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1.2. COMPORTAMENTO HUMANO: RESULTDO DA DINÂMICA

1.2.6. Comportamentos social e criminalmente reprováveis versus puníveis

1.2.6.3. Teorias psicológicas

As teorias psicológicas explicativas do comportamento criminal emergiram com o aparecimento das teorias psicodinâmicas (Figueiredo Dias & Andrade, 1997). Segundo Gonçalves (2002), são inúmeras as teorias que explicam o comportamento anti-social na óptica psicológica ou psicossocial, de entre as quais apenas faremos uma breve referência às que se seguem.

i) Teoria da Personalidade Criminal

Como vimos, a procura de explicações para o comportamento criminal data de há longos séculos.

87 No entanto, centrar-nos-emos nos estudos contemporâneos mais recentes sobre a

Teoria da Personalidade Criminal. Um dos propulsores desta teoria foi Hervey Cleckley

(1903-1984), que em 1976 chegou à conclusão de que a psicopatia era própria de ―pessoas

egocêntricas, impulsivas, incapazes de formar relações interpessoais íntimas e estáveis, que não mostram qualquer arrependimento pelos seus actos e não aprendem com a experiência‖ (Barbosa, 2003, p. 100). Citamos ainda Hans Eysenck (1916-1997) e seus

colaboradores, que, em 1978, concluíram que nos criminosos com personalidade anti- social os níveis de extroversão, neuroticismo e psicoticismo eram elevados, o que era revelador de serem pessoas impulsivas, agressivas, pouco condicionáveis, com um comportamento frio/impessoal, procurando sensações (Barbosa, 2003).

Agra e Matos (1997) referem trabalhos desenvolvidos, em 1987, por Marcel Fréchette e Marc LeBlanc e, logo a seguir, em 1991, por Jean Pinatel (1913-1999), e que chegam à conclusão que os delinquentes são distinguidos dos não delinquentes por possuírem uma hipertrofia dos traços psicológicos que constituem o núcleo central da personalidade, sendo o egocentrismo e a labilidade próprios da instabilidade comportamental e a agressividade e a indiferença afectiva específicos da ausência de emoções e tendências altruístas. Pinatel defendia que na prática de um crime os referidos traços se processam do seguinte modo: a) o egocentrismo funciona como neutralizante do julgamento social desfavorável sobre um dado acto projectado; b) a labilidade desvincula a inibição da ameaça da pena; c) a agressividade pode levar à passagem ao acto;

d) a indiferença afectiva causa um efeito suspensivo da repugnância no momento da acção

criminógena (Agra & Matos, 1997). Estes autores mencionam que para Pinatel há vários tipos de delinquentes: caracteriais, perversos, toxicómanos, alcoólicos, débeis mentais; porém, que além destes existem ainda criminosos profissionais (inadaptados sociais que se mantêm na prática de crimes) e ocasionais (socialmente adaptados, mas contidos por circunstâncias do meio).

Os traços de personalidade referidos, segundo Gonçalves (2002), são responsáveis pela resistência dos sujeitos com características anti-sociais ao processo de ressocialização, concorrendo para níveis elevados de reincidência anti-social/criminal, que assumem crescente gravidade, de forma progressiva, e que se reflecte na prisão.

No entanto, Brenner (2001) chama a atenção para o seguinte facto, reportando-se à realidade brasileira:

―Para crimes violentos, os benefícios aparecem logo (vingança, satisfação sexual, apropriação de dinheiro via assaltos, etc.), enquanto que os custos demoram a surgir, principalmente se dependerem de uma punição formal. Esta então é uma das razões pelas quais

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pode-se esperar que, as pessoas mais impulsivas estejam presentes, numa quantidade acima da normal, entre os praticantes de crimes violentos.‖ (p. 157).

Consideramos que isto, de uma forma geral, também se aplica à realidade portuguesa.

ii) Corrente Psicodinâmica

Esta corrente tem por base a teoria psicanalítica, cujos fundadores foram Sigmund Freud (1856-1939, Alfred Adler (1870-1937) e Carl Jung (1875-1961). De acordo com esta teoria, segundo Figueiredo Dias e Andrade (1997), regra geral o crime pode ser explicado tendo em conta os seguintes princípios:

―1.º – O homem é, por natureza, um ser a-social. Por isso é que Freud refere a criança como um perverso polimórfico e Stekel como um criminoso universal.

2.º – A causa do crime é, em última instância, social. ‗O crime – escreve GLOVER – representa uma das parcelas do preço pago pela domesticação de um animal selvagem por natureza; ou, numa formulação mais atenuada, é uma das consequências de uma domesticação sem êxito‘.

3.º – É durante a infância que se modela a personalidade. É, noutros termos, durante a infância que se definem os equilíbrios ou desequilíbrios que, com carácter duradoiro, hão-de dar origem ao comportamento desviante ou às condutas socialmente aceites.‖ (p. 191).

Segundo Figueiredo Dias e Andrade (1997), Freud, embora rejeite a teoria lombrosiana, tem pontos de convergência com a mesma, isto é, reconhece o atavismo na explicação do crime e considera que o criminoso representa um retorno ao homem primitivo, devido à sua estrutura psíquica e não a questões antropológicas.

Agra e Matos (1997) referem que Pierre Mailloux vai mais longe ao considerar que os momentos cruciais da construção da identidade, que permite a cada ser humano distinguir-se como único e determinar-se na vida de acordo com as suas escolhas, situam- -se na infância e na adolescência. Estas fases do ciclo desenvolvimental são constituídas por períodos de crise, que se não ultrapassados comprometem o processo de identificação da personalidade e, consequentemente, fazem emergir um desequilíbrio durável e profundo, passando o indivíduo a delinquente habitual (o Eu decidirá a passagem ao acto).

iii) Corrente Fenomenológica

O comportamento resulta da relação sujeito/situação, que envolve um sistema de significações, sendo o crime explicado por este sistema emergente dessa relação (Agra & Matos, 1997). Estes mesmos autores defendem que a livre escolha de um comportamento é aparente, pois subordina-se à dialéctica existente entre dois instintos constituintes da psique e que são simultaneamente antagónicos e fundamentais: a) instinto de conservação

89 do Eu, responsável por reacções de medo/fuga contra a afectividade, que leva o sujeito a isolar-se; b) instinto de simpatia, em que o sujeito é compelido para o abandono de si próprio, orientado no sentido da defesa da espécie.

Neste sentido, para Agra e Matos (1997) a reaproximação a outrem depende da resolução da culpabilidade do isolamento defensivo, tendo como mediadores a consciência e a inteligência. Ora, segundo estes autores, o comportamento de aproximação fica comprometido ou não ocorre nas perturbações de carácter e nas deficiências intelectuais, devido aos possíveis enviesamentos no processo de conservação dos sentimentos e comportamentos, o que facilita a passagem ao acto criminal, sendo este processo evolutivo e criminal decidido pelo Eu.

Etienne De Greeff (1898-1961), um dos advogados desta corrente, considera que o delinquente não é uma pessoa diferente das restantes, por natureza ou qualidade, excepto no que respeita a algumas características facilitadoras do comportamento criminal (Ballone, 2005). Segundo este autor, De Greeff valoriza a conduta geral do indivíduo com comportamento criminal e a sua personalidade específica (não a definida para os criminosos), bem como tem em conta a história pessoal e o conjunto de processos psicológicos/afectivos/morais/sociais (entre outros) que possam concorrer para a criminalidade. No entanto, quando confrontado com a noção de perigosidade, De Greeff defende a possibilidade de definir traços de personalidade e estabelecer a intervenção mais adequada (Ballone, 2005).

Entre outros dos defensores desta corrente encontra-se também Françoise Digneffe, que propugna que a pessoa é um ser responsável, dependendo dela a edificação/definição dos seus projectos de vida, que têm como subjacentes aspectos relacionados com a ética, desenvolvimento moral e valores, sendo as suas características pessoais decorrentes das suas escolhas e da gestão que faz da vida (Ballone, 2005). Segundo esta autora, estes pressupostos também se aplicam ao delinquente, que também constrói e gera a sua vida através das escolhas que faz, atribuindo significados pessoais aos seus actos.