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A democracia constituiu-se no regime político predominante ao longo do século vinte.

Entretanto, de que tipo de democracia está-se falando? Em diferentes períodos históricos e di-ferentes territórios, diversos paradigmas de democracia foram e são vivenciados e construídos e reconstruídos teoricamente.

Bresser-Pereira (2005) lembra que a primeira metade do século vinte foi caracterizada pela democracia liberal, em que a elite, ainda que eleita competitivamente, sequer prestava contas aos seus eleitores. Na segunda metade do século vinte, pelo menos nos países avança-dos, passou a vigorar a democracia social, pautada pela opinião pública e com avanços signi-ficativos no modelo de representação, apesar de seus limites. As análises de Bresser-Pereira apontam para a evolução para um novo paradigma no final daquele século e início deste, com a ampliação da responsabilização social (accountability) e a ampliação e o aprofundamento do debate público. Este novo paradigma em construção passou a ser denominado de democra-cia participativa ou deliberativa. O autor entende que a democrademocra-cia deliberativa é altamente idealista e, portanto, não realista. Sem rejeitar o conceito de democracia deliberativa, propõe que o paradigma emergente nas sociedades avançadas (e também no Brasil e na Índia, segun-do o autor) é uma democracia participativa, que Bresser-Pereira prefere chamar de democra-cia republicana10.

Nobre (2004), ao abordar a participação e a deliberação na teoria democrática, apre-senta cinco modelos teóricos da democracia presentes no debate contemporâneo. Com base neste autor, apresenta-se síntese destes modelos:

1. O modelo elitista (ou competitivo elitista): democracia é um arranjo institucio-nal capaz de produzir decisões necessárias à reprodução social e econômica nas condições de uma sociedade pós-tradicional. Para Schumpeter (1984)11, os únicos participantes integrais do sistema democrático são os membros das eli-tes políticas nos partidos e em cargos públicos. O cidadão tem seu papel dimi-nuído e sua atuação é mesmo considerada violação indesejável do processo de decisão pública. Pretende ser um modelo realista, ainda que mantenha premis-sas normativas.

2. O modelo pluralista: tem sua origem no modelo elitista, portanto tem também a pretensão de ser realista, aliás, pretende ser mais realista que o modelo

10 Bresser-Pereira (2005, p. 86) alerta para o fato de que seu modelo de democracia republicana não guarda se-melhança com o “conceito comunitarista de republicanismo que, em suas formas mais extremas, supõe ser pos-sível substituir o Estado pela sociedade civil”. Sua proposta é que o republicanismo moderno fortalece “o Estado por meio da participação ativa das organizações da sociedade civil”.

11 Schumpeter é o autor paradigmático deste modelo, especialmente com a obra de 1942: Capitalismo, socialismo e democracia.

rior. Robert Dahl12. A concepção de poder – a capacidade de impor objetivos em face da oposição de outrem – é central a esse modelo, daí a competição en-tre os grupos de interesses da sociedade.

3. O modelo legal: modelo que se assume como essencialmente normativo, tra-zendo fortes elementos do liberalismo e conhecido como a nova direita, repre-sentada paradigmaticamente por Friedrich Hayek13 e Robert Nozik14. Este mo-delo faz uma radical defesa das liberdades negativas, do Estado mínimo e do laissez faire como valores fundamentais da vida social. Para esse modelo, a democracia – que não é um fim em si mesmo - é um meio – um instrumento útil - para garantir o mais alto fim político: a liberdade.

4. O modelo participativo: contrapondo-se ao modelo anterior, este, que tem em Rousseau sua maior inspiração, é proposto pelo grupo conhecido como nova esquerda, entre eles Carole Pateman, Nikos Poulantzas e C. B. Macpherson15. Além de superar as desigualdades materiais que impedem a efetiva realização das liberdades prometidas pelo direito sob o capitalismo, é necessário superar o déficit de formação política da opinião e da vontade que daí resulta, ou seja, é necessário ampliar a participação nos processos decisórios. A realização da democracia participativa encontra obstáculos ao pretender se ampliar para os domínios social, econômico e político sem deixar de lado as instituições da democracia representativa: a efetividade do modelo encontra seus limites na própria organização capitalista da produção.

5. O modelo deliberativo: para esta corrente, a democracia organiza-se em torno de um ideal de justificação política: justificar o exercício do poder político co-letivo é proceder com base na argumentação pública livre entre iguais. Este ideal só pode ser institucionalizado por uma democracia deliberativa. Joshua

12 Dahl é o autor paradigmático deste modelo, em especial com as obras Poliarquia, de 1971 e Um prefácio à teo-ria democrática, de 1985.

13 Hayeck escreveu, entre outros, Os caminhos da servidão, de 1944.

14 Robert Nozik é representante mais recente deste modelo, autor de Anarquia, estado e utopia, de 1974.

15 Pateman é autora de Participação e teoria democrática, de 1970; Poulantzas escreveu Poder político e classes sociais, de 1968; e Macpherson é autor de The Life and Times of Liberal Democracy, de 1977. Este modelo tem sua inspiração maior nas ideias de Jean-Jaques Rousseau.

Cohen e Jürgen Habermas são considerados os teóricos que elaboraram as ba-ses da democracia deliberativa. Habermas o fez primeiro de forma indireta, através de sua teoria da esfera pública e da ação comunicativa. Joshua Cohen foi quem primeiro, em 1989, definiu as características de procedimento delibe-rativo para a tomada de decisão política. Entre os representantes paradigmáti-cos desta teoria, além de Habermas e Cohen, sobressaem-se também Bernard Manin e Seyla Benhabib16. Apresentam uma teoria normativa da democracia, cujo elemento central é o respeito ao requisito essencial da legitimidade dos processos democráticos. Esta legitimidade, por sua vez, é dependente do res-peito a procedimentos imparciais de deliberação.

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