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A teoria sistêmica autopoiética no direito e na Constituição: Linhas para um subsistema

5 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO SUBSISTEMA JURÍDICO

5.1 A teoria sistêmica autopoiética no direito e na Constituição: Linhas para um subsistema

As últimas décadas do século passado não deixam dúvida quanto à presença da modernidade avançada, em que a produção de riqueza encontra páreo na de riscos, muitos com alta consequência. O direito em tal panorama, então concebido e pensado nos modos

tradicionais de regulação, não logra preencher sequer expectativas mínimas, quanto mais a verdadeira assunção de um papel privilegiado de regulação social, sob o olhar da nova complexidade e contingência das coisas. (DE MARCO, 2005, p. 46).

Como consequência imediata, duas situações-conclusões emergem disso: a primeira diz respeito ao que Schwartz (2005, p. 13) prega como a insuficiência dos modelos jurídicos tradicionais; e a segunda, o imperativo imediato-prático a clamar por uma nova teoria para o direito, de modo não a cercá-lo de perfeição, mas, ao menos, reduzir aquelas complexidades, e lograr manter estável expectativas comportamentais em relação ao futuro.

Os modelos jurídicos tradicionais, grosso modo, lastrados nos fundamentos da hierarquia jurídica ou de estrutura hierárquica de normas em ordem decrescente de generalidade, trabalhada originalmente por Kelsen na sua noção pura do direito e perpetuados com novas roupagens por outros autores naquilo que podemos chamar então de noção clássica (DE MARCO, 2005, p. 31), não conseguem, no seu exercício teórico para o direito, dar subsídio apropriado para evitar o claro descompasso entre o fenômeno social e a ordem normativa positivada.

Atento a isso e principalmente a uma nova ordem social respaldada na aceleração dos acontecimentos e das relações humanas – a globalização, por exemplo, enquadra-se muito bem aqui –, associado à dita complexidade e contingência do todo, Luhmann, sabedor da necessidade da eterna reconstrução do pensamento jurídico para sua própria adequação, insere, em uma segunda fase de seus estudos, o caráter sistêmico e, posteriormente, o conceito autopoiético, numa nova teoria para um novo tempo. (DE MARCO, 2005, p. 53).

Nessa nova teoria, o direito, concebido como subsistema jurídico em segundo grau, quando observado e inserido no grande sistema do social, sofre interações e comunicações com os demais subsistemas econômicos, políticos, entre tantos outros, estando circularmente fechado sem perder a abertura para o meio.

Em outros dizeres, o sistema jurídico irá se autorreproduzir, assentado em seus próprios elementos e estruturas, e criar suas próprias relações com o meio social. Diga-se, portanto, sistema fechado e autorreferencial, mas não isolado, já que operativo em seu meio, numa operação cognitiva com o extrajurídico. (ARNAUD; DULCE, 2000, p. 168).

Tal abertura e fechamento do subsistema jurídico no seu dia a dia vão se encontrar na decisão, ato do qual nasce a interpretação, não sendo gratuita a eleição do Judiciário como centro do sistema, e o juiz, por excelência, não apenas a boca da lei, mas também do próprio direito. O magistrado terá atrelado a si, na sua decisão, a atividade criadora e produtora de

direito, permanecendo a vinculação à lei em paralelo, mas não ao legislador. (ARNAUD; DULCE, 2000, p. 410).

E frise-se, a autoprodução e autorregulação do sistema jurídico somente ocorrerá num processo de circularidade com o meio social, ideia então concebida e designada como hiperciclo por Teubner. (1993, p. 6).

Mas e as Constituições? Que papéis são reservados a estas no sistema jurídico de direito, de fundo sistêmico autopoiético, considerando o afastamento da pirâmide de hierarquias?

Ao mesmo tempo que nos fixarmos nisso, cabem também algumas ponderações no tocante ao poder constitucional perante os tempos atuais.

Schwartz (2005, p. 13) ao citar as decisões do Tribunal de Justiça Europeu ou de organismos internacionais como o OMC e FMI, assim o faz para destacar respectivamente a sobreposição ou a contradição daquelas sobre as Leis Fundamentais dos países, numa ausência típica de soberania, a provocar um questionamento daquela visão clássica de Constituição, como símbolo de limitação do poder, e aqui vale a citação de, ao menos, Sieyés e o seu A constituinte burguesa Qu´est-ce que le Tiers État? (2001).

Além da soberania questionada, antes apontada por Schwartz (2009, p. 1), este ainda indicará uma frustração no não cumprimento das expectativas normativas constitucionais lançadas pela sociedade, aliada a um desafio temporal corrente pela perda funcional pretérita das características dominantes nas Constituições: supremacia, hierarquia e verticalidade.

Tais moldes até funcionaram com certa eficácia em uma sociedade de velocidade moderada no trato das coisas e, portanto, compatível com tais elementos clássicos. A situação, contudo, é outra quando entra em cena a contemporaneidade. Para esta, novos critérios são exigidos, como circularidade, fluidez, redes, entre outros, o que a teoria sistêmica autopoiética vem a atender. (SCHWARTZ, 2009, p. 2).

É justamente a circularidade decisional adaptativa que permite às constituições, a partir dos seus próprios elementos jurídicos, recriarem-se, transformarem-se, respondendo de forma mais apta às influências comunicativas advindas dos subsistemas sociais. (SCHWARTZ, 2009, p. 11). 55

55 Nesse ponto, registre-se apenas a construção de Teubner, que envolve as Constituições civis, matéria na qual não se adentrará em razão do recorte epistemológico, sendo reservada a trabalho posterior.

As constituições, portanto, além de servirem por excelência como acoplamento entre o direito e a política, 56 também servirão para as demais provocações oriundas dos outros subsistemas, assim compreendendo o nível reflexivo constitucional. (SCHWARTZ, 2009, p. 9).

Outros níveis e suas funções traçados por Teubner, então objeto de reestudo por Schwartz (2009, p. 9), não podem ser omitidos. No da autorreprodução, as Constituições assinalam regras para fins de reprodução, justamente através do subcódigo binário constitucional/inconstitucional. No nível da auto organização, estará desenhada a estrutura das formas decisórias criadas a seu respeito.

Em outros dizeres, a Constituição, concebida sob o olhar sistêmico autopoiético, está mais viva do nunca, a respirar constantemente seus ares sociais de renovação. Uma constituição mista, ou seja, composta de princípios e regras, então regida pela circularidade, detém claras possibilidades de vida e sobrevida a julgar pela mutação social.

Mas e a realidade constitucional brasileira, que características diferenciadas a cercam?

Os ditames sistêmicos autopoiéticos acima são igualmente válidos para a Constituição brasileira. O que muda, porém, é a composição do social brasileiro, isto é, se a sociedade brasileira compõe-se ou não como uma moderna, ao menos.

Nesse sentido de discussão, vale o resultado da profunda pesquisa promovida com louvor por Villas Bôas Filho (2009, p. 266-269), que, nas obras de Freyre e Buarque de Holanda, aborda a tese iberista e seu estamento patrimonial, então óbice ao acesso da sociedade brasileira à modernidade, melhor reapropriadas na atualidade por DaMatta.

Em contínua revisão, dito autor, auxiliado pelos trabalhos de Santos, Neves, Souza e Kowarick, expõe uma distinta visão, que enfatiza a sociedade brasileira como moderna, mesmo que periférica.

A importância disso recai na possibilidade de aplicação ou não da teoria dos sistemas de Luhmann no Brasil, já que a mesma requer um cenário da modernidade, pois, vencido esse quesito, vem a se aplicar indiscriminadamente a quaisquer contextos sociais, sendo de validade abstrata e universal.

56 Cada Constituição, correspondente ao seu respectivo sistema jurídico, passa a ser vista como elemento pertencente única e exclusivamente àquele. Condição almejada, mas não alcançada por Kelsen. Para o sistema político, a Constituição apenas deve ser cumprida e não interpretada, conforme reza a teoria sistêmica autopoiética. Os próprios conceitos políticos presentes na Constituição, uma vez lá presentes, serão justicializados. (SCHWARTZ, 2005, p. 15-16).

É interessante ressaltar que, destes últimos autores citados, todos apontam especificidades próprias da modernidade brasileira, a destoar do padrão comum característico da modernidade ocidental.

Neves (2006, p. 94), por exemplo, salienta o arrastamento constitucional em razão da inexistência da real separação entre direito e política no Brasil, que provoca bloqueios na imprescindível autopoiese de ambos subsistemas. No sistema jurídico, para ser mais preciso, tal condição levaria a sua ausência de constitucionalização do direito.

Ainda assim, e em que pese as fortes particularidades regionais presentes, 57 estas já pertencem à modernidade, como problemas ou vantagens, num tom brasileiro, único.

5.2 O princípio fundamental constitucional do meio ambiente equilibrado no subsistema