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Por conseguinte, Serres propõe-se a encontrar a passagem entre a ciência exacta e as ciências humanos, a mistura entre os saberes humanos e as ciências ditas duras666; um terceiro lugar que encorpe “por um lado, a ciência exacta, formal, objectiva, poderosa, e do outro lado o que se chama cultura, moribunda. E daí a criação de um

exclusion hors da loi approche du risqué maximum d’élimination ou d’éradication: elle exceed l’homicide, puisque ce dernier se définit selon des lois pénales… et touché au genocide, puisqu’il y va, désormais, du genre humain Presque en entire.”

660

Id., ibidem, Atlas, p. 179.

661

SERRES, Michel (2009), Temps des crises, p. 72.

662 SERRES, Michel (1996), Atlas, p. 14. 663

Id., ibidem, p. 15: “Singularité de notre siècle, les réseuax de communication réalisent les espaces virtuels autrefois laissés aux rêves et aux représentations”.

664 SERRES, Michel (2011), Habiter, p. 7. 665

SERRES, Michel (2009), Récits d’Humanisme, p. 148: “Le nous neuf abandonne, sèches, les anciennes partitions, frontiers, langues, États, nations, cultures, civilisations. Nous soudons la préhistoire à l’avenir.”

terceiro homem, o terceiro instruído”667

. Mas, Serres confessa que esta é uma tarefa árdua e compara-a à dificuldade da famosa passagem do Noroeste.668 A passagem do Noroeste, lugar de “terceira separação”669

, é um “estádio intermédio”670 que estabelece a comunicação entre o oceano Atlântico e o oceano Pacífico, através das paragens gélidas do Grande Norte do Canadá cheias de bacias, canais e estreitos formando um arquipélago labiríntico e perigoso entre as terras de Baffin e as terras de Banks.671 Metaforicamente, a passagem do Noroeste é o lugar de conexão entre as ciências exactas e as ciências humanas.672

Nesta ordem de ideias, podemos afiançar que há uma certa conexão entre viajar e pedagogia, pois esta palavra evoca um guia que conduz uma criança e dirige a sua aventura.673 Neste contexto, o verbo educar significa precisamente “conduzir para qualquer lado, para o exterior, para fora deste mundo: ou seja, aparelhar.”674 Tal como Ulisses675, que nunca quer tomar posse do local onde desembarca mas estar em permanente êxodo, qualquer aprendizagem consiste, sempre, em partir676, implica a viagem, a errância. “Aprender provoca a errância”.677

Uma viagem onde todos aprendem, tal como Serres nos revela: “ensino interrogativamente às minhas netas uma certa bonomia, cuja grandeza ainda me domina, mas, em contrapartida, elas ensinam-me os mais recentes desenvolvimentos e conquistas das ciências e das técnicas. Um saber amadurecido comporta-se como um bom vinho, enquanto o segundo, primaveril, sem cessar reverdece. Prémio Nobel das ciências juvenis ao lado de patriarcas condecorados

667

SERRES, Michel (1991), Le tiers-instruit, p. 81: “Or, dans le savoir et l’instruction, il existe aussi une troisième place, position aujourd’hui nulle entre deux autres, la science exacte, formelle, objective, puissante et d’autre part ce qu’on nomme la culture, mourante. D’où l’engendrement d’un troisième home, le tiers-instruit”.

668 SERRES, Michel (1980), Hermes V: Le passage du Nord-Ouest, p. 15 669

SERRES, Michel (2009), Récits d’Humanisme, p. 15.

670

SERRES, Michel (1983), Rome. Le Livre des fondations, p. 309.

671 SERRES, Michel (1980), Hermes V: Le passage du Nord-Ouest, p. 15: “La passage du Nord-Ouest fait

communiquer l'océan Atlantique et le Pacifique, par les parages froids du Grand Nord canadien. Il s'ouvre, se ferme, se tord, à travers l'immense archipel artique fractal, le long d'un dédale follement compliqué de golfes et chenaux, de bassins et détroits, entre le territoire de Baffin et la terre de Banks”

672

SERRES, Michel (1983), Rome. Le Livre des fondations, pp. 261: “Je cherche le passage du Nord-Ouest, je cherche de connecter les sciences exactes et les sciences humaines, je cherche le passage entre les theories de l’objet, les systèmes du monde, et les theories de l’objet, les systèmes de relations entre personnes. Je sonde la gué entre la nature et l’histoire.”

673

SERRES, Michel (1996), Atlas, p. 177.

674 SERRES, Michel (1990), Le contrat naturel, p. 176: “Le verbe éduquer signifie justement conduire

ailleurs, à l’extérieur, en dehors de ce monde, en fait, appareiller.”

675

SERRES, Michel (1982), Genèse, Paris: Bernard Grasset, p. 131.

676

SERRES, Michel (2011), Habiter, pp. 6-7.

pela literatura”.678

A relação entre ciência e literatura é recorrente na obra serreana, como revela o fascínio do autor pelo Tintim679, herói de Hergé e pela aventuras criadas por Júlio Verne.680

O saber assemelha-se ao manto de Arlequim, é uma mescla ou mestiçagem de experiências e de conhecimentos.681

O terceiro instruído é assim um mestiço entre duas culturas: a científica e a humanista.682 Esta mestiçagem permite passar do plano da simples informação para o plano do saber.683 Assim, o jogo da pedagogia nunca se efectua a dois, mas a três. O terceiro é decisivo no processo de aprendizagem.684 Esta aprendizagem consiste na mestiçagem e o mestiço é o terceiro instruído.685 Aliás o próprio Serres, cidadão errante686, define-se, pelas suas formações académicas e pelas suas experiências, como um mestiço687: “Mestiçagem, eis o meu ideal de cultura.”688 Serres afirma também o papel cognitivo do corpo humano para o estabelecimento da cultura.689

Serres confessa ainda outra utopia: “que os cientistas mundiais partilhem o seu saber com os camponeses do mundo; que estes grupos mistos se protejam dos seus parasitas; as ciências da terra aos homens da terra. Senão o planeta será obrigado a renunciar ao seu nome comum de Terra para arranjar um nome próprio de semeador para efeitos de publicidade.”690

Por isso, é necessário a mestiçagem das vontades, e por conseguinte, a partilha de informação e de formação. Estas pertencem ao património

comum da humanidade.691

678

Id., ibidem, p. 94: “J’apprends interrogativement à mes petites-filles une bonhomie dont le hauter encore me domine, mais, en retour, ells m’enseignent les récents développements et les perfomances des sciences et des techniques. Un savoir, mûrissant, se comporte comme le bon vin pendant que, printanier, le second sans cesse reverdit. Prix Nobel de sciences juveniles à côte de patriarches décorés pour la littérature.”

679 SERRES, Michel (2000), Hergé, mon ami, Paris: Éditions Moulinsart. 680

SERRES, Michel (1974), Jouvences Sur Jules Vernes, Paris: Les Éditions de Minuit.

681

SERRES, Michel (1991), Le tiers-instruit, pp. 16-17.

682 SERRES, Michel (1992), Éclaircissements: cinq entretiens avec Bruno Latour, pp. 255-256. 683

SERRES, Michel (1995), Éloge de la philosophie en langue française, pp. 66-68.

684

SERRES, Michel (1991), Le tiers-instruit, p. 29: “Non, le jeu de pédagogie ne se joue point à deux, voyageur et destination, mais à trois. La tierce place intervient, là, en tant que seuil du passage.”

685

Id., ibidem, pp. 86-87.

686

SERRES, Michel (2009), Récits d’Humanism, pp. 102-103.

687 SERRES, Michel (1992), Éclaircissements: cinq entretiens avec Bruno Latour, pp. 46-47. 688

Id., ibidem, p. 47: “Métissage, voilà mon idéal de culture.

689

SERRES, Michel (1999), Variations sur le corps, Paris: Le Pommier-Fayard.

690 SERRES, Michel (2001), Hominescence, p. 100: “Voici donc mon utopie: que les scientifiques du

monde partagent leurs expertises avec les paysans du monde; que ces groupes mixtes se protègent de leurs parasites; les sciences de la terre aux homes de Terre. Sinon la planète devra renoncer à son nom commun de Terre pour se parer d’un nom propre de semencier à fins de publicité.”

O homem é um corpo-mistura (corps mêlé), um ser andrógino, hermafrodita que deve promover a inclusão, a tolerância e a alteridade, isto é o advento de um mundo novo que rompa com a tradição. “Fim da era grega e começo de um mundo novo”.692

Este corpo-mistura é também o resultado da influência das transformações tecnológicas sobre o nosso conhecimento e sobre as nossas emoções.693 Serres baptiza de Biosom este corpo global formado da soma das ciências e das técnicas.694

Por isso, o nosso mundo é cada vez mais uma Pantologia695 – um novo saber sobre tudo –, “sociedade pedagógica”696, de redes universais, em que a formação contínua e a aprendizagem à distância, se junta às bibliotecas, escolas e universidades, de forma a promover um trabalho de qualidade, essencial para educar cidadãos.697 Estas redes universais consagram um ensino aberto, liberto do jugo de métodos pré- estabelecidos ou de escolas oficiais de pensamento ou de pedagogia, que podem incentivar à libertação de todos os poderes.698

A educação só existe quando o desejo do saber é mais forte que o desejo de moderação.699 Antes de mais, precisamos de educar o homem para a democracia.700 Este homem democrático e moderado é também um homem intercultural, mesclado e respeitador das diferenças. De facto, o homem educado é um homem moderado, que deve ter como máxima da sua conduta: evitar o mal.701 “Deveríamos dissimular-nos um pouco sob as árvores e os juncos, abrir as nossas políticas aos direitos do mundo. Cada um de nós deveria moderar-se, sobretudo abster-nos em conjunto, investir uma parte da

692 SERRES, Michel (1987), L’Hermaphrodite: Sarrasine sculteur, Paris: Flammarion, pp. 85-86: “Ce

mélange conditionne une pensée profunde (…). Il corresponde à la philosophie des corps mêlés. Fin de l’ère grecque et commencement d’un monde nouveau.”

693 SERRES, Michel (2009), Récits d’Humanisme, pp. 70-71. 694

CARVALLO, Sarah, (2010), Éloge des corps mêlés. L’Herne – Michel Serres, p. 132.

695

SERRES, Michel (2011), Habiter, p. 56.

696 SERRES, Michel (Fevereiro 1999), in Novas tecnologias e sociedade pedagógica. Uma conversa com

Michel Serres, pp. 133 e ss. Cf. SERRES, Michel (1999), La Légende des anges, p. 49.

697

SERRES, Michel (1996), Atlas, pp. 138-139: “Comment collaborer avec un monde intelligent? Voici donc le travail et les oeuvres à venir: déjà vieilli, le monde des communications, le nôtre, accouche, en ce moment, sous nos yeux aveuglès, d’une société pédagogique, où la formation continue et l’apprentissage à distance, partout et toujours presents sur les réseaux universels, s’ajoutera aux bibliothèques, écoles et campus, ghettos fermés pour adolescents huppés, concentration de la culture et des sciences, pour accompagner, toute la vie, un travail de plus en plus rare, évolutif et précieux.”

698

Id., ibidem, pp. 203-204: “Le réseau lui-même peut, au sens, persuade convainc, juge et consacre… l’enseignement ouvert, diffusé sur lui, constituerait la première victoire des homes, libres, sur un pouvoir, universel, qui peut, certes, les asservir, mais aussi les libérer.”

699

SERRES, Michel (1991), Le tiers-instruit, p. 186.

700

Id., ibidem, p. 208: “Nous manquons pour l’homme d´un intellect simplement démocratique.”

força na atenuação da nossa força.”702

Para sermos verdadeiramente livres temos que ter acesso ao conhecimento e à educação: “Quanto menos literatura houver, menos indivíduos existirão. Pessoas livres. Eis-nos todos, hoje, sujeitos a procurar uma máscara nos hipermercados do mimetismo colectivo. A literatura fornece novas fontes à língua tanto como a consciência.”703

Trata-se afinal de educar este novo homem que emerge num tempo em que é necessário colocar obstáculos ao regresso da barbárie, de concretizar uma narrativa a partir do conjunto das ciências e dos conhecimentos, de forma a conceber uma filosofia e uma política, com vista construção de uma outra sociedade.704 Ora, para “inventar” novos homens é preciso formá-los e para isso é necessário um ensino e respectivo modelo. Este homem que se pretende que seja sábio, Serres designa-o Terceiro Instruído: “um perito em conhecimentos, formais ou experimentais, versado em ciências naturais, do inerte e do mundo vivo, à margem das ciências sociais, das suas verdades mais críticas do que orgânicas e da sua informação banal e não rara, preferindo acções às relações, a experiência humana directa aos inquéritos e processos, viajante da natureza e da sociedade, apaixonado pelos rios, areias, ventos, mares e montanhas, transeunte da Terra inteira, apaixonado por gestos e paisagens diferentes, navegador solitário da passagem do Noroeste, paragens onde o saber positivo cruzado comunica, de forma delicada e rara, com as humanidades”.705

Para isso é imperioso que o homem se enraíze no global: “não numa terra mas na Terra, não no grupo mas em toda a parte”.706

702 Id., ibidem, p. 184: “ Nous devrions nous dissimuler un peu sous les arbres et les roseux, ouvrir nos

politiques aux droits du monde. Nous devrions nous retenir, chacun, surtout nous abstenir ensemble, investor une part de la puissance à l’adoucissement de notre puissance.”

703 SERRES, Michel (2009), Récits d’Humanisme, p. 65: “Moins il y a de literature, moins il existe

d’individus. De personnes libres. Nous voilá tous, aujour’hui, assujettis à quêter un masque aux grandes surfaces du mimétisme collectif. La littérature ressource la langue autant que la conscience.”

704 SERRES, Michel (2001), Hominescence, p. 334: “D’éduquer cet autre humain en train de naître, de

fonder une culture neuve où croissent les obstacles au retour de la barbarie, de déployer un autre grand récit à partir de une encyclopédie des sciences, de concevoir une philosophie, d’imaginer une politique, de contruire une autre cité”.

705

SERRES, Michel (1990), Le contrat naturel, p. 147: “Je l’appelle Tiers-Instruit: expert dans les connassances, formelles ou expérimentales, verse dans les sciences naturelles, de l’inerte et du vivant, à l’écart des sciences sociales aux verities plus critiques qu’organiques et à l’information banale et non rare, préférant les actions aux rapports, l’expérience humaine directe aux enquêtes et aux dossiers, voyageur de nature et de société, amoureux des fleuves, sables, vents, mers et montagnes, marcheur sur le Terre entière, passionné de geste différents comme de paysages divers, navigateur solitaire au passage du Nord-Ouest, parages où le savoir positif traverse communique, de manière delicate et rare, avec les humanités”.

706

Id., ibidem, p. 148: “Ce mélange demande en enracinement paradoxal dans le global: non dans une terre, mais en Terre, non dans le groupe mais partout”.