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1 BUSCANDO ENTENDER A EXPERIÊNCIA DO GRUPO DOS QUARENTA

1.4 O GRUPO DOS QUARENTA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

1.4.3 Teorias com Influência sobre os Movimentos Sociais no Brasil e seu Reflexo

1.4.3.2 Teoria dos novos movimentos sociais

Essa teoria ganhou força no Brasil na década de 80, por influência da obra de Touraine. Ela rompe com a ênfase nas classes sociais e diz que os movimentos são compostos de várias “identidades”, formando assim uma pluralidade de sujeitos. Mais que a tomada revolucionária do poder, estes movimentos buscam transformar seu cotidiano, pela luta. Eles contribuem para a construção de uma nova noção de cidadania e para a construção de uma nova cultura política. Alguns outros representantes dessa visão são: Tilman Evers (1983- 1984), Lúcio Kowarick (1988), Éder Sader (1988), Ilse Scherer-Warren (1987 e 1993a), dentre outros.

Envolvidos nas lutas cotidianas das comunidades de Brusque, alguns participantes do Grupo dos Quarenta criaram a União Brusquense de Associação de Moradores (UBAM), representando os interesses de várias comunidades. Tratava-se

de interesses diversos de pessoas de origens diferentes, sendo um grande número de comunidades carentes. Mas também é verdade que as lideranças que pertenciam às comunidades mais abastadas acabaram fazendo uma opção pelas necessidades mais básicas das pessoas de sua comunidade.

Ao entrevistar recentemente uma pessoa de uma comunidade com essas características, percebi no seu depoimento a confirmação disso. Perguntei-lhe sobre o que representou para a sua vida a canção, no contexto do contato com o Grupo dos Quarenta. Essa pessoa mulher, professora, também faz parte de um associação de moradores criada por gente do Grupo dos Quarenta. Sua resposta:

Veja bem. Já está chegando quase perto de 30 anos que resido em Brusque. Essa cidade já sabe um pouco da minha história e eu já sei um pouco da história dessa cidade. Então, eu tive o prazer de residir aqui. Já faz muito tempo e de conhecer você, o seu grupo, as suas canções. É claro que eu também não fiquei parada diante de tudo aquilo que escutei. Me considero até uma pessoa muito feliz e muito grata por ter conhecido você e seu grupo. Porque como muitos brusquense, tem muitos estrangeiros, eu me considero ainda uma estrangeira no ninho. Tenho certeza que nós aprendemos bastante até, veja, particularmente na minha vida, eu sou uma pessoa que foi agraciada por Deus e muito, em primeiro lugar por saúde minha e dos meu marido e meus filhos. Em segundo lugar porque financeiramente vivo muito bem. Então para mim, por exemplo, as suas canções poderiam não ter tido eco. Mas penso que por toda assim uma formação religiosa e cultural que nós aqui na nossa família temos, os princípios assim que nós tentamos segurar e manter, as canções também fizeram muito efeito. Porque pessoas, atitudes e coisas que eu quando era muito nova era totalmente contra e até me defendia de ouvir essa gente, de falar com essa gente e de escutar canções desse nível. De repente, também fui acordando: que se eu tenho os outros também tem que ter. Que se eu como, os outros também têm que comer. Que se eu descanso os outros também têm que descansar. Que se eu tenho uma casa e uma terra os outros também tem o direito disso. E fui me conscientizando de que é preciso compartilhar, é preciso partilhar, é preciso dividir para ser feliz. Porque aos poucos fui vendo pelas suas músicas, pelas suas canções, por tudo aquilo que já vi, ouvi. Que ninguém é feliz sozinho. Só se é feliz quando as pessoas que estão ao nosso redor também o são. Porque de nada adianta eu ter o que tenho se do meu lado as pessoas estão morrendo de fome, morrendo de frio, de sede, sem terra, sem teto. Então, valeu a pena as canções, a amizade, o grupo, a música. E hoje, penso que o meu trabalho é passar isso para os meus filhos. Porque se para mim fez efeito e funcionou, eu preciso ter essa habilidade de passar isso para os meus filhos. (Emoção e choro)

O Rodrigo, a Cristina já captaram muito bem isso. Eu agora ainda estou assim, com a Paulinha, ainda em formação, tem 16 anos, é bem nessa idade que ela ainda está tipo em cima do muro, ou é aqui ou é lá, né. Embora eu acredito que tudo aquilo que até agora lhe ensinei tenha sido firme e forte. Mas assim, ainda assim acho que o Rodrigo e a Cristina já entenderam bem. Não é o dinheiro, mas são os princípios. É a amizade, o bem querer, é a bondade, é o dividir que nos deixa felizes. Então eu acho assim que até é um compromisso que eu tenho de passar isso agora bem , para os outros que me rodeiam. E eu agradeço até os impasses, os porquês que nós tivemos juntos, porque de maneira nenhuma isso me ofendeu ou me deixou magoada. Muito pelo contrário, me fez ver que coerência, isso...dizer e fazer aquilo que a gente tem no coração. E você, seu

grupo, suas canções, seus manifestos sempre mostraram isso. Prá mim foi uma grande escola37.

É um depoimento forte, e, para quem conheceu a pessoa, revela coerência entre sua fala e na sua prática.

Esse depoimento para mim deixa evidente que uma pessoa numa posição privilegiada pode fazer uma opção de classe. Uma pessoa pode olhar além de si mesma para ver o outro. Confesso que não tenho clareza suficiente para saber até onde e como isso pode ajudar a transformar a sociedade. Basta a opção? Mas entendo que é um começo. Pela experiência que tivemos percebemos que uma comunidade, quando vai recebendo informação, vai reagindo. Entendo também que pessoas com mais informações podem fazer uma opção por pessoas com menos informação e colaborar com sua mudança. Uma comunidade, uma favela, um grupo que não recebe informação não vai a lugar nenhum. As canções eram uma forma que encontrávamos para compartilhar informação.