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Teoria da prática e consumo

A ligação entre alguns conceitos e proposições da teoria da prática e o consumo foi proposta por Warde (2005), sob o pressuposto de que as abordagens existentes no campo do entendimento do consumo tinham uma compreensão parcial. Nesse trabalho, o autor argumenta, baseado na obra de Schatzki, Knorr- Cetina e Von Savigny (2001), que um dos destaques da teoria da prática é o fato de não haver polarização do fenômeno em uma visão holística assim como não há em uma visão individualista. Para tanto, sua caracterização parte do princípio de retratar figuras plurais e flexíveis da vida social.

Eles são, portanto, consistentes com muitas das reivindicações das teorias sociais críticas contemporâneas ao fornecer um meio de reconhecer características ontológicas do pós-moderno, sem sucumbir ao relativismo epistemológico (WARDE, 2005). Nesse sentido a teoria da prática parece adequada ao distanciar-se dos pressupostos extremos da estrutura e da ação do sujeito livre e desconectada do ambiente que o cerca.

As práticas adotadas como elemento central da análise deslocam da estrutura a onipotência da subjugação do sujeito a uma conduta preestabelecida como o homo sociologicus. No mesmo sentido, a prática não acontece livremente das premissas de regras, entendimentos e crenças por parte do sujeito como o homo economicus, que age totalmente livre de influências do meio social. Ressalta-se que os indivíduos agem como portadores de práticas, não sendo autônomos nem tão pouco, desprovidos de julgamentos. Ao reproduzir as práticas, eles incorporam suas percepções particulares do mundo e de si mesmos. Considera-se, nesse sentido, o know-how e o conhecimento

motivacional que cada indivíduo traz segundo uma prática específica (RECKWITZ, 2002).

Segundo Warde (2005), a teoria da prática compreende noções não instrumentalizadas de conduta e considera o papel da rotina de um lado e o da emoção, personificação e desejo, do outro. Essas considerações aproximam os estudos das práticas como forma de compreensão do consumo.

O consumo, segundo o autor, deve ser visto como algo além das trocas de mercado. Apesar de a troca ser uma etapa relevante, busca-se compreender o significado, o simbólico e o funcional da utilização de itens, não reduzindo o consumo ao simples momento da troca. Examina-se o consumo como uma parte integrante da maioria das esferas do cotidiano. Nesse sentido, segundo Warde (2005), o consumo não é uma prática em si, mas um momento dentro da prática. Adota-se, portanto, o entendimento proposto pelo autor para o consumo como delimitação do termo investigado na presente pesquisa.

O consumo é como um processo pelo qual os agentes se envolvem em apropriação e apreciação, sejam para fins utilitários, expressivos ou contemplativos, de bens, serviços, apresentações, informações ou ambientes, seja por meio da compra, ou não, sobre o qual o agente tem algum grau de contemplação (WARDE, 2005, p. 137).

A utilização da teoria da prática incorpora discussões conceituais e pesquisas empíricas sobre o consumo como parte de uma abordagem analítica da vida cotidiana. Uma abordagem crítica em relação às principais abordagens existentes que tratam o consumo como dependente de racionalidades cognitivas econômicas, abordagens que tratam o consumo como dependente de estruturas culturais e abordagens que assumem o consumo como resultado de escolhas de identidade de consumo simbólico (HALKIER; JENSEN, 2011).

Seguindo o pressuposto de o consumo ser um momento dentro das práticas, a apropriação ocorre no contexto das práticas. Os padrões de

similaridade e diferença de posses e o uso dentro e entre os grupos de pessoas podem ser vistos a partir da percepção e da organização da prática e não como resultado da escolha pessoal de forma irrestrita ou imposta.

As convenções e os padrões da prática dirigem o comportamento, ou seja, atividades podem gerar desejos e não desejos podem gerar atividades. As práticas geram necessidades ao invés de desejos individuais (WARDE, 2005). O autor exemplifica essa diferenciação em função do consumo estar mais ligado ao engajamento em uma determinada prática. Nesse sentido, o engajamento em uma prática explica a natureza e o processo do consumo ao invés de uma decisão pessoal sobre uma linha de conduta. Alguns itens de consumo são implementos específicos para determinadas práticas. Algumas vezes implementos de práticas estão estreitamente interligados e, muitas vezes, são elementos decisivos de uma prática constituindo um canal para o seu desempenho.

As atividades da vida social têm sido continuamente transportadas por meio de práticas coletivas. Essas atividades performáticas e mundanas se processam através de uma multiplicidade de práticas compartilhadas coletivamente. As práticas são vistas como configurações de um número de dinâmicas teoricamente e igualmente importantes e interligadas (HALKIER; JENSEN, 2011).

Uma prática, segundo Reckwitz (2002), é um tipo de comportamento inserido em uma rotina, que consiste de vários elementos interligados uns aos outros. É um bloco gerado a partir desses elementos e, ao mesmo tempo, a prática não pode ser reduzida a apenas um elemento individual. Compreendem as práticas as formas de cozinhar, de consumir, de trabalhar, de investigar e de cuidar de si mesmo ou do outro. Os elementos das práticas podem ser as formas de atividades corporais, as formas de atividades mentais, os objetos e seu uso, um conhecimento implícito na forma de compreensão, know-how, estados emocionais e conhecimento motivacional.

Para Warde (2005), a utilização da teoria da prática para investigar o consumo pode explorar algumas características como não ser dependente de presunções sobre a primazia da escolha individual ou ação, seja do tipo de ação racional ou como expressão da identidade pessoal.

Faz-se necessário recordar os elementos de ligação entre doings e sayings. Os entendimentos, os procedimentos e os compromissos podem auxiliar na compreensão da prática e do consumo como momentos. Para os entendimentos, o consumo por acontecer entrelaçado ao know-how, ao tácito e até mesmo ao discurso. Para os procedimentos, o consumo pode estar imbricado em processos corporais e mentais a partir de implementos ou da simples dedicação às atividades imateriais e contemplativas. Já em relação aos compromissos, o consumo pode permear estruturas ligadas à forma como o desempenho das práticas deve acontecer. Em suma, a realização das práticas é que gera atividades de consumo e momentos de consumo, e não motivações mentais individuais e escolhas nem estruturas descritas em scripts culturais (HALKIER; JENSEN, 2011).

Nesse sentido, procura-se, no próximo tópico, descrever as aproximações metodológicas utilizadas nas primeiras incursões empíricas realizadas em estudos sobre o consumo.

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