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Truth is the silliest thing under the sun Herman Melville , Letters

Como afirma Coulon, "escolher um método é escolher uma teoria. Nenhuma metodologia se justifica por ela mesma, é necessário, para lhe compreender a escolha e o uso, aproximá-la da teoria com a qual é compatível" (Fernandes, 1998, p.38). Poderá dizer-se que o contrário também é verdade, pois escolher um tema implica fazer opções teóricas, da gama de olhares possíveis sobre um objecto. Fernandes resolveu a impossibilidade de hierarquizar prioridades entre estes dois procedimentos, ao afirmar que "avançar num implica ir aprofundando o outro" (p. 38), adoptando uma dialéctica entre a escolha do método e a escolha teórica. Neste sentido, antes de uma reflexão sobre metodologia e o método a seleccionar para a análise do objecto refira-se que a racionalidade científica em que me situo aproxima o presente trabalho dos princípios teóricos do psicodrama, do interaccionismo simbólico, das teorias críticas e do construcionismo social. Todas estas teorias centram-se no papel fulcral da interacção entre sujeito e contexto, sublinhando a construção que o sujeito elabora a partir dos significados que ele atribui e/ou julga serem atribuídos às suas vivências. Segue-se uma breve exposição dos principais fundamentos de cada uma destas teorias de suporte, que enquadram o presente estudo.

O psicodrama

O psicodrama tem sido divulgado fundamentalmente como uma psicoterapia, mas é também uma concepção do mundo. Para Moreno (1889-1974), o seu fundador, a criança ao nascer é um ser criador que vai ser reprimido e restringido pelas conservas

culturais que a cultura, rigidamente normativa, vai introduzindo. É o ambiente particular

as características grupais e continuar os padrões do seu meio (Rojas-Bermúdez, 1984). A única essência para Moreno são os processos fisiológicos, importantes na fase inicial de construção da matriz de identidade. A matriz de identidade constrói-se através da incorporação da herança cultural. A criança aprende diversos papéis através de um processo que tem um tempo de duração variável e que depende de características como a coacção, a coexistência e a co-experiência.

No seu texto mais referenciado, "As palavras do pai", Moreno (1976) afirma a sua concepção de humano como um ser com possibilidades ilimitadas; erigido em divindade criadora, ele "chega a ser divindade como autor, criador e comediante da sua própria existência" (p. 65) . O ser humano é um ser que se encontra permanentemente num processo de evolução emocional, através de interacções nas relações interpessoais.

O desenvolvimento humano, que é descrito por Moreno na teoria da espontaneidade, é conceptualizado como um desenvolvimento de papéis, cujo desempenho é anterior ao aparecimento do Eu. Moreno define papel como "a forma funcional que um indivíduo assume no momento em que reage a uma situação específica na qual pessoas e objectos estão envolvidos". Moreno deixa claro que papel é uma experiência interpessoal e necessita habitualmente de duas ou mais pessoas para ser actualizado. Os papéis são anteriores à organização do Eu " não emergem do Eu, mas é o Eu que emerge dos papéis", denunciando a existência de "actuação de papéis antes do nível de reconhecimento" (Moreno, 1964, p. ii).

A teoria psicodramática não se restringe apenas aos papéis sociais, compreende todos os sectores da vida humana. Relativamente à ciência, Moreno afirma que "o conceito de papel atravessa as ciências do homem, a Fisiologia, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, e liga-as num novo plano" (Moreno, 1961, p. 519).

A importância do psicodrama para o presente estudo prende-se com o deslocamento que Moreno propõe da valorização do indivíduo para o grupo e da palavra para a interacção, substituindo o pensamento individualista unipolar por uma abordagem intersubjectiva multipolar. Neste processo, o paciente deixa de ser um objecto dos cientistas, transformando-se em sujeito activo, elemento co-participante na psicoterapia. Nas palavras de Rojas-Bermúdez (1984), encontramos uma definição que exemplifica o que se passa numa dramatização psicodramática: "as interacções manifestam-se e já não é o indivíduo isolado que dramatiza mas um grupo que expressa as suas

interrelações" (p. XVIII). No enquadramento psicodramático o grupo surge como o local principal de encontro, de proximidade intersubjectiva.

O interaccionismo simbólico

Seria o livro de George Herbert Mead "Mind, self and society", publicado em 1934, que marcaria o modelo do interaccionismo simbólico, embora tivesse sido Herbert Blumer quem, em 1962, utilizaria pela primeira vez o termo. Com efeitos profundos na teoria social e na metodologia, a posição teórica de Blumer e o modelo de pesquisa por ele proposto fornecem uma teoria geral de explicação dos sentimentos e vivências dos indivíduos e da estrutura social (Stryker, 1992)

Mead havia chamado à sua abordagem "behaviorismo social". Sublinhando o papel da interacção enquanto reguladora das formas como o indivíduo se percebe ao ser percebido e perceber-se através dos outros, Mead defenderia igualmente que, se a natureza humana era parte da evolução e da Natureza, a importância da linguagem e da comunicação simbólica eram fulcrais para libertar o indivíduo do determinismo natural. O fundamento do interaccionismo simbólico é a ideia de que as identidades (próprias e dos outros) são construídas na interacção social do quotidiano (Burr, 1995).

Fortemente influenciado por Mead, Blumer (1969) faz assentar a sua teoria em três premissas essenciais: em primeiro lugar, é em função dos significados que atribui às coisas que o sujeito, enquanto actor, age; em segundo lugar, esses significados são construídos a partir da interacção do indivíduo com os outros; em terceiro lugar, um processo interpretativo é efectuado sempre que o sujeito tem que lidar com o meio. Assim, as pessoas partilham, em imaginação, as respostas umas das outras, e é esta partilha e a atribuição comum de significados que tornam o comportamento verdadeiramente social, sendo, pois, o mundo social determinado pelo significado que é atribuído ao comportamento humano e pelo indeterminismo.

Para este modelo é fundamental a noção de contexto. Porque é por ele que os actores pautam as suas condutas, será ele que influenciará o significado atribuído a essas condutas, sem, contudo, deixar de ser influenciado por esse significado: "as acções sociais ganham o seu significado a partir do contexto em que se situam, mas ao mesmo tempo definem esse contexto" (Fernandes, 1998, p. 44).

O princípio fundamental do interaccionismo é assim enunciado por Coulon (citado por Fernandes, 1998): "É necessário compreender o que fazem os indivíduos acedendo, do

interior, ao seu mundo particular, e tratar-se-á pois de descrever os mundos particulares dos indivíduos dos quais queremos compreender e analisar as práticas sociais" (p. 43). No dizer de Fernandes, o comportamento é sentido - e o acesso possível a esse sentido "só pode fazer-se através do discurso do actor sobre as suas acções, não está inscrito na acção em si mesma" (p. 42). Nesta perspectiva, a intervenção terapêutica é um acto, porque depende do sentido que faz para o terapeuta, da sua visão do mundo.

Desafiando a noção de que o mundo empírico tem um carácter imutável, Blumer defende que cada nova descoberta científica revela uma nova visão da realidade que exige que as concepções previamente assumidas sejam completamente revistas. Investigar é, nesta perspectiva, atribuir sentidos e significados, o que leva Denzin (1990) a afirmar a impossibilidade de fuga do círculo da interpretação e a negar a pureza da objectividade na realização dos estudos. Esta propriedade é designada por Hammersley como «círculo hermenêutico» ( Fernandes, 1998).

As teorias críticas

Herdeiras do trabalho da escola de Frankfurt7 e, mais contemporaneamente, seguidoras das linhas de reflexão de Habermas, as teorias críticas reprovam sobretudo a ideia de objectividade científica e de neutralidade. A expressão no plural deve-se ao facto de o termo "teoria crítica" estar associado a teóricos de diferentes disciplinas, não havendo uma única teoria crítica, mas antes um conjunto de princípios que permitem dar alguma unidade às perspectivas dos autores que se assumem como teóricos críticos.

Tal como foi definida pela escola de Frankfurt, a teoria crítica ataca as abordagens científicas que reclamam a explicação pura baseada em técnicas objectivas de análise experimentais ou estatísticas. Se entendermos, com B. S. Santos (1999) que teoria crítica é "toda a teoria que não reduz a realidade ao que existe", e que "a realidade qualquer que seja o modeo como é concebida, é considerada pela teoria crítica como um campo de possibilidades", sendo "a tarefa da teoria definir e avaliar a natureza e o âmbito das alternativas ao que está empiricamente dado" (p. 197), conclui-se que efectivamente todo o conhecimento é lido como ideológico e "todo o conhecimento crítico tem de começar pela crítica do conhecimento" (p. 205). Nesse sentido, o que é

7 Por volta dos anos 20, teóricos como Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcuse procuravam,

através de uma abordagem específica, interpretar a teoria marxista e weberiana e desenvolvem uma linha de pensamento que surge como alternativa àquilo que consideravam o fracasso da ciência moderna

visto como empírico não passa de uma construção social. Por esta razão é o relativismo histórico essencial à teoria crítica.

Como alternativa a uma abordagem positivista da ciência, a teoria crítica propõe uma ciência social que contemple a natureza da sociedade como uma totalidade histórica, tendo, entre outros, o objectivo de combater a visão essencialista que entende produções sociais como aspectos intrínsecos ao sujeito e por isso imutáveis, de que são exemplos a raça, o sexo, ou a orientação sexual.

O desafio que a teoria crítica coloca ao investigador social é a construção de teorias que permitam desmistificar uma leitura "natural" do mundo social assumindo que "nem a objectividade nem a neutralidade são possíveis em termos absolutos. A atitude do cientista social crítico deve ser a que se orienta para maximizar a objectividade e para minimizar a neutralidade" (B. S. Santos, 1999, p. 208). O investigador será assim entendido como um construtor de realidades científicas, integrando o sistema de investigação numa perspectiva da cibernética de segunda ordem.

O construcionismo social

Pretendendo integrar as duas posições anteriores e uma série de outras abordagens críticas à ciência moderna e ao entendimento positivista do conhecimento, o construcionismo social recusa a pressuposição de que a linguagem pode conter verdade e de que a ciência pode fornecer descrições objectivas e correctas do mundo, adoptando a crítica pós-modernista à ciência positivista-empiricista e à concepção de verdade que lhe subjaz.

Para o construcionismo social, não há uma realidade objectiva, ela é construída pela nossa linguagem. Os fundamentos deste modelo teórico encontram-se nos princípios do interaccionismo simbólico e no trabalho de Berger & Luckman, publicado em 1966,

'The social construction of reality. É a linguagem que constrói os fenómenos sociais,

que são depois interiorizados pelos indivíduos como realidades e verdades inquestionáveis. Essa construção das realidades é limitada ao contexto geográfico, histórico, social e político de que emerge. Por isso o sujeito que a enuncia é secundário: o que interessa são as construções sociais possíveis num dado momento, num determinado espaço.

Devedor do estruturalismo e do pós-estruturalismo, no pendor anti-humanista que os une, o construcionismo social assume como referente o primado de que a linguagem é

a chave da transformação, quer social quer pessoal, por ser nela que as identidades se constroem, mantêm ou modificam, uma vez que a experiência apenas tem sentido através da linguagem e dos significados que lhe são atribuídos.

O construcionismo social entende que qualquer significação de um acontecimento poderá constituir uma prática social e fomentar a marginalização de formas alternativas de funcionamento. Assim, ao contrário da psicologia tradicional (que se centra na análise do sujeito) e da sociologia tradicional (que se centra na análise das instituições), o construcionismo social procura o que se constrói com e entre as pessoas, entendendo o conhecimento como não estático, antes dinâmico, ou seja, não como aquilo que se possui, mas como aquilo que se elabora em interacção com os outros. Alargando a proposta de Semin (1986), aplicada a constructos psicológicos, pode dizer- se que o construcionismo social propõe uma política geral de investigação com a finalidade de tratar quaisquer que sejam os constructos sociais como resultado de práticas sociais situadas. O poder constitutivo da linguagem , a construção relacional do significado e o posicionamento histórico-cultural de qualquer descrição ou teorização são, assim, segundo M. Gonçalves e O. Gonçalves (no prelo), os três pressupostos fundamentais para caracterizar este modelo teórico.

Kenneth Gergen, um dos teóricos responsáveis pelo desenvolvimento desta teoria, autor de, entre outros livros, Toward transformation in social knowledge (1982), considera que o objectivo do construcionismo social é reconhecer que quando usamos determinados conceitos (como "alma", "escolha intencional", "cognição", etc), estamos a participar num conjunto particular de tradições culturais, e não a produzir verdade para além da cultura e da história, ou seja, que quando usamos determinados conceitos, ter presente que eles são constructos sociais. Ao investigador, o que importa não é saber "como as coisas são", mas como são interpretadas.

3. O MÉTODO

He ílegado a com prender que para poder entrar en una nueva historia lo que de verdad se necesita, lo más importante es crearla

La Bruja Paz Grupo Cala

3.1. Teorias de suporte substantivo

Tendo em conta o objectivo definido e as questões em função dele elaboradas impunha-se fazer uma pesquisa de significados atribuídos à homossexualidade ao longo da história do Ocidente, identificando ideologias de conceptualização da homossexualidade. Nos modelos emergentes nas áreas das Ciências Médicas e da Psicologia procurou-se identificar igualmente, quando existiam, processos de intervenção propostos. A fim de facilitar um entendimento da função destas ideologias e das condições da sua emergência, efectuou-se, para cada momento histórico, um breve levantamento das principais questões do contexto histórico, social, cultural e económico que as enquadra. Esta pesquisa permitiu um melhor enquadramento dos discursos produzidos e categorizados.

A pesquisa documental para a recolha da informação pretendida implicou a incursão em áreas como a História, a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, a Medicina e, naturalmente, a Psicologia. O material disponível sobre o tema mais alargado que é o fenómeno social da homossexualidade é de uma grande vastidão, sujeitando o percurso de aproximação ao objecto em análise a uma série de "desvios", em momentos de maior indefinição e leituras que se vieram a revelar de pouca pertinência.

3.2. Constituição do corpus

Com a consciência de que qualquer método de investigação social deverá ser coerente com os objectivos propostos, impôs-se, no caso do presente estudo, uma escolha que permitisse dar voz à população-alvo da investigação para, de acordo com a finalidade pretendida - a compreensão dos discursos disponíveis sobre as configurações da homossexualidade e as práticas terapêuticas com clientes homossexuais - aceder aos significados que os sujeitos atribuem às suas experiências.

Com o objectivo de dar voz aos sujeitos do presente estudo, impunha-se obter uma das matérias-primas da informação qualitativa - o discurso - o que implicava organizar dispositivos conversacionais abertos, de forma a "alcançar" as vivências dos sujeitos, e, através destas, as estratégias dos mesmos8. A entrevista em profundidade ou a reunião de grupo eram dispositivos possíveis, ambos capazes de produzir discursos de forma mais ou menos espontânea. Mas o grande obstáculo das entrevistas abertas é, como diz Gallego (1995), a importante racionalização que realizam os entrevistados para oferecer "uma cara", um "estilo" coerente ao entrevistador. A presença de estratégias discursivas do tipo "salvar a cara", como as denomina Goffman, referido por Gallego (1995), estão mais facilmente presentes na entrevista, o que leva a um maior recurso à racionalização. Esta questão tomava-se de grande pertinência, fundamentalmente para o trabalho com clínicos, pela importância inquestionável do papel de aceitação e da capacidade de se colocar no lugar do outro, o que é consensualmente uma competência da prática profissional. A forma grupai, por seu turno, por permitir a interacção, é um processo que tende a eliminar os efeitos da observação e que facilita a percepção das vivências personalizadas como vivências colectivas e do grupo, relativizando os obstáculos acima referidos. A racionalização, sempre presente, torna- se parcialmente diluída na percepção de um discurso casual, emergente no calor da

g

discussão entre iguais, partilhando o indivíduo a responsabilidade com o grupo

Sendo uma técnica com grande popularidade, e reconhecida como adequada para estimular a visão dos utilizadores de serviços em geral (Krueger, 1991) e de serviços de saúde em particular (Beckerleg et ai., 1997), os grupos de discussão permitem levar as pessoas a desenvolver e a realizar mudanças e são considerados dispositivos muito apropriados quando o objectivo é explicar como as pessoas percebem uma experiência, facilitando a compreensão da experiência humana, o que não é possível através de desenhos experimentais. Os grupos de discussão podem também fornecer informação sobre percepções, sentimentos e atitudes (Krueger, 1991). O corpo de material que fornecem espelha a realidade social de um grupo cultural (Hughes &

8 Note-se que vários autores partilham a convicção de que o uso de material qualitativo para o estudo de

aspectos relacionados com a intervenção terapêutica é altamente apropriado (Beckerleg, Lewando-Hundt, Borkan & Belmaker, 1997; Howe, 1996).

9 Gallego (1995) refere que é frequente na fase final das reuniões, quando os participantes já se sentem

cansados, observarem ao moderador «já lhe dissemos tudo», assumindo um sujeito plural (p. 13). Ressalve-se, no entanto, que, segundo Gallego, esta abertura face ao discurso casual varia em função da origem sócio-estrutural do grupo e do objecto do discurso, sendo reconhecida como menor nos grupos de executivos e profissionais .

DuMont, 1993), ao permitir "reflectir e retractar (a nível micro) uma sociedade e uma história"; e permite ainda observar a interacção social e investigar as nuances e as complexidades das atitudes e experiências dos participantes (Ibafiez, 1994a).

A decisão, aqui tomada, por um processo de discussão em grupo para a produção do discurso a analisar é ainda uma forma de assumir que tudo é grupai, que a identidade individual se configura a partir das identificações colectivas, o que implica que no discurso produzido em grupo responderão as próprias características do discurso social. Se o universo do sentido é grupai (social) parece óbvio que a forma de grupo de discussão se adapta melhor a ele, de uma forma mais eficaz do que a que se verifica na entrevista individual. A reordenação do sentido social requer a interacção discursiva, comunicacional. É que o sujeito, cada sujeito, e inclusivamente cada grupo social, poderá eleger os significantes de que fará uso, dispor dos seus próprios repertórios de estilo, mas fá-lo pela pressão semântica, pelo universo de sentido que é para ele pre- existente e que o constitui: "o sujeito falante é dono das suas opiniões, mas não da estrutura que as gera" (Canales & Peinado, 1995, p. 291).

Assim, os participantes dos grupos, nas suas interacções discursivas, aproximam-se de modelos culturais, já que as acções das pessoas têm a ver com o que os outros pensam e planeiam, sendo difícil conceber a mais elementar interacção na vida de todos os dias sem atribuição de intenções e conhecimento dos outros (Carrithers, 1992). Quando conversamos, não estamos apenas a contar histórias, mas a reagir às reacções tanto reais como imaginárias da parte dos nossos interlocutores, ajustando a nossa narrativa às nossas leituras ou representações (Sobo, 1997). Os participantes são influenciados e influenciam os restantes, tal como sucede na vida real. Desta forma, este método permite intensificar e explorar alguma da carga cultural. A situação criada no grupo de discussão equivale, pois, a uma situação discursiva em cujo processo a ideologia, no seu sentido mais amplo de não habitar nenhum lugar social em particular, mas de se encontrar disseminada no próprio corpo social, se reordena para o grupo. Não interessa conhecer histórias pessoais; trata-se de "uma representação da realidade, reproduzindo-se nesta representação o discurso social" (Canales & Peinado, 1995, p. 290).

A elaboração de qualquer discurso tem sempre um sentido que o orienta. Qualquer discurso é construído de acordo com os requisitos situacionais e individuais da sua produção, sendo o material discursivo do relato de uma experiência uma reconstrução elaborada de forma a satisfazer as contingências do momento, estruturada,

seleccionada e editada, de forma a satisfazer as necessidades pessoais da conjuntura do momento, e influenciada por "memórias falíveis, paixões reconsideradas e visões selectivas" (Kitzinger, 1995, p.71).

A finalidade com o uso desta técnica era provocar os discursos, independentemente da sua verdade: qualquer discurso é o discurso possível para aquela pessoa naquele momento. Os falsos discursos (mesmo se deliberadamente falsificados) são correctos do ponto de vista do significado, uma mentira é igualmente plausível: é o que pode ser discurso correcto naquela sociedade e naquela situação. Embora a forma e o contexto da discussão de grupo seja "encenada" pelo investigador - é ele quem decide as características dos participantes, o local de encontro, quem propõe o tema, abre e encerra o diálogo, determina a duração (desempenhando um papel semelhante ao do