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Capítulo II. Obstruções Congénitas de Saída Ventricular em Canídeos

2. Obstruções Congénitas de Saída Ventricular Direita

2.8 Terapêutica Cirúrgica

A terapêutica cirúrgica é sem dúvida uma forma eficaz e permanente de aliviar ou reduzir uma obstrução ventricular direita. O objectivo de uma intervenção consiste na redução do gradiente de pressão para valores correspondentes a estenoses ligeiras ou moderadas, ou seja, entre 20 e 80mmHg, providenciando assim alívio dos sintomas clínicos (Oyama et al., 2005; Thomas, 1995). A generalidade dos autores é consensual no que diz respeito à selecção dos animais para intervenção cirúrgica, recomendando que esta se efectue naqueles cujos gradientes de pressão sejam superiores a 80mmHg (Fossum, 2007, Kittleson & Kienle, 1998b; Krahwinkel & Sackman, 1998; Oyama et al., 2005), visto que os animais com gradientes inferiores são geralmente assintomáticos durante longos períodos. Sempre que possível, ou seja, desde que a progressão da doença não implique o desenvolvimento de hipertrofia ventricular ou infundibular severas e lesões fibróticas do miocárdio, uma intervenção cirúrgica deverá ser adiada até o animal atingir a maturidade, de modo ao posterior desenvolvimento do coração não comprometer os resultados da correcção cirúrgica (Krahwinkel & Sackman, 1998).

Actualmente inúmeros procedimentos cirúrgicos de complexidade variável estão descritos. Cada uma das técnicas requer acesso por toracotomia, conhecimentos profundos acerca da anatomia cardíaca e todas implicam um risco cirúrgico significativo. Devido à natureza variável da anatomia da lesão obstrutiva, a classificação do tipo de estenose é de extrema importância para a escolha do procedimento mais apropriado (Kittleson & Kienle, 1998b). Na valvulotomia por acesso transventricular de Brock, um rongeur infundibular é avançado pelo tracto de saída ventricular através de uma incisão no ventrículo direito, o que permite a raspagem, o corte e a remoção do tecido estenótico (Kittleson & Kienle, 1998b). Variações a esta técnica incluem a utilização de oto-fórceps para dilatar a valva estenosada (Saida, Tanaka, Hayama, Soda, & Yamane, 2007) ou até mesmo de um bisturi (Kittleson & Kienle, 1998). Esta técnica é útil em animais de raças pequenas em que uma valvuloplastia de balão, uma oclusão do retorno venoso ou um bypass cardiopulmonar estejam contra- indicados, assim como nos casos de estenose pulmonar valvular com fusão dos folhetos e lesões fibrosas ou fibromusculares subvalvulares (Kittleson & Kienle, 1998b; Krahwinkel & Sackman, 1998; Saida et al., 2007). As principais vantagens consistem na sua relativa facilidade de execução e na pouca exigência de recursos técnicos. No entanto, não permite observar directamente a lesão e é muito arriscada quando executada por cirurgiões

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inexperientes, estando descritos casos de ruptura cardíaca severa (Kittleson & Kienle, 1998b).

A realização de uma arteriotomia pulmonar implica oclusão do aporte sanguíneo ao coração direito, exceptuando o retorno venoso coronário. É feita uma incisão a nível da saída do tronco pulmonar, que permite a visualização directa da valva, a sua reparação ou a remoção do tecido obstrutivo subvalvular ou supravalvular, no entanto não é eficaz nos casos de compromisso infundibular óbvio (Krahwinkel & Sackman, 1998). Esta visualização do aparelho valvular é a principal vantagem na realização de uma arteriotomia, no entanto este procedimento é de execução difícil, arriscada e obrigatoriamente rápida, não devendo exceder quatro minutos de oclusão de fluxo, tempo esse que pode ser ligeiramente aumentado pela indução de hipotermia corporal (Kittleson & Kienle, 1998b).

A aplicação de condutos extracardíacos é uma forma relativamente simples de aliviar qualquer obstrução de saída ventricular (Kittleson & Kienle, 1998b), não necessitando de circulação extracorporal nem de indução de hipotermia. Neste procedimento, sob oclusão venosa apenas parcial, um conduto sintético de polietileno tereftalato é suturado topo-a-lado a montante e a jusante da obstrução, permitindo que o fluxo de saída ventricular se efectue através dele e contornando a lesão obstrutiva (Krahwinkel & Sackman, 1998). A aplicação de condutos extracardíacos é particularmente útil nos casos de estenose pulmonar supravalvular, hipertrofia ventricular direita severa e principalmente como única alternativa em animais com artéria coronária única tipo R2A (Buchanan, 1990; Ford et al., 1978; Krahwinkel & Sackman, 1998; Whiting, Breznock, Pendray & Strack, 1984). O colapso do conduto, que constitui uma das complicações mais frequentes, pode ser actualmente impedido pela aplicação de condutos com suportes metálicos, estando também disponíveis condutos munidos de próteses valvulares. A aplicação desta técnica em Medicina Veterinária tem apesar disso sido limitada pelos custos financeiros e pelo risco de lesões tromboembólicas (Kittleson & Kienle, 1998b).

A técnica de Patch Graft foi desenvolvida por Bresnock e Wood em 1976 e posteriormente modificada por outros autores (Kittleson & Kienle, 1998b). O procedimento pode ser efectuado com (Patch Graft Aberta) ou sem (Patch Graft Fechada) arteriotomia pulmonar e utiliza um enxerto de pericárdio ou uma prótese sintética de polietileno tereftalato para fechar a zona de ventriculotomia. A protése sintética parece ter a vantagem de permitir o crescimento de tecido conjuntivo sobre si (Sales Luis, 1994). A técnica fechada constitui uma alternativa à técnica aberta, que requer equipamentos anestésicos e de ressuscitação cardiopulmonar sofisticados (Staudte, Gibson, Read & Edwards, 2004). Este procedimento cirúrgico está indicado nos animais jovens, fisicamente imaturos, com estenose infundibular, naqueles em que a valvuloplastia de balão não foi bem sucedida (Staudte et al., 2004), nos casos de hipoplasia anular explícita (Kittleson & Kienle, 1998) e ainda na correcção de

ventrículo direito de dupla câmara (Martin et al., 2002). Está obviamente contra-indicada nos animais com artéria coronária única tipo R2A (Staudte et al., 2004).

Na técnica fechada, um fio de arame polifilamentoso é inserido com a ajuda de uma agulha romba através da parede ventricular direita, atravessando o infundíbulo, a valva pulmonar e saindo a nível do tronco pulmonar (Staudte et al., 2004). Uma modificação desta técnica, sugerida por Shores e Weirich, consiste no uso de um catéter para passagem do fio de arame (Staudte et al., 2004). O enxerto de pericárdio ou a prótese sintética é parcialmente suturado a proteger o fio de arame e de seguida executam-se movimentos de corte com este fio, incidindo completamente o tronco pulmonar, o aparelho valvular e zona infundibular (Kittleson & Kienle, 1998b). O fio é então removido e a sutura finalizada. Nesta técnica fechada a obstrução física é aliviada parcialmente, pois o tecido displásico não é passível de ser totalmente removido através desta forma. Assim sendo, apesar de se conseguirem diminuições do gradiente de pressão na ordem dos 50%, nos casos com folhetos muito espessados ou hipoplasia anular severa pode existir tecido valvular remanescente, transecção incompleta da área estenosada ou uma hipertrofia infundibular ainda significativa (Staudte et al., 2004). Um estudo de Staudte et al. (2004) avaliou os resultados da técnica de Patch Graft fechada num grupo de 9 cães com estenose pulmonar valvular severa, com gradientes de pressão entre os 77 e os 223 mmHg. A diminuição pós-operatória do gradiente de pressão variou entre 50 e 81%, alcançando-se valores inferiores a 50mmHg em metade dos animais sobreviventes e uma melhoria clínica significativa em 89% dos animais. No entanto, com base nestes e noutros dados publicados, esta técnica apresenta um risco entre 11 e 33% de morte peri-operatória e em 67% das intervenções os animais necessitam de receber transfusões sanguíneas devido a hemorragias profusas (Ewey, Pion & Hird, 1992). A técnica aberta é efectuada sob oclusão de fluxo venoso e hipotermia corporal ou sob circulação extracorporal (Fossum, 2007; Martin et al., 2002). Neste procedimento é efectuada uma incisão parcial sob o tracto de saída ventricular, geralmente guiada por angiografia, e a prótese sintética parcialmente suturada às margens da incisão, deixando uma zona livre a nível do tronco pulmonar. Nesta altura é induzida a oclusão de fluxo e efectua-se a arteriotomia, que se prolonga até à incisão ventricular e a aprofunda. A valva pulmonar pode deste modo ser visualizada e assim reparada ou removida. A prótese é de seguida suturada ao tronco pulmonar, completando o enxerto. Esta técnica apresenta a vantagem de possibilitar a excisão do tecido displásico e reduzir o gradiente de pressão até valores inferiores a 10%, o que resulta numa melhoria a longo prazo do prognóstico (Staudte et al., 2004). A principal preocupação neste procedimento reside na gravidade de possíveis erros cirúrgicos. Mesmo quando efectuada por cirurgiões experientes, a taxa de mortalidade peri-operatória é de cerca de 15 a 20%, sendo que a complicação mais frequente reside na incapacidade de ressuscitar o coração após o alívio da oclusão de fluxo (Fossum, 2007). Esta variação da Patch Graft foi também aplicada com sucesso em cães com ventrículo

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direito de dupla câmara, com apenas uma morte peri-operatória num grupo de 7 animais e uma redução média do gradiente de pressão de 71% (Martin et al., 2002). Quer na técnica aberta quer na fechada, e à semelhança de outros procedimentos, a hipertrofia ventricular tem tendência a diminuir após a intervenção, diminuindo ainda mais a obstrução de fluxo no período após a intervenção (Staudte et al., 2004). Contudo, um aumento do gradiente de pressão pode ser observado esporadicamente e parece dever-se à formação excessiva de tecido fibroso, a um tamanho inadequado do enxerto, a um desenvolvimento anormal das câmaras cardíacas em animais imaturos ou a um aumento do trabalho cardíaco por ganho de peso marcado (Staudte et al., 2004). É preciso ainda considerar que a técnica de Patch Graft implica a abertura do ânulo valvular, originando consequentemente uma insuficiência valvular cujas consequências serão mínimas desde que a valva tricúspide esteja competente e não exista hipertensão pulmonar (Fossum, 2007).

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