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Os resultados da pesquisa foram analisados segundo a abordagem da Grounded Theory, também conhecida em português como Teoria Fundamentada nos Dados. A Teoria Fundamentada “se centra [...] nos significados que as pessoas atribuem às suas vidas e nos aspectos subjetivos da vida social” (FERNANDES; MAIA, 2001, pg. 53), atribuindo particular importância à construção de significados pelos atores sociais. A análise se constitui a partir da coleta de informações na forma de entrevistas, fotografias, diários de campo e outros documentos e a codificação de temas semelhantes, comparando constantemente os dados obtidos com as categorias formadas afim de maximizar as semelhanças e diferenças presentes na amostra (FERNANDES; MAIA, 2001).

Esse modelo teórico de análise dos resultados se diferencia por constituir-se consecutivamente a medida em que a pesquisa é realizada, a partir do papel ativo interpretativo do pesquisador sobre os dados, fazendo emergir as relações e significações presentes nos sujeitos participantes, ao contrário de uma postura teórica a priori na qual os resultados são comparados com modelos teóricos já existentes a fim de comprovar dada teoria. Assim, busca- se uma explicação dos fenômenos estudados e não uma descrição deles, atentando para a análise das categorias emergentes de modo a realizar uma análise aprofundada do objeto estudado e as relações que o permeiam (ALDIABAT; LE NAVENEC, 2011).

47 Elaborada originalmente por Anselm Strauss e Barney Glaser, a Teoria Fundamentada foi muito influenciada pela tradição da Escola de Chicago, da qual Strauss era bastante familiar. O foco das pesquisas sociais realizadas pela Escola de Chicago, mais especificamente a importância do interacionismo simbólico e de processos sociais, tiveram grande influência na ênfase da Teoria Fundamentada aos significados construídos socialmente e à exploração da complexidade dos arranjos sociais. Por outro lado, Glaser foi formalmente treinado em metodologias positivistas e análise de texto, que possibilitou a emergência das etapas detalhadas e rigorosas que baseiam a Teoria Fundamentada (HALLBERG, 2006).

Algumas das principais diferenciações da Teoria Fundamentada, quando comparada à outros métodos de coleta e análise de dados de natureza qualitativa, são suas etapas e regras bem definidas. São elas:

 O processo de coleta e análise de dados se dá de maneira simultânea. Em um primeiro momento, a coleta de dados é realizada de maneira aberta de modo a maximizar a variação de experiências do fenômeno estudado;

 Entrevistas são realizadas de maneira aprofundada, de modo a ir além de respostas esperadas e contemplar as experiências do entrevistado e suas contemplações a respeito dos eventos vividos por ele;

 No avançar do processo, a coleta de dados é direcionada de modo a preencher e fortificar as categorias emergentes dos dados já coletados. A realização da análise de dados concomitante ao trabalho de campo permite tal direcionamento, que, por sua vez, auxilia na construção de uma base de dados mais aprofundada e heterogênea;

 A codificação dos dados também é feita de maneira hierárquica, iniciando de maneira aberta e seguindo para análises aprofundadas e focadas, de modo a estabelecer relações entre as categorias;

 Categorias e conceitos nativos são gerados a partir dos dados, ao invés de serem direcionados pelas hipóteses e preconcepções do pesquisador. Consequentemente, toda categoria deve ser pautada pelos dados, ainda que em graus diferentes de abstração;

 A verificação constante das relações entre as categorias, os dados, e suas relações com a teoria central, asseguram que a teoria seja, de fato, fundamentada nos dados;

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 A identificação de uma categoria central, que estabelece a relação entre as outras categorias e delimita o escopo da coleta de dados;

 Tomar notas de maneira detalhada e consistente durante todo o processo, relacionadas à ideias, possíveis relações entre categorias, e interlocuções teóricas que emergem dos dados;

 Prosseguir com a coleta de dados até o momento de saturação das informações encontradas. A sensibilidade do pesquisador é essencial para identificar o momento em que o corpo de dados se encontra suficientemente robusto para o estabelecimento de uma Teoria Fundamentada, dado que a variedade de arranjos encontradas em pesquisas nas ciências sociais tornam difícil o saturamento do campo.

Embora a Teoria Fundamentada seja uma das metodologias mais utilizadas em pesquisas qualitativas ao redor do mundo, poucas dessas pesquisas seguem com rigor os passos metodológicos estabelecidos para coleta, codificação e tratamento dos dados. Isso se dá, em parte, por conta das próprias variações internas e divergências entre autores que utilizam a metodologia, incluindo seus próprios criadores. Afim de superar tais dificuldades, é necessário o entendimento das possibilidades oferecidas pela aplicação da Teoria Fundamentada em detrimento de outras técnicas de análise qualitativas, assim como seus caminhos diferentes para análise. Ademais, por conta de contemplar todo o processo investigativo, é preciso que a pesquisa seja elaborada e seu planejamento seja feito de modo a contemplar as etapas necessárias (HALLBERG, 2006; SBARAINI et al., 2011; SANTOS et al., 2016).

A aplicação da Teoria Fundamentada como o método norteador de análise de dados tem como conclusão a emergência de uma teoria de médio alcance, que possa explicar o fenômeno estudado. A teoria é baseada em conceitos que são desenvolvidos a partir das categorias emergentes dos dados e tornam-se um enquadramento conceitual a partir do qual é possível explicar um fenômeno social. Por tratar-se de uma teoria que resulta de uma hipótese construída empiricamente, sua aplicação está intimamente ligada ao tempo e aos atores sociais a que concerne. Portanto, mudanças nos arranjos sociais contemplados pela teoria podem ser testados e desenvolvidos em um novo enquadramento teórico (HALLBERG, 2006).

Ao longo desta pesquisa foram coletados materiais multimídia diversos em suas naturezas, dentre eles fotografias registradas pela própria pesquisadora, imagens elaboradas por terceiros, filmagens e áudios dos relatos decorrentes do uso do instrumento de coleta,

49 entrevistas em profundidade, relatos de grupos de mídias sociais e notícias jornalísticas. De modo a conseguir traçar uma linha narrativa entre todo o material produzido e coletado, utilizou-se do software para análises qualitativas MAXQDA21, que permite a análise em paralelo dos dados multimídia com os dados coletados por métodos considerados tradicionais. O MAXQDA é um software que permite a classificação, codificação e transcrição de dados qualitativos não-estruturados. Por meio de sua interface é possível analisar lado a lado trechos áudios, filmes, transcrições de entrevistas e páginas da web. Desse modo, a visualização de dados se dá de maneira bastante fluída e facilita muitas etapas previstas pela Teoria Fundamentada, como a análise comparada e a construção de categorias. O software conta também com um aplicativo para smartphones que possibilita a inclusão de pequenos memorandos estando no campo, o que o torna muito versátil e prático quando utilizado sob a perspectiva da Teoria Fundamentada (VERBI-SOFTWARE, 2015).

Embora contemplada nessa pesquisa, a coleta e análise de material audiovisual é pouco utilizada em pesquisas que utilizam a Teoria Fundamentada por conta de sua densidade de significados e acontecimentos, que podem facilmente tornar-se opressiva e dificultar a emergência de categorias. Contudo, por conta da capacidade do vídeo de registrar interações não-verbais, corporalidades e práticas cotidianas, utiliza-lo em determinada medida pode ser de grande auxílio para o aprofundamento da análise dos outros dados coletados (NILSSON, 2012).

21https://www.maxqda.com/

50 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS