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AZIA APENAS três meses que o Promotor Oscar do Soure estava na cidade, onde fora recebido com frieza hostil. Era aque la sua primeira investidura, tendo vindo preencher uma vaga já por muitos rejeitada. Esta se dera por morte do seu anteces sor, em conseqüência de um ataque de uremia, embora se mur murasse o contrário nos corredores do Tribunal, em Salvador. Acreditava-se que o outro Promotor morrera de "traumatismo moral", abandonado ao seu destino de autoridade desprestigia da pelos poderes políticos da comarca, sem garantias de qual quer espécie no exercício de suas funções. Ao Dr. Oscar tinham dito:- Ele não teve forças, naturalmente, nem ninguém teria, para suportar tamanha humilhação. Foi coisa de meter vergo nha a cachorro.
Afirmara isto um antigo professor do Dr. Oscar, homem de modos um tanto rudes, que acrescentara, enquanto folheava
um jornal:
- O próprio réu apareceu-lhe um dia em casa, de gar rucha na cintura, e exigiu, em nome do coronel, seu protetor, que ele lhe entregasse o processo. Ê como eu já lhe disse: você vai para uma terra de bandidos. Se alimenta sonhos com rela ção à carreira que abraçou, trate de pô-los de lado. Tenho bas tante experiência para lhe dizer isto.
E num tom desdenhoso:
- O sertão está transformado num covil de bandidos. A Justiça não vale nada.
Outros, porém, a quem ele falara dessas amargas observa ções, manifestaram-se de maneira diversa.
- Não se deixe influenciar pelas palavras de um advo gado fracassado, que nada mais espera da vida - disseram-lhe. - Aceite o cargo, pois o essencial é você iniciar sua carreira, e quando se trata disso não interessa saber como nem por onde.
Foi o que ele fez, em nome do senso prático e do desejo de logo começar a trabalhar, embora alimentando a idéia de uma permuta imediata. Animado por esse caráter provisório que emprestava à sua decisão, arrumou a mala e marcou o dia da viagem, entregando-se com indiferentismo à sua aventura nas Lavras. Nenhum entusiasmo sentia pela nomeação em si mes ma. De qualquer modo, porém, recusou-se a entrar em contato com Quelezinho, então em Salvador, conforme o tinha acon selhado um colega. Achou de bom aviso pôr-se em guarda, evi tando favores de políticos da comarca, e com isso os decorren tes compromissos de ordem particular, estranhos às suas ativi dades profissionais. Estas podiam ser perturbadas por aqueles, e ainda que sua estada fosse por pouco tempo, coisa de emer gência, de acordo com o que pensava, colocava acima de tudo sua independência. Com tais propósitos, a que não faltava um vago sentimento de neutralidade, chegara num sábado a Anda raí, hospedando-se na pensão do árabe Mansur. Entretanto, mal apeara, depois da longa viagem a cavalo, já o Dr. Canuto Ru fino, Juiz de Direito da comarca, vinha apresentar-se e cum primentá-lo, levando-o em seguida para casa, sob o pretexto de que a pensão era uma verdadeira espelunca, onde "o colega seria devorado pelos percevejos" .
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Foi hóspede do Juiz durante uma semana, transferindo-se depois para a mesma casa onde morara o antigo Promotor - um velho sobrado que havia na praça, com a cozinha atravessa da no beco que dava para o Apertado-da-Hora, local de freqüên cia suspeita. Não estranhara a vida monótona, o paradeiro da pequena cidade, com jumentos soltos no meio das ruas e um ou outro sujeito de pé nas esquinas, porque nascera no interior e no interior passara grande parte da existência, conhecendo bem aquela pasmaceira. Entretanto, o ambiente político não o animava a ficar, e por isso irritou-se quando o procurador lhe escreveu aconselhando a fazê-lo. A carta dizia: "Não tenha pressa em sair daí. Meta-se no comércio de diamantes, que tem enriquecido muita gente, segundo se propala, e depois a per muta será fácil". Nos seu planos, ainda na Capital, talvez por agir com alguma precipitação, Dr. Oscar não pensara nesse importante detalhe. Como proponente da permuta, e levando em consideração a má fama da comarca lavrista, teria de ofe recer uma boa compensação em dinheiro, sem o que não con-
seguiria interessar nenhum colega de outra promotoria. E ago ra vinha o procurador aconselhá-lo a entrar no comércio de diamantes, como única solução para o caso: sendo minguados seus vencimentos, só em atividades extraprofissionais poderia arranjar o dinheiro a ser dado de vantagem para realização do seu intento! Sentiu-se contrariado a princípio, ante a perspecti va de ter de se demorar por tempo indeterminado em Andaraí, e da contrariedade passou ao acabrunhamento, quando conside rou a natureza comercial de que se revestia a proposta de troca de comaroa. Restava, naturalmente, outro meio que tornaria viável sua mudança, mas este lhe era tão inacessível quanto o primeiro, pois não dispunha de elementos na política com que pudesse forçar uma transferência por promoção. Na vida soli tária que levava em Andaraí, em companhia de uma velha que o Dr. Canuto lhe metera em casa como empregada, foi aos pou cos dominado pelo desânimo. Em cartas dirigidas à família, lon gas cartas com que enchia as horas de ócio, mostrava-se por vezes pessimista, considerando inútil o tempo gasto com os estu dos. Respondiam-lhe com palavras de estímulo, observando-lhe que todo início de carreira era difícil, e que ele devia ter pa ciência para esperar os dias melhores que haveriam de vir. Nada disso, porém, o confortava, pois seu estado de espírito era agra vado pelo indiferentismo com que o tratavam na cidade, indi ferentismo que lhe parecia calculado e chegava a tomar o aspec to de uma manifestação de repúdio. Por outro lado, só muito raramente saía, uma ou duas vezes por semana, para ir à casa do Juiz, visitas que não eram retribuídas, porque o Dr. Canuto "tinha horror a subir escadas".
- O coração já não agüenta, seu colega - justificava-se. Como não havia quase trabalho, a não ser um ou outro processo sem importância que o oficial de justiça vinha trazer -lhe para despacho, passava os dias lendo jornais, ali recebidos com grande atraso, folheando velhas revistas forenses, mas na da conseguia prender-lhe a atenção. Às vezes, chegava à janela, e vendo passar Quelezinho, de chapéu-chile enterrado na cabeça, só ocasionalmente cumprimentando-o, no que era imitado pelos demais elementos de destaque na política municipal, um senti mento de impotente revolta se apoderava dele. Sentia-se ferido no seu amor-próprio, diminuído aos seus próprios olhos, rebe lando-se contra a situação de inferioridade e desprestígio a que se achava reduzido, e que em certos momentos lhe parecia irre mediável. À noite, com a galhofa que havia no bilhar de Ziu, onde os boêmios se reuniam para beber e jogar até altas horas,
cada gargalhada deles lhe chegava aos ouvidos como uma zom baria, e só muito tarde conseguia conciliar o sono. Vez por outra, porém, estando com melhor disposição, debruçava-se na janela para fumar. E os sons de algum violão em serenata pelas ruas, enchendo o silêncio das madrugadas, faziam com que as circunstâncias e os acontecimentos de sua vida se tornassem co mo que vagos e imprecisos, e uma espécie de secreto entorpeci mento o dominasse.
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Andaraí, Dr. Oscar, é a terra dos diamantes, mas tam bém pode ser chamada de terra das lombrigas. Tenho feito as minhas observações. É lombriga por toda parte. Na farmácia, sem exagero, avio uma média de dez vermífugos diários. Todo mundo tem lombrigas na cidade. Acho que é da água - disse ra-lhe Carvalhal, o farmacêutico, alto, magro, de costeletas, uma das poucas pessoas que o visitaram, num domingo à noite, enquanto o povo passava para ver o 3 .0 e o 4.0 episódios do fil me em série Nas garras dos leões, anunciado como tendo "por rada como corno". Só aparecera uma única vez, porém, com o que Dr. Oscar se sentira aliviado, porque a palestra do far macêutico lhe causara verdadeiramente náuseas. Também fora vê-lo o Dr. Marcolino, em visita rápida, cumprimentando-o em nome do Cel. Germano, do que ele duvidou, parecendo-lhe ter surpreendido, na atitude aparentemente cortês do médico, um simples impulso de curiosidade por sua vinda. Assim, desde que se instalara no sobrado, tornou-se completo o seu isolamento. Quando tinha necessidade de conversar com alguém, impelido por um natural desejo de comunicação, o recurso era mesmo ir sentar-se estupidamente na cozinha, ao lado do fogão, e dar dois dedos de prosa oca com a velha Ifigênia : - era este o nome da empregada. Nessas ocasiões, chegava a sentir falta dos dias passados em casa do Juiz, embora ali tivesse sido obrigado a ouvir o colega discorrer enfadonhamente sobre sua criação de canários, à hora do almoço e do jantar, falando-lhe dos trinados do Clemenceau e dos estalos do Napoleão, ah, seu colega! ca narinho-da-terra que estava de muda, mas que qualquer dia da queles ia abrir o bico que era uma beleza!
Não tardou, porém, e um homem amarelo, de óculos, sem dentes, sempre com a barba por fazer e vestindo uma horrenda roupa cáqui, passou a freqüentar regularmente o sobrado, fa zendo-lhe companhia. Era o escrivão Pimentel, que lhe parece-
ra intragável no primeiro momento, para, no fim de algum tem po, olhá-lo com indulgente simpatia. Por seu intermédio, e atra vés dos números de A Evolução, hebdomadário editado na ci dade, que o escrivão lhe trazia invariavelmente aos domingos, passou a inteirar-se do que ocorria no município, ficando a par da existência de "um tal Valadão, que devia parecer-se com as coisas que escrevia"; de "um vago coletor Barroso, a quem
A Evolução chamava de "aquânime exator"; de "um tal D. Costa, poeta e comprador de diamantes"; enfim - de todas as figuras de importância da sociedade local, por ele englobadas num único indivíduo e numa mesma onda de surda e irreme diável antipatia.
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O Pimentel é uma boa alma? Nada disso, Seu Oscar. Ele não passa de um pobre desgraçado - repetiu o telegrafista Nascimento, na sua quarta visita, com aquele ar desabusado que tanto escandalizara o Promotor ao conhecê-lo.
Era o seu mais recente contato com pessoa de Andaraí, em circunstâncias de mera rotina social, mas entre os dois já se estabelecera tão fraternal camaradagem, que a ambos parecia se darem desde muito tempo. Tudo correra, entretanto, por conta de urna identidade de atitude em relação ao meio em que viviam. A essa conclusão chegou Dr. Oscar depois da pri meira visita do telegrafista, quando o ouviu chamar de "pau -d'água reles" a Dr. Marcolino. Estranhando que semelhante co mentário partisse daquele sujeito que lhe aparecera no sobrado de bengala, de roupa mescla e colete branco, com um maciço aspecto de conferencista, procurou indagar, levado por natural curiosidade, a respeito de sua vida.
- Quem sabe da vida de Nascimento? - dissera-lhe o escrivão Pimentel. - Ele vive metido em casa com a mulher e os filhos, passando, às vezes, um ano inteiro sem sair, tanto que eu fiquei espantado, doutor, confesso, quando o senhor me disse que ele tinha estado aqui. Nascimento é meio esqui sito.
Era uma informação vaga, mas bastou ao Promotor para compreender que se tratava de um homem que repudiava aque le meio, e que o procurara com o evidente intuito de desabafar. Isto foi confirmado posteriormente, ao ouvir dele estas palavras: Até que enfim, Seu Oscar, depois de seis anos, encon-
trei alguém com quem pudesse conversar neste calcanhar-de -judas!
O calcanhar-de-judas era Andaraí, de cujo povo ele se isolara num retraimento gerado em calada revolta, ao ponto de, por vezes, atirar os telegramas da janela do sobrado, aos desti natários que os iam aparar embaixo, a fim de impedir que mui tos deles lhe subissem as escadas da casa. Mas embora se desse com todos, um traço comum o tinha aproximado inicialmente do Promotor, que não se dava com quase ninguém: a fria indi ferença com que eram olhados os dois, individualmente, na ci dade. Em desabafos recíprocos, as visitas entre eles se amiuda ram, o Promotor indo com freqüência ao telégrafo e ele à casa do Promotor, de tal maneira que o Juiz chegou a queixar-se de que "o colega andava sumido", enquanto os comentários no bilhar de Ziu eram de outra natureza.
- Estão amigados - diziam.
O que levou o coletor Barroso a duvidar da masculinidade do Dr. Oscar, que ainda não procurara mulher desde que ali chegara, segundo tinha apurado, e que "dos dois era quem devia estar dando".
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Nascimento segurou o exemplar de A Evolução com a pon ta dos dedos :
- Você também lê este lixo?
Foi o Pimentel que me trouxe hoje - respondeu Dr. Oscar.
Em todo o caso, vale a pena ler o que escreve o diretor desta droga - continuou o telegrafista, depois de acender o charuto. - Não é com facilidade que a gente encontra uma cavalgadura como o Valadão. Se ele ficar de quatro pés, nasce rabo.
O Promotor sorriu. Já se habituara com o tom arrasador da palestra do amigo, não mais estranhando suas expressões de incontido desdém. Nas conversas que entretinham, e que ver savam ordinariamente sobre pessoas de Andaraí, o coletor Bar roso era por ele incisivamente tachado de "rato". A seu ver, o Juiz de Direito não passava de "um poltrão". Do capangueiro Teotônio, não vacilava em dizer que se tratava de "um crápula de pai e mãe". Definia o Carvalhal como sendo "um escro talhão", enquanto o tabelião Romualdo, em cuja rotunda figu ra o Promotor ainda não pusera os olhos, recebia a sumária
classificação de "pederasta". Por aí afora, chegava ao árabe Mansur, a quem o telegrafista chamava impulsivamente de "gringo porco e ladrão" :
- Roubou noventa contos de um hóspede, Seu Oscar. Um patife!
E contara que o hóspede se chamava Ostrowsky, um judeu russo que viera comprar diamantes em Andaraí, e cuja valise, onde estava guardada a referida importância, desaparecera mis teriosamente do quarto de tabique da Pensão Grande Líbano.
Necessitado de dinheiro como estava, o Promotor olhara-o com ar de pasmo quando o ouviu mencionar tão vultosa soma, e, sob pressão de íntima e repentina ansiedade, indagara acerca das providências tomadas por ocasião do roubo, ocorrido dois anos antes.
- O judeu quase fica doido - continuara Nascimento. - Incomodou até o Chefe de Polícia. Como se tratava de um verdadeiro escândalo, as autoridades forjaram um inquérito pa ra salvar as aparências, tendo por finalidade inocentar Mansur, que é elemento da política do Cel. Germano. O roubo foi atribuído a um pobre-diabo que trabalhava na pensão, e em quem a Polícia desceu a borracha sem pena, com o fim de obter uma confissão. O resultado é que o judeu perdeu o dinheiro, porque o inquérito deu em droga, e tudo ficou como se nada houvesse acontecido. Um ladrão, Seu Oscar! Conheço essa cam bada há seis anos. Sei dos podres dessa gente toda. O gringo é um ladrão!
- Mas ele ficou com o dinheiro todo? - fora a última pergunta do Promotor.
O telegrafista enxugou o suor da testa e respondeu : - Há muitas versões. Dizem que ele rachou a bolada com Quelezinho.
E num assomo de cólera:
- É assim que essa gente fica rica, Seu Oscar. Rouban do! É debaixo de roubos de toda espécie que Andaraí cria esta fama de lugar bom pra se ganhar dinheiro.
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O Promotor continuava sem idéias claras a respeito fosse do que fosse. O mesmo sentimento de consciente e acabrunha dora inutilidade assaltava-o com freqüência, embora o conví-
vio de Nascimento lhe tivesse despertado um certo ânimo para encarar com altivez a situação. Por vezes, mostrava-se inclina do a aceitá-la, como uma salutar experiência para a sua car reira, mas, não raro, sentía ímpeto de impor sua autoridade sob qualquer forma ao povo de Andaraí, de tal maneira se conta giava dos assomos de revolta do amigo. Estavam agora mais uma vez juntos, conversando na ampla sala do sobrado, enquan to as sombras da noite envolviam lentamente a cidade, fazendo desaparecer, ao longe, os negros e pesados contornos da serra. Ifigênia veio acender o candeeiro.
- Nascimento janta comigo - disse-lhe em voz baixa Dr. Oscar.
E voltando-se novamente para a visita :
- Pois é, Seu Nascimento. Eu não sei, afinal, o que fazer. Recebi hoje outra carta do meu procurador, em que ele me co munica a proposta de um colega que está interessado na per muta, mas que pede dez contos de volta.
Os ratos começavam a mover-se precipitadamente no for ro de pano da sala, contra o qual se projetava a luz do candeei ro. O telegrafista, já habituado ao ruído, acendeu com lentidão o charuto e perguntou :
- Você vai aceitar?
- Não posso - alegou o Promotor. - Onde é que eu vou arranjar dez contos? Só se fosse em algum trabalho de advocacia . . .
- Então já sabe que você não arranja - disse Nasci mento. - Aqui não há ninguém a quem você defender e muito menos o que você advogar. Que poderia você fazer em matéria de feitos cíveis? O coronel é quem resolve tudo. A razão está sempre com ele.
E depois de se levantar para cuspir :
- A advocacia é um luxo dos centros civilizados. O co ronel já está defendido por natureza.
Dr. Oscar esboçou um sorriso.
- Você às vezes me sai um reacionário de quatro costa dos - observou.
- Eu?
- Sim . . . Sei que você diz a verdade quando afirma que aqui não há campo para a advocacia, mal, aliás, generalizado em todo o sertão, onde predomina a mentalidade patronal. Con cordo que aqui um advogado nada tem a fazer, em virtude de quase todas as serras e garimpos pertencerem ao coronel, e de todas as questões serem resolvidas na base das precárias rela-
ções existentes entre o trabalhador e o proprietário. Concordo com tudo isso. Mas daí a você dizer que a advocacia é um luxo dos centros civilizados, francamente, Seu Nascimento, me parece um absurdo.
- Pois a mim não parece.
- Não é possível! - protestou Dr. Oscar. - Será que você não reconhece, apesar de tudo, os benefícios que adviriam da defesa dos interesses desses garimpeiros que vivem escraviza dos aos donos de serras?
O telegrafista mastigou a ponta do charuto.
- Você não me compreende, Oscar . . . - disse. Sentou- -se e acrescentou : - Eu sou contra os ricos, mas isso não quer dizer que eu tome o partido dos pobres. Para mim uns e outros são iguais. Que é um homem rico senão um homem pobre com dinheiro?
O Promotor coçou a cabeça.
- Ora, Nascimento! - exclamou. - Não sei . . . Você me sai com cada uma que eu fico arrasado.
- É o que eu estou lhe dizendo - insistiu o telegrafista. À luz do candeeiro, sua fisionomia apresentava uma tran qüilidade que evidentemente contrastava com o ímpeto de suas palavras. De repente, contraindo a mão sobre a mesa, disse, num tom ao qual não se podia negar sinceridade:
- Seu Oscar, eu não acredito no gênero humano. Está compreendendo? Já não sei separar os homens dos canalhas. Mas foi interrompido por lfigênia, que entrava na sala para avisar que o jantar estava na mesa. Dr. Oscar bateu ama velmente no ombro do outro:
- Você hoje está num grande dia, Seu Nascimento - disse, com uma bonomia que implicava aprovação. - Mas dei xemos o gênero humano em paz, que está à nossa espera, lá dentro, o magro pirão de um pobre Promotor .
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- Voltando ao caso da permuta - disse Dr. Oscar, enquanto se servia de um pedaço de lombo, que era sábado, dia da disputada carne fresca nos dois únicos açougues da ci dade, com cachorros rosnando na porta e mulheres-damas asse diando garimpeiros por causa de meia-libra de fígado - nun ca me passou pela cabeça entrar no comércio de diamantes. Mas, que diabo! será que não há nenhum colega que tenha idéia de fazer o contrário?
- Que tenha idéia de entrar no comércio de diamantes? indagou Nascimento, erguendo o garfo cheio.
- Sim. Isto naturalmente tornaria viável a permuta. Nascimento descansou o garfo no prato.