• Nenhum resultado encontrado

DESENVOLVIDOS AO LONGO DO SÉCULO

3. TESES SOCIAIS

3.1. Questões contextuais

O desenvolvimento dos chamados "movimentos sociais", após a Segunda Grande Guerra, criou um contexto de compreensão da homossexualidade enquadrado no objecto unificador daqueles movimentos de "renegociar o valor das hierarquias de valores e de poder" (Nogueira, 1996, p.155). Os vários movimentos de cariz contra- hegemónico que então se desenvolveram (feminista, anti-imperialista, anti-racista) tiveram um impacto central sobre a hierarquia, o estilo e a intensidade da actividade homossexual nas décadas de 60 e 70 (Bayer, 1987).

É neste contexto social de preocupação com a defesa dos direitos humanos e das minorias117 que os movimentos de defesa de direitos homossexuais ganham força para apresentarem a sua oposição à visão psiquiátrica dominante que entende a homossexualidade como um défice. O racional da luta pela libertação homossexual partilha de preocupações transnacionais de outros movimentos de reivindicação e libertação, ancorando-se também nas lutas de classes desfavorecidas contra a privação social: as demonstrações anti-racistas, as reivindicações estudantis, ou numa relação ainda mais próxima, a luta das mulheres contra a dominação masculina:

our oppression as homosexuals stems from the same source as that of other repressed groups: the restrictive competitive social roles necessitated by a capitalist economy and a ruling élite (Red Butterflay, "Gay Liberation" citado por Bayer, 1987, p.94).

Assim, a «cura psiquiátrica» - considerada uma «solução final» para o problema da homossexualidade - passou a ser encarada como "um equivalente da supremacia branca no caso do racismo e da dominação patriarcal no caso do lesbianismo" (Bayer, 1987, p. 87).

A partir dos anos 60, assistiu-se a uma explosão de trabalhos e de debates sobre a opressão das mulheres e sobre políticas de emancipação, tendo-se desenvolvido uma série de estudos sobre as razões das desigualdades associadas à diferença sexual e sobre a forma de as combater. Da mesma forma que a primeira vaga do movimento de

117 Como denominadores comuns dos grupos minoritários, onde se integra o movimento de defesa dos

direitos dos homossexuais, existem quatro princípios básicos: ser um segmento subordinado dentro de uma sociedade mais alargada; manifestar características desprezadas pelos segmentos dominantes dessa mesma sociedade; constituir-se como comunidade devido a essa(s) característica(s) e ser alvo de um tratamento diferencial que varia entre discriminação, ameaças e vitimização.

direitos das mulheres crescera a partir do movimento para a abolição da escravatura e prosseguira com muita proximidade àquele movimento, a segunda vaga tem raízes igualmente profundas na crescente consciencialização de que, mesmo no campo da luta pelos direitos cívicos, as mulheres eram vistas como inferiores num contexto de dominação masculino.

Quando integradas no chamado movimento da Nova Esquerda, iniciado no movimento de direitos cívicos de 1960, as mulheres eram frequentemente tratadas, apesar do discurso retórico que era feito, "como cidadãs de segunda classe, sendo mais valorizada a sua disponibilidade sexual do que o seu cérebro" (Bullough, 1994, p.242). Muitas das mulheres mais radicais começaram a abandonar as organizações mistas dedicando-se a um movimento de libertação das mulheres estruturado autonomamente, dando origem ao nascimento da segunda vaga do feminismo que começou formalmente com a fundação da Organização Nacional de Mulheres (National Organization for Women - NOW), nos Estados Unidos da América, em 1966. Uma das preocupações fulcrais do movimento feminista foi denunciar as instituições tradicionais como o casamento, a família e a maternidade como instituições que pretendem manter a opressão da mulher. Assim, a resposta feminista foi politizar a sexualidade, isto é exigir legislação como acção correctiva, uma resposta que os homossexuais rapidamente adoptaram.

Se é verdade que as questões sexuais tinham sempre sido políticas, a diferença fundamental é que, agora, eram os próprios grupos estigmatizados que, uma vez organizados, exigiam mudança voltando-se para a política. O primeiro passo, considerado como uma necessidade, foi publicitar os problemas de forma a consciencializar as mulheres sobre a existência de desigualdades básicas. Se as feministas, durante os anos 60, haviam começado a questionar o essencialismo relativamente ao sexo, e portanto a assunção de que a estruturação social e sexual entre homens e mulheres era natural, normativa e inevitável, o movimento de libertação

gayUB paralelamente, colocaria em questão o conceito de normalidade heterossexual

118 A utilização do termo gay faz parte da estratégia de construção de um discurso próprio, tornando-se um

símbolo representativo da nova posição assumida por homens e mulheres. Segundo Weeks (1990), foi utilizado pelos homossexuais nos EUA pelo menos desde 1950, mas no Reino Unido teve inicialmente uma conotação social atribuída à classe alta por ser utilizado como referência àqueles que frequentavam clubes privados.

Relativamente às origens desta expressão, Boswell no seu livro Chistianity Social Tolerance and

Homosexuality (1980) escreve que " a palavra provençal «gai» foi usada no séc. XIII e XIV, referindo-se ao

amor cortês e à sua literatura e persiste em catalão como uma designação para a «arte da poesia ("gai saber"), para um amante "lovae ("gaiol") e para uma pessoa homossexual que revela claramente a sua homossexualidade. O culto do amor cortês foi mais popular no sul do que é hoje França, uma zona

ao rejeitar o conceito de homossexualidade como desvio e reivindicaria uma identidade sexual positiva para os homossexuais.

Se o feminismo emprestou a leitura da desconstrução do essencialismo do sexo para a desconstrução do essencialismo da orientação, as políticas gay ajudaram a estimular discussões sobre sexualidade no seio do Movimento de Libertação das Mulheres que acrescentou, na sua agenda, em 1974, a 6a reivindicação, defendendo para as mulheres o direito de definirem a sua própria sexualidade e proclamando o fim da discriminação das lésbicas (Lown, 1995), interinfluenciando-se, assim, este dois movimentos.

O grande impacto social e político do, denominado, movimento gay teve a sua origem nos EUA, sendo comummente apresentado como marco simbólico do seu início os incidentes de Stonewall, em 1969119. Embora já existissem desde o final dos anos 40 e início dos anos 50 organizações homofílicas, no início dos anos 70 emergiram diferentes grupos de defesa de direitos de homossexuais e constituiu-se a Frente de Libertação Gay, "uma organização radical que quis marcar uma oposição à ordem social manifesta", demarcando-se do posicionamento dos grupos anteriores considerados acomodados à "sociedade sexista". Para além da defesa de aspectos sociais, os activistas desta organização preocuparam-se também com o bem estar pessoal, valorizando a "acção" e a rebelião como estratégias para combater a vergonha, a dúvida e a culpa até então socialmente impostas aos homossexuais (Bayer, 1987).

Estes novos militantes, mais politizados e mais centrados na preocupação com os direitos cívicos procuravam o tipo de reconhecimento governamental e igualdade de direitos conquistados por outros grupos minoritários. Ao mesmo tempo, devido a um maior radicalismo de atitudes, eram vistos com algum receio pelas instituições homofílicas existentes.120

conhecida pela sexualidade gay, onde alguns poetas trovadores eram explicitamente homossexuais. Tanto os poetas trovadores como o amor cortês estavam claramente associados aos movimentos de hereges do sul de França, especialmente os Albigenses que eram suspeitos de favorecerem a homossexualidade. No início do séc XX «gay» passou a ser comum na subcultura homossexual inglesa como um tipo de senha ou código. O seu uso público inicial, nos EUA, fora da ficção pornográfica, apareceu em 1939 no filme «Bringing up baby», quando Cary Grant, vestindo um vestido, exclamou «I have gone gay».

119 No entanto, a agenda política gay norte-americana alcançaria uma centralidade em termos mundiais

com uma concomitante globalização (Gameiro, 1998) .

120 O posicionamento desta nova geração política de homossexuais mereceu um comentário publicado em

Agosto de 1970, no jornal Advocate (um dos mais antigos e mais divulgados jornais para homossexuais, publicado nos EUA), após a North American Conference ofHomophile Organizations:

No sentido de articular esforços para a obtenção de direitos cívicos e sociais, houve uma preocupação em criar uma base política para defesa dos interesses comuns dos direitos gay, criando-se a Aliança Activista Gay. A agenda desta Aliança era, por um lado, exigir a anulação das leis da sodomia e, por outro, criar uma estrutura legislativa que protegesse os homossexuais da discriminação121. Assiste-se a uma política de protesto em massa, organizando-se as marchas de orgulho gaye, complementarmente, manifestações dirigidas a todas as instituições que manifestassem um padrão de discriminação contra os homossexuais, em particular a Igreja Católica, os meios de comunicação social e a psiquiatria. Esta organização tentou eliminar a literatura académica anti-homossexual, substituindo os textos homofóbicos por outros considerados favoráveis aos movimentos de libertação gay. À semelhança do padrão das confrontações políticas que haviam sido o instrumento de luta dos grupos estudantis anti-guerra, estes activistas controlaram actividades consideradas inaceitáveis, interrompendo-as e denunciando-as, sendo delas exemplo alguns programas de televisão e conferências médicas, como foi o caso do encontro da APA em S. Francisco, acontecimento que adiante se desenvolverá (Bayer, 1987).

Esta postura de revolta e o uso de uma linguagem que se adequasse a uma nova forma de estar, negando a vergonha e assumindo o orgulho122 - patente em slogans e expressões" como "gay is good"123, "gay pride" etc. - são vistas por Bourdieu (1998) como um movimento contra uma forma particular e odiosa de violência simbólica. Para Bourdieu, falar de dominação ou de violência simbólica é dizer que o dominado tende a ter sobre ele mesmo o ponto de vista do dominante, que aplica e aceita as categorias de percepção dadas, podendo assim ser conduzido a viver em vergonha a sua

Observamos com fascínio todas as actividades dos militantes gays mais subversivos. Tentamos, em vao, detectar alguma fundamentação nas suas táticas e na sua filosofia...mas vai-se tornando cada vez mais claro que os então designados militantes gays são menos pró-gay do que anti-capitalistas, anti-sociedade e anti- instituições. Voltam-se em todas as direcções, destroem tudo à sua volta - o que é e o que não é gay ( m Bayer, 1987, p.95). ,.. _ ,

121 A Aliança assumia que "na ausência de evidência válida em contrário, a homossexualidade nao e uma

doença, um distúrbio ou qualquer outro tipo de patologia, mas apenas uma preferência, orientação ou propensão paralela à heterossexualidade" (Bayer, 1987, p.93)

Kl2 A este propósito em 1999, Gonçalo Dinis, então presidente da ILGA Portugal, quando entrevistado pela

jornalista Fernanda Câncio (1999), responde à interrogação sobre a questão do orgulho gay da seguinte forma: "orgulho de não termos de nos esconder. Não é particularmente o orgulho de teir uma determinada orientação sexual tem a ver com a auto-estima, tem a ver com as pessoas gostarem de ser o que sao Maria Andrade responsável pela revista Lilás, acrescenta: "orgulho de termos sobrevivido(...) orgulho de sermos o que somos apesar de todos os esforços que vêm de vários quadrantes para nos sentirmos

envergonhados ". , A _ . ,

1230 slogan "gay is good", que havia sido lançado em 1968, por ocasião da North American Conference of

Homophile Organizations", foi da autoria de Frank Kameni e foi desenvolvido por paralelismo com o slogan utilizado pelo movimento anti-racista "black is beautiful".

existência e, em particular, a experiência sexual, tal como é caracterizada pelas categorias dominantes124.

Uma outra questão levantada por Bourdieu, relevante para o presente trabalho, é que a dominação, neste caso, como noutras situações de racismo social, toma a forma de uma negação de existência pública e visível. A opressão como "invisibilização" traduz- se por uma recusa de existência legítima, pública, conhecida e reconhecida pelo direito e por uma estigmatização que não aparece nunca claramente, senão quando o movimento reclama a sua visibilidade. A proposta de discrição que é socialmente feita é uma proposta de dupla vida, o que leva Bourdieu a interrogar a paz que poderá sentir alguém que vive constantemente em perigo de ser desmascarado, ostracizado ou agredido. Define então discrição por: isolamento, mentira ( por acção ou omissão) e medo na solidão e na fuga de si.

Esta abertura só se tornou possível com a emergência de um projecto reflexivo125 e o declínio da autoridade dos profissionais de saúde mental face à homossexualidade - em termos práticos, este projecto será reforçado pela eliminação da homossexualidade da lista de doenças mentais (DSM) da American Psychiatrie Association. Essa eliminação, se resulta da crescente força dos movimentos de defesa dos direitos de

gays e lésbicas, promove também esses movimentos que reivindicam para si a

construção do discurso social sobre a homossexualidade, recusando continuarem a aceitar reconhecerem-se naquilo que a psiquiatria desejava fazer deles.

124 A este propósito refira-se a incompreensão, manifestada num dos grupos de discussão, por um dos

clínicos, relativamente à enunciação de orgulho pelo estilo de vida homossexual, e que denuncia o desconhecimento deste mecanismo simbólico:

ossisti (...) nos EUA (...) la na Universidade a um [seminário] sobre homossexualidade que chegou ao cúmulo da quase defesa da homossexualidade. Achei um pouco descabido chegar ao cúmulo de defender, por exemplo que os heterossexuais, nós, ou as pessoas que eram heterossexuais, nao deviam defender a heterossexualidade (...) porque poderia ferir o homossexual (...) e isso era criticado. N3o era criticar a homossexualidade, era [n3o] defender a heterossexualidade, o que era um bocado paradoxal porque eles estavam exactamente a defender a homossexualidade!!!" (601.2.8) (Itálico meu)

125 Projecto reflexivo no sentido aplicado por Giddens (1995) a uma situação "em que um fenómeno social

pode ser apropriado e transformado, através do comprometimento colectivo"(p.9). No caso concreto da homossexualidade, houve por parte das comunidades homossexuais, tanto nos Estados Unidos como na Europa a preocupação de a reconceptualizar, transformando a imagem pública. Giddens chama a atenção para o colorido do termo gay, que, para além de "abertura e legitimidade", traz consigo uma référença cada vez mais espalhada à sexualidade como uma qualidade ou propriedade do self (p.9).

126 "We're rejecting you as our owners. We possess ourselves and we speak for ourselves and we will take

care of our own destinies" proclamava Frank Kameni em 1971(citado por Bayer, 1987, p. 106). Numa perspectiva mais radical, Szasz, numa entrevista a um dos mais importantes jornais da comunidade gay americana, The Advocate, considera que não deveria sequer ser festejada a retirada da homossexualidade da lista da Associação Psiquiátrica :

Celebrating the APA's abbolition of homosexuality as a psychiatnc diagnosis tacitly acknowledges that they have the knowledge and the right to decide what is and what is not a mental illness. I think the homosexual

Num clima social carregado de insatisfação radical, e com movimentos reformistas que desafiavam o estatuto social e cultural, foi possível os activistas gay aliarem-se a figuras políticas liberais, organizações religiosas e líderes cívicos por forma a pressionar organizações médicas, o Estado e os governos a adoptarem novas políticas sociais127. Estes movimentos utilizaram a persistência para levar a American Psychiatric Association e os grupos religiosos e profissionais a confrontarem-se com os seus

preconceitos anti-homossexuais. Saliente-se que muitas das barreiras a uma completa integração dos homossexuais se deviam ao facto de se considerar sofrerem de uma doença psiquiátrica, o que os tornava incapazes de assumirem determinadas responsabilidades. Neste sentido, uma revisão da posição da American Psychiatrie

Association seria um forte argumento para a mudança por parte de outras instituições

oficiais. Foi neste contexto difícil e, frequentemente, de luta frustada contra a negação sistemática da igualdade social que se travou a batalha da eliminação da homossexualidade do DSM II, acção com um profundo significado para a comunidade

gay™

Este processo de confronto de ideias e de valores, iniciado pelos movimentos activistas, permitiu que os psiquiatras que concordavam com a revisão da discriminação se revelassem e facilitou, ainda, que psiquiatras gay revelassem a sua identidade, o que veio dar força aos movimentos no interior da Associação de Psiquiatria129. Marmor, um

community is making a big mistake by hailing the APA's new stance as a real forward step in civil liberties. Its nothing of the sort. It's just another case of cooptation (citado por Bayer, 1987, p.60).

127 De tal forma que, como se podia ironicamente ler num jornal de Filadélfia, "20 milhões de homossexuais

tiveram uma cura instantânea" (LeVay, 1996).

128 A primeira lista de doenças mentais publicada nos Estados Unidos da América (pela Association of

Medical Superintendents) data de 1871 e não integrou a homossexualidade como doença (Silverstein, 1991) As classificações subsequentes continham uma categoria indiferenciada denominada personalidade psicopática (perversão sexual). O DSM foi publicado pela American Psychiatrie Association, pela primeira vez em 1952 numa tentativa de unificar as classificações de diagnóstico existentes nos Estados Unidos para fins estatísticos. Existiam a uso pelo menos três nomenclaturas psiquiátricas diferentes (Krajeski, 1996 p20) Em 1952 a primeira edição do DSM apresentava uma entrada indiferenciada sob a desiqnaçâo geral de "desvios sexuais"(52.2). Apenas em 1968, na 2a edição se podem encontrar

categorias diferenciadas: homossexualidade (302) fetichismo (302.1) pedofilia (302.2), travestismo (302.3) como subcategorias. A inclusão das parafilias só foi feita no DSM III (1980) (Suppe, 1987, p.24)^

129 Bayer (1987) refere que, quando Irving Bieber perguntou a Robert Spitzer (então do conselho de revisão

da American Psychiatric Association) se também se deveria retirar o fetichismo e o voyeunsmo da nomenclatura psiquiátrica, Spitzer respondeu que não tinha pensado o suficiente nessas questões e que isso talvez se devesse ao facto de os voyeristas e os fetichistas não se terem ainda organizado e pressionado as instituições. Um momento chave do processo desencadeado pelos movimentos de homossexuais foi a participação de grupos gay, apoiados por feministas, no congresso anual da Amencan

Psychiatric Association, em 1970, em São Francisco. Estes grupos integraram pela primeira vez,

abertamente o congresso e insultaram publicamente Irving Bieber e outros conferencistas que defendiam o uso de técnicas aversivas no "tratamento" de desvios sexuais. A agitação que então se desencadeou levou a que a polícia fosse chamada, para evitar maiores conflitos. Estava aberta uma polémica que nao terminaria até à abolição da homossexualidade do DSM. Uma das tentativas, por parte da Amencan

Psychiatrie Association, de prevenir que esta situação se repetisse no congresso realizado no ano seguinte,

foi integrar um painel sobre homossexualidade, organizado por activistas gay, proposta que nao foi pacífica, tendo encontrado veementes opositores e originado múltiplas reuniões entre elementos da

dos primeiros psiquiatras a ser convidado pelos activistas para fazer parte do painel sobre homossexualidade para o congresso de 1972, defenderia que as questões fundamentais levantadas pelo estatuto nosológico da homossexualidade não são de origem médica nem de origem semântica, mas sim de origem moral■ 130 1

Os argumentos mais comuns utilizados pelos psiquiatras que apoiavam a eliminação da homossexualidade como entidade nosológica eram: a falta de evidência científica para o entendimento da homossexualidade como uma perturbação desenvolvimental apoiada pelos trabalhos empíricos - cujas amostras não clínicas concluíam que não havia diferenças no funcionamento psicológico entre homossexuais e heterossexuais13 (os trabalhos de Hooker, de 1957 e de Bell e Weinberg, de 1978, eram muitas vezes citados como exemplos); e a catalogação da homossexualidade como uma entidade psiquiátrica, o que tinha implicações sociais graves ao nível da discriminação e da violação dos direitos humanos, podendo ser responsável por graves perturbações individuais. Entendendo que considerar a homossexualidade como uma patologia era um posicionamento moral com linguagem de ciência, estes psiquiatras defenderiam, assim, que a homossexualidade deveria passar a ser vista como uma variante comum e normal do comportamento, tal como o haviam já demonstrado os dados de Kinsey. O movimento de oposição, liderado por Irving Bieber e Charles Socarides, organizou uma comissão contra a eliminação da homossexualidade do DSM, defendendo que a homossexualidade exclusiva era uma forma de desenvolvimento psicossexual perturbado, resultante de experiências precoces na infância e tratável através de intervenção psicoterapêutica, razão pela qual não podia ser considerada normal. Esse movimento considerava ainda que a homossexualidade reflectia uma perturbação na relação normal entre anatomia e identidade psicossexual e defendia que a revisão da nomenclatura não servia nem os objectivos da liberdade individual, nem os melhores interesses da sociedade (Bayer, 1987).

Robert Spitzer, o médico mais envolvido da comissão constituída para a revisão da nomenclatura, utilizou como estratégia o desenvolvimento de uma definição de doença psiquiátrica que excluísse a homossexualidade. Apenas os comportamentos claramente

130 Refira-se que naquela altura Marmor havia já editado em 1965 Sexual Inversion, em cuja introdução

afirmava que a sexualidade era produto da aprendizagem e portanto o resultado de influências socioculturais no desenvolvimento da criança.

131 Estes psiquiatras argumentavam que os estudos que utilizavam amostras clinicas criavam uma

perspectiva distorcida da realidade, pois fragilidades apresentavam todos aqueles que procuravam apoio em saúde mental, independentemente da orientação sexual.

definidos como doença mental deveriam ser incluídos e não todas as formas de