• Nenhum resultado encontrado

2 UM BALANÇO DA ERA VARGAS E A PROPOSTA DE PESQUISA

3.3 SISTEMATIZAÇÃO TEMÁTICA – UM CONTEXTO EM MUDANÇA

3.3.4 Termos/temas novos

A emergência de um novo repertório acompanhava o deslocamento das interpretações acerca dos problemas nacionais e, consequentemente, da redefinição das

prioridades do Governo. Por isso, são termos/temas que não estavam presentes nas problematizações iniciais do governo Vargas e que foram surgindo à medida que se modificava a agenda de cada momento.

a) autossuficiência, emancipação/independência e autonomia econômicas;

b) Marcha para o Oeste/hinterland (localização de forças capazes de assegurar a expansão futura);

c) fronteiras econômicas e fronteiras políticas; d) análise da fase colonial: herança colonial;

e) “industrialização progressiva” e parque siderúrgico;

f) investimentos externos subordinados aos interesses nacionais; g) “bastar-se a si mesmo”;

h) ferro, carvão e petróleo; i) indústrias básicas;

j) crédito industrial e justificativa do crédito rural;

k) o Brasil e a Guerra (“batalha militar e batalha da produção”).

Essa mudança delineia uma perspectiva diferente da defendida na primeira metade dos anos 1930, demonstrando uma suposta convicção do governo em torno de determinadas prioridades. Discutir os meios para se atingir a autossuficiência econômica não fazia sentido, porque até 1930 a formulação das políticas econômicas em nível nacional estava, em maior ou menor grau, ligada à oligarquia cafeeira exportadora. Ou seja, a dependência internacional não era um problema porque o propósito maior não era a industrialização. Quando esta passa a ser uma das prioridades, o tema da autossuficiência, da industrialização progressiva e da instalação de um parque siderúrgico que fosse capaz de emancipar e dar autonomia à economia brasileira passam a exigir alguma formulação e crítica daquela dependência.

Diante de uma industrialização considerada pelo Estado Novo como irreversível, tornava-se mais necessária a realização de um efetivo processo de colonização sobre algumas áreas do território nacional consideradas vazias. A finalidade disto era localizar potencialidades capazes de alavancar o desenvolvimento brasileiro e garantir a nacionalização dos recursos naturais.

Por isso, sincronizar as fronteiras políticas e as fronteiras econômicas, assim como direcionar os investimentos externos para setores considerados necessidades nacionais

(instalação das indústrias de base) permitiria ao Brasil romper com a herança colonial, fundada num agrarismo, e construir um país capaz de bastar-se a si mesmo.

Nesta reconfiguração, em que se originam e se sustentam novas prioridades de governo a conjuntura da Guerra e as vicissitudes ocasionadas pelo conflito mundial proporcionariam uma busca pela vitória tanto em relação à batalha militar quanto à batalha da produção. Portanto esses termos emergentes foram chamados ao contexto histórico a partir da segunda metade da década de 1930 para corresponderem à alteração das novas prioridades que não cabiam mais na perspectiva inicial de governo.

A sistematização temática de A Nova Política do Brasil apresenta-nos uma constelação heterogênea de termos e argumentos que revelam o devir do processo entre 1930 e 1945 e suas vinculações com o contexto histórico.

Abordar o percurso de todos esses temas ao longo da obra torna-se inviável como empreendimento deste trabalho. Sendo assim, selecionamos dois pontos centrais que serão desenvolvidos nos seções subsequentes para compreender o sentido da transição apontada pela literatura especializada, discutida na primeira parte desta seção: política e economia. Ao analisar A Nova Política do Brasil percebemos que esses aspectos são mais recorrentes, mais fundamentados e com maior embasamento e preocupação do Governo Vargas. A preponderância desses campos pode ser observada na sua articulação com os demais temas da coletânea. Por um lado, a preocupação do governo em configurar um Estado centralizado e intervencionista, dotado de poder mediador entre os grupos sociais, aproxima-se de uma concepção orgânica de sociedade, que, por sua vez, reflete como ele pensava a estrutura política e estatal diante das forças sociais. Por outro lado, o modelo de cooperação entre as forças orgânicas da nacionalidade era uma das premissas para resolver o problema nacional. Mas esse não permaneceu imutável. Ao contrário, a interface, operacionalizada pelo primeiro Governo Vargas, entre a concepção de problema e o contexto (estrutura e conjuntura) acarretou uma constante movimentação desse conceito entre 1930 e 1945. O deslocamento implicou nas propostas de resolução, no qual um das questões mais visíveis foi a tensão entre agricultura e indústria, ou melhor, entre agrarismo e industrialismo, aspectos que adquiriram contornos, relevância e tratamento diferentes ao longo dos onzes volumes da referida coletânea.

Do vasto conjunto de temas de A Nova Política do Brasil apresentado nessa seção, foram selecionados três pontos para a análise: a estrutura do Estado, a dimensão política e o problema econômico.

A análise de A Nova Política do Brasil realizada até então sugere que à medida que o Governo Vargas aprofundava o diagnóstico acerca das debilidades brasileiras, os instrumentos para sua superação também se tornavam mais complexos. Os problemas do início dos anos 30 são substancialmente diferentes daqueles apontados na segunda parte da mesma década. Se na ascensão do Governo Provisório, em novembro de 1930, o desafio era a reorganização político-administrativa (daí a necessidade de reorganização do Estado) e o encaminhamento da questão social, demanda resultante da estrutura liberal da Primeira República, já no Estado Novo, o principal ponto era a superação da condição colonial de país fornecedor de matérias primas, preso ao exclusivismo agrário e consumidor de produtos manufaturados. Passou-se assim, a vincular industrialização e progresso/riqueza, da mesma forma que se associou atraso e agrarismo.

Por isso, os assuntos selecionados conforme sua aproximação com os eixos deste trabalho receberam um tratamento concomitante de ordem temática, mas também cronológica, ou seja, análise dos argumentos contidos nos discursos do Governo Vargas e como eles se mantiveram ou se transformam no decorrer desses 15 anos de história. Não seguiremos necessariamente a periodização do primeiro Governo Vargas sugerida pela literatura especializada, nem subdividiremos os volumes de acordo com ela, ainda que essas demarcações estejam subjacentes à nossa análise. Da mesma forma, optamos por não reproduzir como a literatura concebe tais temas no período de análise, mas como esses temas apareceram e foram fundamentados pelo governo Vargas em A Nova Política do Brasil. Nesse sentido não vamos nos reportar aos elementos já expressamente e eficazmente lapidados pela bibliografia. Nossa proposta aqui é apresentar o que estava, de alguma forma, no âmbito do discurso do governo que fundamentou as mudanças (no aparelho do Estado, na dimensão política e na economia), apontadas pelas obras canonizadas sobre o tema.32 Por outro lado, ainda que seja

tentador apontar e dissecar as interfaces com atores e autores coetâneos, não temos como objetivo cotejar os discursos do Governo com seus contemporâneos com a literatura acerca do período.

32 Ao abordarmos, por exemplo, o caráter intervencionista do Estado, temos menos como objetivo demonstrar como ele ampliou sua atuação (no âmbito institucional) e mais como essa concepção apareceu argumentada e embasada nos discursos oficiais.

Desta forma, a próxima seção trata de questões pertinentes à configuração da questão política, olhando mais detidamente para as concepções de democracia, liberalismo, estrutura estatal e intervencionismo. Esses aspectos estão profundamente entrelaçados, sendo divididos neste trabalho apenas por uma questão metodológica. Na seção 4, o tema de análise é a tensão entre agricultura e indústria, que podem revelar o tenso pêndulo entre vocação agrária e vocação industrial.