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1.2. Da delinquência juvenil

1.2.3. Teorias explicativas da delinquência juvenil

O fenómeno da delinquência juvenil é considerado uma das principais preocupações públicas. É face a este problema que foram delineadas diversas hipóteses explicativas que resultaram da necessidade de esboçar teorias com o principal objetivo de compreender de que modo a inexistência de vínculos pode constituir um fator de risco crucial na prática de comportamentos desviantes. O elemento principal que sustenta e relaciona as teorias que serão apresentadas será a socialização, visto que os laços sociais ou a carência dos mesmos influenciam direta ou indiretamente o jovem. Para dar sustento a esta afirmação, segue-se a explanação das diversas teorias.

1.2.3.1. Teoria do Laço de Hirschi

A teoria do laço social, postulada por Hirschi (1969), sugere a categorização dos laços sociais que unem o indivíduo ao meio ambiente e que, consequentemente, previnem que o mesmo cometa desvios. Considera também que a norma eclode do consenso social e, por conseguinte, a delinquência surge da infração dessa mesma norma. Assim, Pasqual et al, (1987) afirma que, quanto

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mais consolidados são os laços sociais, menos probabilidade existe de ocorrer a delinquência.

São assim delineados quatro elementos constituintes do laço social: as crenças, o empenho, o investimento e a vinculação (Hirschi 1969, in Born, 2005). Primeiramente, as crenças dizem respeito à aceitação do indivíduo relativamente às normas e anuência em relação aos valores da sociedade, sendo que esta depende diretamente da intensidade da consolidação dos laços sociais e vinculação dos sujeitos ao meio ambiente; de seguida, o empenho concerne à consciencialização, no sentido em que permite ao indivíduo antecipar as consequências negativas, pois propicia a comparação das vantagens e desvantagens das atitudes delinquentes, optando por comportamentos normativos; em terceiro lugar surge o investimento, isto é, a quantidade de tempo dispensada no alcance dos objetivos normativos, objetivos estes positivos e recompensantes; por fim, a vinculação que se refere aos laços sociais estabelecidos entre o indivíduo e a família, escola e grupo de pares.

Posto isto, é importante salientar que, quando os laços sociais acima descritos são frágeis ou inexistentes, a probabilidade de o indivíduo enveredar por trajetos delinquentes é substancialmente superior. Segundo Born (2005), a tónica da teoria de Hirschi prende-se com o facto de não se basear exclusivamente na análise do indivíduo, mas também da sociedade e respetiva relação com a normatividade. Assiste-se à centralização do processo de socialização que conduz a criança, o adolescente e posteriormente o adulto a optar por comportamentos coadunastes com aqueles com quem socializa.

1.2.3.2. Teoria da Anomia

A teoria da anomia pode ser perspetivada através de duas óticas, nomeadamente de Durkheim e Merton. Durkheim, através das obras Da Divisão do Trabalho Social (1893) e O Suicídio (1897), procurou estabelecer os desígnios e o conceito de anomia, sendo que o define como uma condição de desagregação

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social. Para Durkheim, o desvio ocorre quando o ser humano é incapaz de satisfazer na plenitude as suas extinguíveis pretensões. É com base nesta insatisfação que é evidente a disparidade dos desejos e os meios necessários para a satisfação dos mesmos, surgindo maioritariamente em períodos em que existe uma rutura abrupta do equilíbrio comunitário. Estes momentos de rutura são, portanto, denominados anomia.

Paralelamente Merton, através da obra Teoria e Estrutura Sociais (1949) (artigo outrora denominado de Estrutura Social e Anomia, datado de 1938), defendia que a anomia resultava de um conflito socialmente estabelecido, decursiva da discordância entre a estrutura cultural (responsável pela delimitação dos objetivos e desejos comunitários) e a estrutura social (responsável pela delimitação dos meios necessários para obtenção dos objetivos e desejos comunitários). É mediante a incapacidade de satisfação das ambições e desejos que surge a frustração e que, consequentemente, conduz à decisão de enveredar por trajetos delinquentes. Merton, por sua vez, ocupa-se de apresentar as diferenças entre as estruturas, social e cultural, e o impacto que as mesmas têm perante indivíduos socializados. Defende que as ambições do sujeito não são incitas ao ser humano, mas sim aspetos incutidos pelo próprio meio envolvente, pela sociedade. Assim, indica que a anomia não é definida pela inexistência de normas, mas sim, numa primeira fase, com a interação do sistema social que procura estimular os seus constituintes atribuindo-lhes metas e, numa segunda fase, com a escassa relevância imputada à legitimidade dos meios empregues.

1.2.3.3. Teoria da Associação Diferencial

A Teoria da Associação Diferencial, postulada por Sutherland na sua obra

Principles of Criminology (1939), baseia-se na análise dos atos delinquentes como

comportamentos assimilados. Em 1947 surge a obra The most influential

textbook in the history of Criminology e é nesta que Sutherland apura que os

comportamentos criminosos não se baseiam apenas no puro julgamento do indivíduo, mas sim na influência e comunicação com outros pares e até mesmo

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com a própria sociedade. Esta teoria surge após Sutherland ter defendido que a criminalidade de colarinho branco surge de um processo de aprendizagem e o mesmo se aplica a todas as criminalidades organizadas. Isto ocorre, pois, o sujeito estabelecia contacto direto e indireto com aqueles que praticavam comportamentos delinquentes e se distanciavam daqueles que mantinham um contato próximo e constante com os comportamentos normativos.

São estas influências que validam a compreensão dos indivíduos sobre as normas e valores da sociedade. Desta forma, o indivíduo revela-se capaz de compreender o que é aceitável, no entanto, não é capaz de compreender o inaceitável. A interação e a observação permitem ao sujeito adotar os comportamentos semelhantes aos do grupo (família, amigos, colegas) onde se encontra inserido. Com isto defende que os delinquentes não são intrinsecamente criminosos, mas que aprenderam e optaram pelo desvio, visto que foram instruídos a discernir entre o aceitável e o inaceitável, o certo e o errado. Esta associação consistia num distanciamento dos indivíduos que condenavam a violação e numa aproximação dos indivíduos que compactuavam com a mesma. Isto faria com que estes se identificassem com aqueles que optavam pelo incumprimento da norma (Sutherland, 2012, p.240).

1.2.3.4. Teoria da Rotulagem

Becker (1963) foi um dos principais precursores desta teoria. Defende, antes de mais, que o desvio é fruto da interação com os outros e deverá ser considerado uma consequência da não-aceitação de normas, isto é, “o desvio é uma propriedade, não do próprio comportamento, mas da interação entre a pessoa que comete o ato e as que reagem a esse ato” (Becker, 1963, p.9). Segundo Machado (2008), a teoria da rotulagem encarregou-se de tentar entender a razão pela qual certos indivíduos são considerados criminosos e outros não. As normas que os grupos sociais empregam estigmatizam o sujeito e originam uma rotulagem negativa, produtora do desvio.

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Gonçalves (2008) alega que a teoria da rotulagem surge como consequência de uma profunda divisão social entre duas classes: os rotulados e quem rotula. Emerge, portanto, uma forma de controlo social simbólico. Becker (1963) defende que é considerado conduta desviante aquela que os cidadãos definem como tal. Argumenta ainda que a perceção do desvio está condicionada com quem avalia o mesmo e o define como tal, pois depende do grupo social e cultura em que se está inserido. É na sua obra Outsiders que Becker introduz esta teoria a partir da ideia de que, do estudo do desvio, nascem as relações de poder e, consequentemente, quem não se conforma e adapta às normas da sociedade, é apelidado de outsider. Aqui, Becker defende também que a teoria exposta é muito mais do que a existência de uma conduta desviante face à norma, no sentido em que o desvio não é uma peculiaridade daquele que o pratica, mas sim um efeito da utilização, por parte dos outros, de normas e punições perante o indivíduo desviante.