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3.2 A IMPRECISÃO DO TERMO “ALMA”

3.2.2 O termo “alma” na teologia contemporânea

A definição ou “indefinição” do que se compreende por “alma”, exposta pelo documento da Congregação para a Doutrina da Fé já referido anteriormente neste trabalho diz o seguinte:

A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência depois da morte de um elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal modo que o « eu humano » subsista. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra « alma », consagrada pelo uso que dela fazem a Sagrada Escritura e a Tradição. Sem ignorar que este termo é tomado na Bíblia em diversos significados, ela julga, não obstante isso, que não existe qualquer razão séria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indispensável um instrumento verbal para suster a fé dos cristãos.116

Nesse mesmo sentido, segue o texto sobre Algumas questões atuais de escatologia117 afirmando a correspondência entre alma e “eu humano”. O referido texto apresenta ideia contrária a Santo Tomás, para o qual não se pode designar como identidade própria do ser humano a alma, uma vez que essa é um dos elementos que compõe o todo do ser humano118.

115

Para tal, retomar o ponto 1.3.1.

116 SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Carta sobre algumas questões respeitantes à escatologia, s.p.

117 SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Temas Actuales de Escatología: documentos, comentarios y estudios. Madri: Ediciones Palabra, 2003. p. 41-97.

118

“Aceptando fielmente las palabras del Señor en Mt 10, 28, «la Iglesia afirma la continuidad y la subsistencia,

después de la muerte, de un elemento espiritual que está dotado de conciencia y de voluntad, de manera que subsiste el mismo "yo" humano, carente mientras tanto del complemento de su cuerpo»[59]. Esta afirmación se funda en la dualidad característica de la antropología cristianSin embargo, a esta afirmación se oponen, a veces, unas palabras de Santo Tomás que sostiene: «mi alma no es el "yo"»[60]. Pero el contexto de esta

Susin faz uma crítica contundente ao proposto tanto pelo documento da Congregação para a Doutrina da Fé, quanto pela carta da Comissão Teológica Internacional. O risco ao afirmar o “eu humano” su sistente na alma é valorizar de tal forma a alma, que o corpo fique novamente desvalorizado como ocorre com as antropologias platonizantes.

A reafirmação da tradicional doutrina da alma separada desta forma por parte da Comissão Teológica Internacional, apelando inclusive para uma exegese quase fundamentalista de Mt 10,28 e par., é surpreendente procura articular arduamente uma relação entre as duas formas tradicionais da doutrina, uma escatologia “intermediária” e uma escatologia “final” e universal onde acontece a ressurreição do corpo, mas sem acrescentar nem felicidade nem algo substancial ao indivíduo. Depois dos esforços contemporâneos de valorização do corpo como decisivo lugar de relações, significa um retorno a mal-entendidos platônicos do passado. Por isso tem um caráter conservador, inclusive na desvalorização do corpo. [...] A subcomissão redatora da Comissão Teológica Internacional, liderada pelo escatólogo Cândido Pozo, se empenha em desdizer abertamente Santo Tomás na sua crucial afirmação: “Alma não é o eu”. Ainda conviria ficar com Santo Tomás, na incompletude da alma que conserva referência histórica e tendência ao futuro corpo ressuscitado.119

Fica a impressão que estamos em uma rua com apenas duas saídas. De um lado afirmar a alma como identificação com o “eu humano” e recair em um dualismo platônico ou afirmar uma possível ressurreição na morte e criarmos um dualismo corpóreo; corpo/cadáver e corpo glorioso. Não seria possível um terceiro caminho?

Susin, em sua obra O tempo e a eternidade120, aqui já referida, propõe uma terceira via para a discussão do que se entende por “alma”. Com uma inspiração claramente fundada em

afirmación está constituido por las palabras inmediatamente precedentes, en las que se subraya que el alma es una parte del hombre. Esta doctrina es constante en la Suma teológica de Santo Tomas: cuando se objeta que «el alma separada es una substancia individual de una naturaleza racional; pero no es persona», responde: «el alma es una parte de la especie humana: y, por ello, aunque esté separada, porque, sin embargo, sigue teniendo la posibilidad de unión, no puede llamarse naturaleza individual, que es una hipóstasis, o substancia primera; de la misma manera que ni la mano ni cualquier otra de las partes del hombre. Y así no le corresponde ni la definición de persona ni el nombre» [61]. En este sentido, en cuanto que el alma humana no es todo el hombre, se puede decir que no es el «yo». Más aún, hay que mantenerlo para permanezca la línea tradicional de la antropología cristiana. Por ello, de aquí deduce Santo Tomás que en el alma separada se da un apetito del cuerpo o sea de la resurrección [62]. Esta posición de Santo Tomás manifiesta el sentido tradicional de la antropología cristiana, como ya lo expresaba San Agustín [63]”.

119 SUSIN, L. C. O tempo e a eternidade: a escatologia da criação, p. 181-183. 120

Karl Rahner, para quem a alma é abertura irredutível ao mundo e em Emmanuel Levinas e sua teoria da alteridade, propõe que o fundamental não está na relação intrínseca corpo e alma, mas na relação com o outro. A relação corpo e alma ganha sentido a partir do outro: “A pessoa é um „n de relações‟, mas não é um n „central‟: o outro é o centro que unifica corpo e alma.”121.

A proposta de Susin apresenta um caráter diferencial por fugir ao modo somente dual do problema corpo e alma, pois os coloca em relação com um terceiro elemento extrínseco e ao mesmo tempo integrado e integrador. Assim também a antropologia teológica assimila traços não somente da cristologia, como é mais comum, como é característico na redescoberta escatológica do século XX, mas também da teologia trinitária.

Foi buscando um caminho de interpretação magisterial, assim como faz Susin, que Ruiz de la Peña tra alhou uma releitura do termo “alma” e sua relação como a corporeidade. Passemos de imediato ao pensamento do teólogo asturiano para compreendermos melhor seu intento enquanto teólogo católico.