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Teorias das iniquidades em saúde

COMMUNITY DENTISTRY AND ORAL EPIDEMIOLOGY 149 ANEXO H – NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NO PERIÓDICO QUALITY

1.1.2 Teorias das iniquidades em saúde

A perspectiva de causalidade social estabelece que a posição social dos indivíduos determina saúde através de fatores intermediários (SOLAR; IRWIN, 2010). Entre os principais fatores intermediários, destacam-se os materiais, psicossociais, comportamentais e biológicos. Nessa perspectiva, o efeito causal da posição socioeconômica sobre a saúde é provável ser, principalmente, indireto através de determinantes intermediários de saúde distribuídos de forma desigual nos estratos socioeconômicos (SOLAR; IRWIN, 2010). Os efeitos dos fatores intermediários sobre as iniquidades em saúde são explicados por uma série de teorias, as quais não são mutuamente exclusivas, e, por isso, podem complementar-se na explicação de desfechos em saúde geral e bucal.

As principais teorias propostas para explicar a influência de determinantes socioeconômicos em saúde são: (a) teoria da privação material; (b) teoria psicossocial; e (c) teoria comportamental em saúde (BRAVEMAN et al., 2005; SANDERS et al., 2006; SISSON, 2007; SOLAR; IRWIN, 2010). Essas abordagens teóricas descrevem como as estruturas e ambientes sociais influenciam os comportamentos em saúde e as mudanças psicológicas e fisiopatológicas em processos de doença ao longo da vida (WATT, 2007).

A compreensão conceitual das teorias e de suas repercussões na saúde levam a adoção de estratégias preventivas diferentes. O destaque para teorias que incluam fatores materiais e psicossociais sugere a necessidade de políticas públicas amplas que incorporem melhorias estruturais nas condições de vida em geral e no sistema de saúde. Estratégias baseadas em fatores comportamentais implicam na mudança de atitudes e comportamentos individuais, ou seja, no risco individual às doenças sem, necessariamente, refletir em resultados duradouros.

1.1.2.1 Teoria de privação material

A teoria de privação material, também denominada teoria neomaterialista, refere-se à influência dos níveis absolutos de privação material e sua relação com o processo saúde-doença (SANDERS et al., 2006). As explicações neomaterialistas enfatizam o papel dos recursos materiais individuais e os investimentos em infraestrutura pública—educação, serviços de saúde, transporte, controles ambientais, disponibilidade de alimentos, qualidade da habitação, regulamentação da saúde—que formam a matriz neomaterial da vida contemporânea no nível comunitário (SOLAR; IRWIN, 2010).

A partir desta perspectiva, uma posição socioeconômica favorecida reflete em maior acesso aos serviços de saúde e uma série de condições favoráveis aos indivíduos para que eles tomem decisões saudáveis. Neste contexto, desigualdades em saúde ocorrem porque grupos de posição socioeconômica inferior são expostos a um contexto de vida propício às doenças (MOYSÉS, 2000). Isto significa que as iniquidades socioeconômicas ocorrem como resultado da escassez de recursos materiais necessários a existência humana saudável (MOYSÉS, 2000). Os recursos materiais incluem fatores como o ambiente físico, através de condição e localização de habitação, vizinhança e trabalho; recursos financeiros para comprar alimentos saudáveis, roupas e cuidados em saúde; acesso e uso de serviços de saúde, entre outros (SOLAR; IRWIN, 2010). A qualidade dessas circunstâncias materiais fornece recursos a uma vida saudável, capacidade de tomar decisões conscientes e limita a vulnerabilidade a riscos tanto à saúde geral quanto bucal.

Portanto, a principal ênfase é a produção de iniquidades em saúde a partir da distribuição desigual dos determinantes estruturais ou materiais entre os estratos socioeconômicos da sociedade e, consequentemente, exposição à fatores de risco a saúde e adoção de hábitos não saudáveis. Assim, a teoria neomaterialista não se concentra nas consequências psicossociais ou percepções negativas das desigualdades socioeconômicas (SOLAR; IRWIN 2010).

1.1.2.2 Teoria psicossocial

A teoria psicossocial está associada com a maneira pela qual as pessoas classificam seu estado emocional em comparação com os outros membros da sociedade (SANDERS et al., 2006). De acordo com essa teoria, a posição socioeconômica pode produzir diferentes efeitos através dos grupos da sociedade, interagindo com outras características sociais (MARMOT; BELL, 2011). Assim, independentemente do nível socioeconômico, sociedades mais igualitárias têm melhores níveis de saúde, pois são mais coesivas, solidárias e os indivíduos possuem expectativas mútuas.

As iniquidades em saúde ocorrem uma vez que a experiência de viver em ambientes sociais desiguais força constantemente as pessoas à comparação de suas condições e circunstâncias de vida, gerando sentimentos de vergonha e de inutilidade nos desfavorecidos, além de estresse crônico (SOLAR; IRWIN, 2010). No nível comunitário, as iniquidades socioeconômicas enfraquecem a coesão social através da desintegração dos laços sociais, resultando em desfechos negativos à saúde (SOLAR; IRWIN, 2010).

Os fatores psicossociais podem ser circunstâncias e relacionamentos estressores como violência, discriminação e a própria posição socioeconômica; aspectos do capital social através de participação cívica, normas de reciprocidade e confiança; estresse, entre outros (SOLAR; IRWIN, 2010). Assim, os estratos socioeconômicos estão expostos em diferentes graus às experiências e situações de vida percebidas como ameaçadoras e estressoras, as quais podem ser difíceis de lidar e resultar nas iniquidades em saúde geral e bucal.

Essa abordagem destaca que a posição socioeconômica relativa pode influenciar mais fortemente a saúde do que os indicadores absolutos de privação material em indivíduos com maiores vantagens sociais. Contudo, a situação é inversa para os grupos em desvantagens sociais, ou seja, para aqueles situados na porção inferior da escala social (SANDERS et al., 2006). Assim, a explicação psicossocial destaca o significado que a posição socioeconômica relativa tem na vida das pessoas.

1.1.2.3 Teoria comportamental

A teoria comportamental em saúde pressupõe que os indivíduos escolhem “voluntariamente” como conduzir as suas vidas, ou seja, seus comportamentos. Paralelamente, os indivíduos com comportamentos não saudáveis são capazes de alterar e manter uma boa saúde ao adquirirem conhecimentos e competências de saúde relevantes. Essa abordagem teórica apoia-se no modelo biomédico baseado, exclusivamente, nos fatores comportamentais e biológicos de cunho individual (SOLAR; IRWIN, 2010).

Desigualdades em saúde ocorrem devido aos indivíduos com posição socioeconômica desfavorecida adotarem comportamentos irrefletidos, despreocupados ou irresponsáveis, resultando em situações precárias de saúde em geral (MOYSÉS, 2000). Assim, a responsabilização e culpabilização pela saúde recai ao indivíduo, desconsiderando os determinantes sociais que moldam os comportamentos em saúde (WATT, 2007).

Há uma variedade de fatores comportamentais em saúde como tabagismo, dieta, consumo de álcool, atividade física, entre outros (SOLAR; IRWIN, 2010). Entre os fatores biológicos, estão fatores genéticos, idade e sexo (SOLAR; IRWIN, 2010). A influência desses fatores pode proteger e melhorar saúde como, por exemplo, a prática de atividade física, ou expor os indivíduos a vulnerabilidade às doenças como o consumo de álcool.

O destaque para os comportamentos individuais, contudo, explica uma modesta proporção das iniquidades em saúde (SANDERS et al. 2006; SABBAH et al., 2009). As escolhas individuais são fortemente influenciadas pelo contexto social em que as pessoas

vivem, crescem e trabalham (WATT, 2012). Assim, as razões pelas quais os fatores comportamentais estão distribuídos desigualmente entre os estratos sociais parece ser mais importante para entender os modelos explicativos das iniquidades socioeconômicas.