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Anos 70 até à criação da ANEFA

2.4 Terapeuta, Animadora, Formadora,

Em 2003, colaborava com a Associação Arisco, uma Instituição Particular de Solidariedade Social, que se dedica à prevenção da área da toxicodependência. Esta associação era detentora de um Centro de Dia para toxicodependentes em recuperação em Mira Sintra. A minha função nesse Centro era de Técnica de Reabilitação Social. Cabia-me desenvolver, para além dos atendimentos individuais aos utentes e suas famílias, a

utentes a frequentar processo RVCC, sendo ainda animadora do Clube de Emprego (IEFP Sintra).

A promoção de competências sociais e intelectuais era feita em pequeno grupo. Os objectivos eram desenvolver nos utentes melhores estratégias de relação interpessoal, de resolução de problemas, visando uma melhor reintegração social. Como material de apoio nestas sessões usava o manual “Psicologia das relações interpessoais” de Maria Odete Fachada. O mesmo estava dividido em fichas que tinham objectivos específicos. A implementação das actividades procurava desenvolver interactividade entre os participantes e no final havia sempre lugar a uma discussão sobre os temas apresentados.

É óbvio que o sucesso desta metodologia, que almejava uma reestruturação cognitiva, a incorporação de novos comportamentos sociais (desejáveis), através do questionamento e reflexão, dependia de factores inerentes aos utentes, nomeadamente da sua capacidade de se colocar no lugar do outro, de empatia, de ser capaz de gerar várias alternativas e sobretudo de aceitar que possam existir formas de actuar diferentes das suas.

Gostava de realizar estas actividades, contudo por vezes sentia-me como um agente de “moralização” por estar a dizer o que era certo e o que era errado. A tónica dominante era promover o estilo assertivo nas relações. Por vezes sentia: “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, até porque tinha a noção de que não era sempre assertiva e que existiam situações de relacionamento interpessoal que poderia lidar de melhor forma. É quase como se para ser a terapeuta tivesse de mobilizar um “alter-ego”, uma figura idealizada, que serviria como modelo para aquela população. O terapeuta devia fazer tudo “certo”.

Como Animadora do Clube de Emprego ajudava os utentes a elaborar o currículo, na resposta a anúncios de jornal e preparava-os para as entrevistas de emprego. A preparação para entrevistas consistia na realização de role-plays, em que fazia de entrevistador e os utentes tinham de responder às questões colocadas. Estas “simulações” eram realizadas em contexto de grupo e no final era discutida a “performance” de cada utente.

Considero que da minha parte também ocorreu uma evolução nas estratégias que utilizava. No início tinha um grau de exigência algo elevado, considerava que os utentes deveriam ter um nível de prestação na entrevista próximo de standards de adultos “muito escolarizados”, candidatos a funções mais diferenciadas (inconscientemente acho que queria que eles integrassem as minhas características pessoais).

Progressivamente, comecei a baixar a fasquia, a aceitar que os utentes tinham as suas limitações (resultantes de terem estado a maior parte dos anos da sua vida activa desempregados, de não terem experiência de estar em situações semelhantes, de uma baixa auto-estima e de algumas dificuldades na oralidade). Portanto, deixei de ser tão exigente e comecei a solicitar a opinião dos outros utentes que assistiam ao role-play. Por um lado, julgo que não se sentiam tão “criticados” se fosse um colega seu a apontar os aspectos menos positivos e por outro o nível de excelência considerado era menor. Penso que, em última análise acabei por me tornar um “facilitador do ciclo de aprendizagem” dos adultos, em que a reflexão tinha um papel preponderante.

De Maio de 2003 a Maio de 2004, a Associação Arisco, em parceria com o Centro de Emprego de Sintra, levou a cabo a acção de formação: Escola-Oficina “Métodos e Técnicas

do Centro de Dia que na totalidade eram desempregados de longa duração. Durante cerca de um ano os formandos alternavam a prática em Oficina com alguns módulos de cariz mais teórico.

“O Programa Escolas-Oficinas surge como uma resposta privilegiada no quadro do Mercado

Social de Emprego, possibilitando, simultaneamente, dotar os desempregados e jovens à procura do primeiro emprego de qualificações profissionais para o exercício de uma profissão e, por outro, (re) valorizar as actividades ligadas ao meio ambiente e aos ofícios tradicionais.

Criado ao abrigo da Portaria nº 414/96, de 24 de Agosto, veio proporcionar qualificações profissionais adequadas ao exercício de uma actividade, em áreas ligadas às artes e ofícios tradicionais, ambiente e património natural e urbanístico.

É um programa de formação/emprego que tem como destinatários os desempregados de longa duração e os jovens à procura do 1º emprego (16-30 anos), grupos sociais particularmente sensíveis às questões do desemprego, pobreza e exclusão social.” (IEFP, Dezembro de 1999).

Este programa “Escolas-Oficina” esteve em vigor de 1996 a 2005. Contrariamente à tendência actual dos cursos de Educação e Formação de Adultos, não conferia qualificação a nível escolar, nem tão pouco exigia escolaridade de entrada. Todos os formandos recebiam uma bolsa no valor do ordenado mínimo, subsídio de refeição, subsídio de transporte e de acolhimento, caso tivessem filhos em idade pré-escolar.

Penso que este tipo de formação de adultos inscreve-se naquilo que o autor Matthias Finger considera como possíveis cenários futuros da Educação e Formação, “no cenário do grupo de risco”- Apesar de historicamente a educação de adultos ter querido associar-se à mudança social, estamos a vê-la cada vez mais como uma actividade de reparação:

desempregados, drogados…vão ser educados ou reeducados para conseguirem recuperar e integrar ou reintegrar a sociedade (Finger, 2008).

Durante esta acção tive a oportunidade de exercer formalmente a função de Formadora. Fui incumbida de leccionar alguns módulos, entre os quais "Psicologia do Desenvolvimento Infantil", com a duração de 25 horas.

Na altura confesso que a minha reacção inicial não foi muito entusiasta…A única referência que tinha de Psicologia do Desenvolvimento era das disciplinas da Faculdade; sendo que Psicologia do Desenvolvimento I e II, eram consideradas “cadeirões” do curso de Psicologia. Não tendo experiência de trabalho na área, a única estratégia que me ocorreu foi ir estudar alguns conteúdos, essencialmente da teoria de Jean Piaget (uma vez que o construtivismo piagetiano era o paradigma mais estudado nos programas académicos). Em suma, estudei conteúdos teóricos para depois os reproduzir. A lógica subjacente ao módulo é que os formandos tinham de ter algumas noções de desenvolvimento infantil de forma a poderem determinar quais os brinquedos mais adequados a cada idade e o porquê.

Avaliando esta experiência considero que foi uma situação um pouco estranha…julgo que os formandos consideraram o módulo um pouco “maçudo”, a avaliar pela sua reacção nas sessões. A meu ver o tema era completamente desinserido de todas as suas experiências e duvido que tenham visto alguma pertinência no mesmo.

Se tivesse leccionado este módulo hoje a minha postura teria sido completamente diferente, não me teria centrado em aspectos teóricos, teria partido da sua experiência prática para progressivamente introduzir conceitos teóricos. Em suma, fazendo um balanço

Contudo, posso salientar que o balanço da acção de formação foi positivo. Dos 15 utentes que iniciaram, 10 concluíram, sendo que 4 deles conseguiram arranjar emprego, ainda que não relacionado com o âmbito da formação. Não consigo avaliar o que cada um deles retirou desta acção de formação, mas certamente não foram conhecimentos do domínio do saber e “saber-fazer” os mais importantes. Neste contexto, e com este tipo de população, o que estava em jogo era essencialmente o domínio do “saber-ser”: saber estar em grupo, acatar regras, cumprir horários, ser assíduo, planear acções futuras.

Ou seja, em última instância visava-se uma integração sócio-profissional dos adultos. A própria natureza do curso, área do artesanato, não se coaduna com a oferta profissional. Contudo, as implicações destas acções são normalmente sempre muito importantes para as pessoas abrangidas, não só por permitirem uma melhoria na sua qualidade de vida, na medida em que recebiam uma bolsa de formação, mas por serem nalguns casos uma via para despertar o interesse e o conhecimento das capacidades pessoais por vezes desacreditadas. Isto, leva ao aumento da auto-estima das pessoas, o que é positivo relativamente à sua postura e iniciativa face ao mercado de trabalho.

Foi no Centro de Dia que tomei, pela primeira vez, contacto com o processo de RVCC. Existiam utentes que estavam a frequentar o CRVCC da Escola de Bombeiros de Sintra. A minha ajuda consistia em dar explicações de Matemática. O referido CNO disponibilizava uns apontamentos com exercícios, os quais os utentes deveriam saber resolver de forma a serem “aprovados” na disciplina. Na altura não tinha conhecimentos do sistema de reconhecimento de adquiridos e encarava o meu papel como sendo “Explicadora”, dando apoio a um sistema (pensava eu) escolar.