• Nenhum resultado encontrado

Valores instrumentais e terminais de Rokeach

PARTE I – MARCO TEÓRICO

2. CAPÍTULO VALORES HUMANOS

2.3. Perspectiva Individual dos Valores Humanos

2.3.1. Valores instrumentais e terminais de Rokeach

Milton Rokeach pode ser considerado o pai dos valores humanos, e desta forma tem sido tratado na Psicologia Social durante os últimos 50 anos (Medeiros, 2011), em razão de suas importantes contribuições para o estudo recente do construto (Gouveia, Andrade, Milfont, Queiroga, & Santos, 2003). Em sua principal obra, denominada The nature of human

values (1973), Rokeach reuniu os principais elementos que fundamentam diferentes teorias de

valores humanos, tais como definição, mensuração, conteúdo e estrutura dos valores. Neste sentido, seguramente mais da metade do conhecimento que se tem acerca do tema deve-se às contribuições deste autor, ou delas derivam (Gouveia et al., 2011).

Conceitualmente, Rokeach (1973) define valor como uma crença duradoura de que um comportamento especificou ou estado final de existência é pessoal ou socialmente preferível a outros comportamentos ou estados finais de existência opostos ou inversos. Neste sentido, é possível compreender os valores como crenças que permitem as pessoas julgarem como desejáveis ou indesejáveis determinados objetos ou ações, tornando-se assim consciente ou inconscientemente padrões ou critérios de avaliação de tais ações, além de guiá-las, uma vez internalizados (Rokeach, 1981).

O modelo teórico proposto por Rokeach (1973) é fundamentado em cinco pressupostos básicos:

1. São poucos os valores que os indivíduos apresentam;

2. Todos apresentam os mesmo valores, independentemente da cultura em que estejam inseridos; mudam a penas as prioridades atribuídas a cada valor;

3. Os valores são organizados em sistemas;

4. Os antecedentes dos valores podem ser encontrados na cultura, sociedade, instituições e na personalidade de cada indivíduo;

5. Os valores são manifestados em todos os fenômenos que os cientistas sociais julguem importantes de serem pesquisados.

Rokeach foi pioneiro na mensuração específica deste construto, ainda na década de 1960, através de sua medida Rokeach Values Survey (Ros, 2011). Neste instrumento, o autor procurou estruturar os valores em dois tipos: terminais (o próprio desejável) e instrumentais (os comportamentos), cada tipo representado por um conjunto de 18 itens. Desse modo, além de definir conceitualmente os valores, Rokeach preocupou-se em defini-los também operacionalmente (Monteiro, 2013).

Os valores terminais representam estados finais de existência e são classificados como autocentrados/pessoais, com foco intrapessoal (e.g., harmonia interior), ou centrados na sociedade/sociais, com foco interpessoal (e.g., um mundo de paz). Os valores instrumentais, por sua vez, representam condutas consideravelmente preferíveis ou meios para alcançar fins da existência humana e são divididos em de competência, com foco intrapessoal (referem-se a um estado pessoal de competência, de que se está agindo de forma correta), e morais, com foco interpessoal (referem-se a formas de se comportar e quando transgredidos geram sentimento de culpa) (Medeiros, 2011; Rokeach, 1973; Ros, 2011).

Os valores, no modelo de Rokeach, são organizados em conjuntos ou sistemas de valores de forma hierárquica, isto é, são elencados de acordo com a importância atribuída a cada um em comparação com os demais dentro de cada tipo (instrumental e terminal; Gouveia, 1998; Medeiros, 2011; Rokeach, 1973). A importância relativa de cada valor possibilita examinar como as pessoas utilizam os valores com o intuito de entender o mundo e nele agir (Bain, Kashima, & Haslan, 2006).

A organização hierárquica que as pessoas fazem de seus valores pode sofrer mudanças ao longo de suas vidas, isto é, os valores podem ser reordenados segundo os graus de importância a eles atribuídos. Isto pode ocorrer, segundo Rokeach (1973, 1979) como consequência de manipulações e/ou aprendizagem, ou, segundo Gouveia (1998), em razão de vivências em diferentes contextos culturais, sociais e pessoais.

A obra de Rokeach (1973) discorre também sobre as funções dos valores, um aspecto pouco discutido quando se fala deste construto. Especificamente, cinco são as principais funções dos valores humanos concebidas por este autor: 1) Transformar sentimentos ou ações pouco aceitos no plano pessoal ou social em algo mais aceitável por meio dos processos de racionalização e formação defensiva (função ego-defensiva); 2) promover a busca de significado e compreensão, a busca de conhecimento de si e do mundo (função de conhecimento ou autorrealização); 3) guiar o comportamento humano, permitir avaliar, julgar, racionalizar crenças, atitudes e comportamentos de modo a evitar aqueles pessoal, social e moralmente condenáveis (função de critérios de orientação); 4) expressar as necessidades humanas (função motivacional); e 5) dar ênfase a modos de conduta ou estados finais de existência de orientação adaptativa (função adaptativa) (Gouveia, 1998; Medeiros, 2011; Pimentel, 2004).

Rokeach (1973) desenvolveu, utilizando o Rokeach Values Survey em amostras da população estadunidense, uma categorização de ideologias políticas com base em dois

valores. Ele hipotetizou que as ideologias políticas podem ser categorizadas a partir da atribuição ou não de alta prioridade aos valores liberdade e igualdade.

Seu “modelo dos dois-valores” postula que os socialistas dão grande importância a ambos os valores de igualdade e liberdade; conservadores valorizam altamente liberdade, mas não igualdade; comunistas avaliam igualdade positivamente, mas liberdade negativamente; enquanto fascistas percebem tanto igualdade quanto liberdade negativamente (Cochrane, Billing, & Hogg, 1979).

São evidentes e inegáveis as diversas contribuições de Milton Rokeach para a área temática dos valores humanos. Algumas de suas principais contribuições são: 1) sintetizou conceitos e reuniu conhecimentos de diferentes áreas; 2) diferenciou os valores de construtos como atitudes e traços de personalidade; 3) definiu conceitualmente os valores e sistemas de valores; 4) desenvolveu uma medida específica para mensurá-los; 5) classificou os valores em instrumentais e terminais; 6) desenvolveu o método de autoconfrontação para mudança de valores; e 7) propôs uma tipologia de ideologia política a partir da combinação dos valores igualdade e liberdade (Gouveia et al., 2011; Gouveia, 2013; Medeiros, 2011).

Apesar das diversas contribuições, há algumas críticas sobre seu modelo. Algumas são apontadas por Gouveia, Martínez, Meira e Milfont (2001): 1) medida de natureza ipsativa, a qual sugere dependência entre as pontuações de um mesmo sujeito; 2) a estrutura de valores proposta não foi empiricamente testada; e 3) restrição das amostras utilizadas em seus estudos, majoritariamente compostas de estudantes universitários estadunidenses. No que se refere à limitação de suas amostras, Gouveia (2013) e Medeiros (2011) apontam que não ter desenvolvido estudos transculturais para testar a universalidade de seu modelo equivale talvez à maior limitação de Rokeach, o qual não se preocupou em divulgá-lo e difundi-lo.

Outra teoria de valores na perspectiva individual foi desenvolvida por Schwartz (1994) e tem raízes no modelo de Rokeach, mas supera a limitação da falta de estudos transculturais

e ocupa hoje o lugar de referência na área. Apresenta-se adiante a Teoria universal dos

valores.