (o indivíduo na comunidade) Valor es com o exp re ssão de n ec essi dad es Necessidades idealistas (a vida como fonte de oportunidades) Experimentação Emoção Sexualidade Prazer Suprapessoal Beleza Conhecimento Maturidade Interativa Afetividade Apoio Social Convivência Necessidades materialistas (a vida como fonte de ameaça) Realização Êxito Poder Prestígio Existência Estabilidade Saúde Sobrevivência Normativa Obediência Religiosidade Tradição

A dimensão representada pelo eixo vertical é denominada tipo de orientação e tem a função de guiar os comportamentos humanos, sendo identificados três critérios de orientação:

pessoal, central e social. Indivíduos que se orientam por valores pessoais tendem a ser mais

egocêntricos e buscar alcançar seus próprios interesses e benefícios, ao passo que aqueles orientados por valores sociais são centrados na sociedade e na convivência com os demais. Os valores centrais, por sua vez, são considerados a base a partir da qual têm origem os demais valores, sendo uma espécie de “espinha dorsal”, não se organizando em uma estrutura circular, com oposição a outros valores, como aquela dos tipos motivacionais de Schwartz, uma vez que são congruentes com todos os valores (Gouveia, 2013; Medeiros, 2011; Medeiros et al., 2012).

Já a dimensão horizontal, denominada tipo motivador, corresponde à função dos valores de expressar cognitivamente as necessidades humanas, sendo identificados dois tipos motivadores: idealista e materialista. O primeiro representa uma orientação mais universal, com base em ideias e princípios abstratos; sujeitos pautados nestes valores tendem a ter uma mente mais aberta e um espírito mais inovador. O tipo de motivador materialista relaciona-se

a ideias mais práticas; pessoas que priorizam estes valores são orientadas por metas mais específicas e tendem a seguir as regras normativas impostas pela sociedade (Gouveia, 2013; Medeiros, 2011; Medeiros et al. 2012).

O intercâmbio entre essas duas dimensões (tipo de orientação e tipo motivador) permite identificar seis subfunções valorativas nos seguintes quadrantes: social-materialista (subfunção normativa), social-idealista (subfunção interativa), central-materialista (subfunção

existência), central-idealista (subfunção suprapessoal), pessoal-materialista (subfunção realização) e pessoal idealista (subfunção experimentação). A seguir descreve-se cada uma

dessas seis subfunções, com base em Gouveia (2013).

Subfunção experimentação (emoção, prazer e sexualidade): Representa a necessidade fisiológica de satisfação ou o princípio de prazer. Seus valores promovem uma maior facilidade de mudança e inovação nas estruturas sociais, sendo mais endossados por jovens (Vione, 2012). Ademais, pessoas que endossam esses valores tendem a não se conformar com normas sociais (Pimentel, 2004; Santos, 2008).

Subfunção realização (êxito, poder e prestígio): Estes valores expressam necessidades de autoestima. Indivíduos que os priorizam têm como metas realizações materiais e apreciam uma sociedade organizada e estruturada, além de valorizarem praticidade em suas decisões e comportamentos. Jovens adultos em fase produtiva ou indivíduos educados em contextos disciplinares e formais tendem a apreciar mais estes valores.

Subfunção suprapessoal (beleza, conhecimento e maturidade): Os valores que integram esta subfunção representam necessidades de estética, cognição e autorrealização. Indicam a relevância de ideias abstratas, eles são endossados por pessoas que pensam de maneira mais ampla e tomam decisão e se comportam baseados em critérios universais, características de pessoas mais maduras.

Subfunção existência (estabilidadepessoal, saúde e sobrevivência): Representa as necessidades fisiológicas mais básicas, como comer e dormir, e de segurança, garantindo as condições para a sobrevivência biológica e psicológica do indivíduo. Pessoas que foram socializadas ou convivem em contexto de escassez endossam estes valores em maior medida.

Subfunção interativa (afetividade, apoiosocial e convivência): Expressa as necessidades de pertença, amor e afiliação, sendo seus valores essenciais para estabelecer, regular e manter relações interpessoais. Esta subfunção é típica de indivíduos mais jovens, orientados a relações íntimas estáveis.

Subfunção normativa (obediência, religiosidade e tradição): Tais valores refletem a importância de preservar a cultura e as normas convencionais, onde a obediência à autoridade é crucialmente valorizada. Pessoas mais velhas são mais guiadas por esses valores.Uma vez que este modelo pressupõe que todos os valores são positivos, não admite a ideia de conflito de valores defendida por Schwartz (1992). No entanto, Gouveia (1998, 2003, 2013) concebe que as seis subfunções valorativas podem variar em termos de congruência em três níveis: baixa, moderada e alta. Os níveis de congruência entre as subfunções são representados em uma estrutura hexagonal, tendo em conta a proximidade entre si. A Figura 3 ilustra esta estrutura.

Congruência baixa: Dada entre subfunções de diferentes orientações e motivadores,

localizados em lados opostos do hexágono. Apresentam baixa congruência os pares realização – interativa e normativa – experimentação.

Congruência moderada: Ocorre entre valores com o mesmo motivador e diferentes

tipos de orientação. Os pares de subfunções realização – normativa e experimentação – interativa representam este nível de congruência.

Congruência alta: Estabelecida entre subfunções com a mesma orientação, mas com

motivadores diferentes. É o padrão máximo de congruência, representada por subfunções localizadas em lados adjacentes do hexágono. Possuem congruência alta os pares realização – experimentação e normativa – interativa.

É importante acrescentar que o não aparecimento das subfunções existência e

suprapessoal deve-se ao fato de que estes valores corresponderem ao tipo de orientação

central, o qual apresenta alta congruência com todos os demais valores, haja vista que é a base a partir da qual se originam (Gouveia et al., 2008).

A hipótese de conteúdo deste modelo equivale às seis subfunções valorativas derivadas do cruzamento dos eixos que representam suas funções e que são representadas por um conjunto específico de valores. A hipótese de estrutura, por sua vez, equivale às próprias dimensões funcionais que organizam os valores espacialmente em tipos de orientação pessoal, central e social, e tipos motivadores idealista e materialista (Gouveia et al., 2011).

Diante do exposto, confia-se que a teoria funcionalista dos valores humanos se apresenta como uma teoria mais parcimoniosa e integradora que as demais disponíveis na literatura, contando com dados transculturais que corroboram suas hipóteses de conteúdo e estrutura. Esta teoria é, portanto, adequada para ser empregada no estudo da intenção de voto dos indivíduos em candidatos de diferentes perfis de orientação religiosa e nível educacional e no conhecimento dos valores que são atribuídos a cada perfil, bem como da congruência entre

os valores dos candidatos e possíveis eleitores (participantes), razões pelas quais se justifica seu uso na presente dissertação.

No tópico que segue discorre-se acerca da relação entre os valores e a política, traduzindo as contribuições de Inglehart e Rokeach no tocante aos aspectos políticos de seus modelos de valores. Posteriormente serão apresentados alguns estudos em que os valores são empregados no conhecimento de fenômenos como a preferência política, por exemplo, sobretudo a partir da teoria de Schwartz.