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4. ALGUNS LUGARES DOS ANIMAIS: DOS CERCADOS AOS

4.4 O L UGAR DOS A NIMAIS NOS C ONSULTÓRIOS P SICOLÓGICOS

4.4.1 A Terapia Mediada por Animais

Neste capítulo veremos como Levinson, Bergler, e o casal Corson discutem o lugar em que algumas espécies – sobretudo a canina – foram colocadas: a de co-terapeutas.

No século XVIII uma clínica usava coelhos e aves como recursos terapêuticos para auxiliar os pacientes a desenvolver autocontrole e responsabilidade (BRICKET, em BERGLER, 1988, p. 38, tradução nossa). Esse não foi o único caso em que animais de estimação foram usados para desenvolver nos pacientes habilidades de comunicação bem como fortalecer o vínculo com a realidade. É necessário que pesquisas interdisciplinares ocorram para que possamos ter uma maior compreensão do potencial dos animais no processo terapêutico (BERGLER, 1988, p. 38, tradução nossa).

Segundo Bergler,

A maioria das publicações nesse campo continua a ignorar a relação psicológica cotidiana “normal entre humanos e cachorros (isto é, o que cães significam para as pessoas em geral e suas funções psicológicas para as pessoas no alicerce do cotidiano) a fim de focalizar estritamente os aspectos terapêuticos. Eles procedem tipicamente com o uso de cães na terapia para transtornos mentais, a velhice, crianças, pacientes com enfermidades cardiovasculares, e prisioneiros (1988, p. 38, tradução nossa).

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Desde o pioneirismo de Levinson até nossos dias, naturalmente surgiram várias denominações para a terapia que emprega animais como recursos psicoterapêuticos. Em Levinson (1969), encontramos pet-oriented

psychotherapy; em Bergler (1988), pet-facilitated psychotherapy. Sobre o termo mais adequado atualmente,

vejamos o que Fuchs (2002) comenta:

“Pet therapy realmente é denominação obsoleta para os americanos e usada incorretamente em português, uma tendência nossa a empregar termos não-brasileiros. O que lhe posso dizer é: Animal Assisted Therapy – nome oficial dado a interações ser humano-animal, onde objetivos terapêuticos específicos são claramente estabelecidos. Animal Assisted Activities – interações homem-animal de objetivos amplos, inespecíficos, geralmente de difícil quantificação”. Fuchs (2002) coloca que também se emprega o termo zooterapia, tido como “tratamento com a ajuda de um animal”. Em suas apresentações, Fuchs sugere o termo por ela cunhado

Terapia Mediada por Animais, definido como “a introdução de um animal de estimação no ambiente imediato de

um indivíduo ou grupo, tendo como finalidade eliciar interações físicas, psicossociais e emocionais terapêuticas” (FUCHS, 2002).

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Levinson sublinha que 33% das clínicas psicológicas do estado de Nova Iorque recorrem a animais de estimação como recursos terapêuticos, sendo os cães os preferidos (BERGLER, 1988, p. 38, tradução nossa).

Então podemos indagar o que os cães apresentam de diferencial em relação às outras espécies que os tornam os mais indicados como co-terapeutas. Nesse sentido, Corson & Corson definem as seguintes características específicas à espécie canina:

(...) com sua constante disposição para dar afeto e contato corporal o tempo todo e em todas situações, juntamente com aquela inocente, inocente confiança que os cães incansavelmente manifestam para com os humanos. Essa confiança por parte dos cães elicia uma resposta recíproca dos humanos, que são preparados para pôr sua confiança em um cão – e para sentir responsabilidade pelo animal (em BERGLER, 1988, p. 38-39, tradução nossa).

Quanto ao lugar da psicoterapia facilitada por animais33 no rol das psicoterapias, Corson et al.34 (em BERGLER, 1988, p. 39-40, tradução nossa)

(...) são cuidadosos em salientar que a “psicoterapia facilitada por animais domésticos” (...) é designada para suplementar, e não para tomar o lugar de outras formas de psicoterapia. É uma ferramenta para assistir ao processo terapêutico, e um importante ponto de apoio no processo de ressocialização.

Sobre o porquê dos ótimos resultados apresentados pela psicoterapia facilitada por animais domésticos, Corson et al afirmam que isso se deve

(...) pelo fato de que os pacientes freqüentemente recebem “amor” de um cão (ou na verdade de qualquer outro tipo de animal) mais prontamente e mais facilmente do que de outros humanos. Nessa “natural” associação com o cão os autores vêem uma explicação para o visível aumento do senso de responsabilidade no paciente, autoconfiança e amor próprio. A psicoterapia facilitada por animais domésticos é considerada uma forma de “condicionador da realidade”. Não é somente o amor próprio do paciente

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Na tradução fomos fiéis ao termo empregado pelo autor: pet-facilitated psychotherapy.

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Durante a década de 70, esses autores publicaram uma série completa de estudos sobre o uso de cães em psicoterapia em vários institutos psiquiátricos (em BERGLER, 1988, p. 39, tradução nossa).

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aumentado e estabilizado pela regular interação com o animal e suas reações, mas ele também se torna ciente das limitações de seu comportamento e modalidades de dependência mútua (em BERGLER, 1988, p. 40, tradução nossa).

Corson et al. empregaram a psicoterapia facilitada por animais domésticos essencialmente com pacientes que não tinham conseguido responder a todas as outras formas de terapia. Tais pacientes eram extremamente introvertidos, demasiadamente relutantes em estabelecer qualquer contato com outras pessoas; e em alguns casos eram quase mudos. Dos 50 pacientes submetidos a esse tratamento, somente 03 não conseguiram mostrar qualquer melhora – e nesses casos nenhuma melhora foi possível pelo motivo de eles recusarem aceitar o animal (em BERLGER, 1988, p. 41, tradução nossa). Os outros 47 gradativamente

(...) desenvolveram sentimentos de amor próprio, um desejo de independência e um sentimento de responsabilidade, e esses sentimentos foram fortalecidos na proporção direta ao grau de cuidado e responsabilidades assumidas pelo paciente quanto ao cuidado pelo seu cão (CORSON et al, em BERGLER, 1988, p. 41, tradução nossa).

A seguir temos três estudos de caso que proporcionam uma ilustração do progresso geral feito na terapia com os vários pacientes (CORSON et al, em BERGLER, 1988, p. 41, tradução nossa):

Estudo de caso 1: Randy

Randy tinha 13 anos de idade; depois de uma série de atos exibicionistas, foi recebido no hospital psiquiátrico. Seu comportamento durante a hospitalização era geralmente tímido e retraído, disperso com ocasionais cenas de “palhaçadas”. Enquanto estava submetido ao tratamento, Randy saiu do hospital em duas ocasiões e foi para as proximidades do campus universitário, onde se apresentava às estudantes. Supõe-se que a razão para esse comportamento seja a rejeição pelo terapeuta, que entrou no departamento para brincar com os pacientes. No entanto, Randy teve a impressão de o terapeuta estar tratando um outro paciente mais

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carinhosamente. Um segundo incidente ocorreu durante a mudança de turno dos terapeutas. Após esse incidente Randy foi proibido de sair do departamento desacompanhado.

Ao fim de seis meses no hospital, Randy teve pouco progresso. A terapia familiar também não obteve êxito. Um segundo terapeuta foi consultado, mas ele também não viu nenhuma perspectiva para um tratamento bem- sucedido. Randy se mostrava cooperativo o bastante quanto ao seu comportamento no dia a dia, as regras formalmente davam-lhe a liberdade de ir e vir como lhe aprouvesse. Isso significava que Randy estava numa posição anormal, pela qual gozava, em teoria, de certos direitos e liberdade, mas que não lhes eram permitidos na prática devido as suas supostas tendências exibicionistas. Os outros pacientes não conheciam as razões pelas quais Randy estava proibido de sair. Sob essas circunstâncias, Randy aprontava algum tipo de travessura todo dia. Mas parava de comportar-se dessa maneira logo que era reprimido ou lhe era aplicada alguma punição. Nesse ponto a psicoterapia facilitada por animais domésticos foi introduzida, mais ou menos como o último recurso, numa tentativa de curá-lo de seu comportamento compulsivo. Agora lhe era permitido deixar o hospital, sem ser supervisionado, durante uma hora por dia, acompanhado somente por um cão. Houve uma melhora imediata e interessante no comportamento de Randy. A equipe e os pacientes agora o achavam cooperativo, amistoso e muito aberto. Tornou-se um sério e responsável parceiro no processo terapêutico quotidiano – até receber alta do hospital um mês mais tarde (...) (em BERGLER, 1988, p. 41-42, tradução nossa).

Estudo de caso 2: Sonny

Sonny tinha 19 anos de idade; sofria de psicose depressiva e passava o tempo todo na cama. A equipe tentou despertar-lhe a curiosidade. Ele se recusava a participar da terapia ocupacional, nem participava da terapia de relaxamento ou das sessões de terapia de grupo. Na terapia individual ele se mantinha retraído e não mostrava nenhuma disposição para se comunicar com os outros, enquanto a terapia comportamental também era insuficiente para produzir qualquer resultado positivo. Foram feitas as preparações para um série de eletrochoques. Mas foi decidido que antes disso tentar-se-ia o uso de um cão no papel de co-terapeuta.

O paciente se punha na cama como era comum em sua pose costumeira, rígida, lembrando uma múmia. O psiquiatra sentou-se ao seu lado e conversou com ele. Se as perguntas do psiquiatra eram feitas sobre outras pessoas ou mesmo sobre Sonny, suas reações eram invariavelmente muito lentas. Mas logo que as questões mudaram para o assunto de cães (“Você gosta de cachorros?”) ou animais em geral, ele respondeu muito mais rapidamente. Além disso, as respostas de Sonny eram invariavelmente muito breves, geralmente nada mais do que “sim”, “não” ou “eu não sei”. Ele não estava preparado para explicar ou elaborar ou questionar. Mas quando o psiquiatra colocou um fox terrier de pêlo duro ao lado de Sonny, ele se levantou de uma forma inteiramente espontânea e teve um notório encanto pelo comportamento amigável do cachorro. Imediatamente ele se tornou atraído pelo cão, acariciando-o e falando com ele. Logo o paciente perguntou

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“Em que situação eu posso ficar como o cachorro aqui?”. No mesmo instante em que disse isso, o cachorro saiu correndo pelo saguão. Prontamente Sonny saiu correndo atrás do animal – o que era uma total mudança em relação ao seu padrão de comportamento anterior. Seu comportamento em relação a outras pessoas também mudou daí em diante. Sonny finalmente começou a prestar atenção nos outros pacientes, e então começou a freqüentar as sessões de terapia de grupo. Quando teve alta da clínica, sua condição era muito melhor. De acordo com o médico que tratou dele, o cão foi o principal fator de contribuição em seu restabelecimento (em BERGLER, 1988, p. 42- 43, tradução nossa).

Estudo de caso 3: Marsha

Marsha tinha 23 anos; foi recebida no hospital sofrendo de esquizofrenia catatônica. Era impossível comunicar-se com a paciente, que estava muito limitada em seus movimentos de amplitude e atormentada por desilusões. Sob a influência de suas desilusões, continuou a reiterar sua exigência daquilo que o mundo havia destruído. Ela estava sendo tratada com medicamentos, além disso passou por um tratamento de 24 séries de eletrochoque. Contudo, nenhum sucesso real foi obtido através de qualquer desses métodos. A paciente permaneceu relutante e incapaz de estabelecer contato com outras pessoas. Então foi decidido introduzir a psicoterapia facilitada por animais domésticos no desenvolvimento de seu tratamento. Primeiramente, o comportamento de Marsha não apresentou nenhuma mudança. Mas gradualmente ela começou a mostrar um interesse pelo cachorro, levando-o mesmo até a passear. A tempo, começou também a afagar o animal. Eventualmente ela deu uma relação das vezes em que poderia ver o cão. Ela cada vez mais começou a querer fazer isso – e ainda começou a falar com os outros pacientes sobre o cachorro. Somente seis dias depois da introdução do cão como co-terapeuta, Marsha demonstrou uma melhora impressionante em todo seu padrão comportamental. Em breve ela foi capaz de deixar o hospital com um prognóstico positivo (em BERGLER, 1988, p. 43, tradução nossa).

Depois dessa brevíssima introdução ilustrativa sobre a terapia mediada por animais, apresentando os ótimos resultados obtidos pelo casal Corson et al com seu emprego, vejamos mais de perto suas implicações na psicoterapia infantil.

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