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Termos/temas que permanecem constantes

2 UM BALANÇO DA ERA VARGAS E A PROPOSTA DE PESQUISA

3.3 SISTEMATIZAÇÃO TEMÁTICA – UM CONTEXTO EM MUDANÇA

3.3.2 Termos/temas que permanecem constantes

Acerca dos termos/temas que permanecem no decorrer de praticamente toda A Nova Política, não se detecta alterações em relação ao seu sentido, conceito ou finalidade.

a) política do café; 30

30 Esse termo/tema requer melhor qualificação. Neste trabalho, reconhece-se que a economia cafeeira recebeu tratamento/peso diferenciado ao longo do primeiro governo Vargas. Para a Aliança Liberal, o café refletia a forma de aprisionamento do Estado uma vez que ele era o mote que sustentava os últimos momentos da Primeira República. A estrutura cafeeira era, portanto, a expressão da oligarquia, do ultra federalismo, da crise de 1930, da carestia, da questão social, enfim de todo o conjunto de mazelas que gerou a Revolução de 1930. Após a instalação do Governo Provisório, o café continuou sendo um problema para o grupo varguista, dado que ele estava associado à monocultura e às vicissitudes desse modelo, opondo-se assim, ao ideal da policultura, premissa intensamente defendida pelo governo entre 1930 e 1945. Concomitantemente, a política do café adquiria cada vez mais novas significações, sobretudo auxiliar no equilíbrio da balança de pagamentos para gerar divisas que, posteriormente, seriam canalizadas para o financiamento industrial. Essa característica específica (visão e finalidade) apontada acima colocaria a política do café no grupo de termos/temas que receberam rotação de sentido, ao acompanhar o deslocamento do agrarismo para o industrialismo. Esse enfoque será analisado na última seção deste trabalho. Por ora, ao considerar a política do café como um dos temas que permaneceram

b) desenvolvimento do mercado interno;

c) policultura e rompimento com a monocultura; d) redução de importações e aumento de exportações; e) educação: capacidade técnica e ensino profissional; f) reformas sanitárias: saúde pública, saneamento básico; g) questão social;

h) proteção do trabalhador (harmonia e sindicalização); i) organicismo e corporativismo;

j) função e reaparelhamento das Forças Armadas (indústria bélica e desenvolvimento nacional).

Dividimos o grupo 2 em três eixos, que se constituem dos seguintes termos consecutivamente: 1) política do café, policultura, redução de importações e aumento das exportações e desenvolvimento do mercado interno; 2) educação, reformas sanitárias, questão social e proteção do trabalhador, organicismo e corporativismo; 3) reorganização e reaparelhamento das Forças Armadas.

O primeiro bloco expressa o âmbito político-econômico e demarca as ações governamentais em relação à centralização das decisões, aos investimentos na produção e à intervenção estatal. Salvo as medidas de cunho mais econômico – cambial, financeira, tributária – a política do café desenvolvida pelo primeiro governo Vargas seguia a crítica à valorização do produto centrado no preço da venda. Depreendia-se deste raciocínio a necessidade de uma intervenção estatal no âmbito da produção. É fato que esse termo tornou-se menos frequente, sobretudo a partir do Estado Novo, porém, quando ele aparece, segue essa lógica de argumentação.

Consequentemente, o deslocamento para o mercado interno, a política de incentivo de barateamento da produção, aumento da capacidade produtora e a constante busca por mercados (nacionais ou internacionais) expressavam as possibilidades/alternativas comerciais brasileiras diante da crise mundial. Logo, o Governo considerava crônico o desafio econômico brasileiro que seria aumentar e baratear a produção, através de intervenção e melhor capacidade técnica para abastecer constantes em A Nova Política remete-se aqui, exclusivamente, a uma lógica intocada no decorrer do primeiro governo Vargas: a forma de intervenção sobre a produção. Ou seja, a ação estatal deveria ocorrer para baratear a produção e não simplesmente a comercialização do produto, e é nesse sentido que ela é tratada nesta seção.

o mercado nacional e exportar o excedente. Daí a necessidade de romper com a estrutura monocultora e estimular a policultura. Para o governo, esta premissa evidenciava os perigos da dependência em relação a um único produto e ressaltava a diversificação da capacidade produtora. Dessa maneira, não apenas o café, mas também o açúcar, o algodão, o cacau, a borracha, a produção de artefatos industriais e todos os demais produtos seriam capazes de direcionar esse deslocamento e corresponder à necessidade de redução das importações e aumento das exportações.

A política do café, a diversificação econômica, o desenvolvimento do mercado interno, a redução das importações e elevação das importações perpassam toda a coletânea. Mesmo quando as prioridades do Governo se movimentavam, esses aspectos e suas finalidades acompanhavam inalterados esse deslocamento.

O mesmo acontece com o segundo eixo: as políticas sociais. As diretrizes centrais da questão social pouco se alteram ao longo do primeiro Governo Vargas. Não detectamos modificações significativas em relação à educação, reformas sanitárias, questão social, proteção do trabalhador. Esses elementos vinham acompanhados da justificativa corporativista que prezava pela substituição do conflito de classes pelo conceito orgânico de organização social, no qual exaltava a função do Estado como árbitro das classes sociais e garantia do equilíbrio social entre elas. Vale lembrar que essas medidas não permaneceram somente até o fim do Estado Novo, mas ecoaram por longo tempo no cenário nacional.

O argumento do Governo em relação à política trabalhista era o de realizar uma oposição entre “caso de polícia” e “questão social”. Segundo ele, não poderíamos regressar às condições anteriores a 1930, quando a política desenvolvida era de Estado- polícia, chamado apenas para intervir quando se precisava coagir e abafar as reivindicações do povo e dos trabalhadores. Isso permaneceu como argumento para a criação do Ministério do Trabalho e para a elaboração de suas ações; para a sindicalização; para a anulação dos intermediários entre Estado e povo, durante o Estado Novo; para a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943; e para o processo efetivo de alinhamento entre Vargas e os trabalhadores, observado no final do Estado Novo.

Da mesma forma, o conceito e a finalidade31 da educação não se alteram nos discursos de A Nova Política. Não há a pretensão de uma educação transformadora e humanista, mas uma concepção técnica e utilitária. O modelo educacional, centrado no ensino técnico e profissional seria a principal bandeira do primeiro Governo Vargas, e tinha papel bem definido nos discursos: a educação primária e técnica profissional para a formação do trabalhador; a educação do ensino superior para preparar as elites.

Seja num país agrário ou industrial havia, segundo A Nova Política, a necessidade de qualificação da força de trabalho para a diversificação e barateamento da produção. Nos campos, uma educação de racionalidade agrária; nos centros urbanos a formação para a indústria. Cabe destacar que a referência aos trabalhadores rurais viria apenas neste caso: a preparação para o trabalho agrícola que precisava adquirir novos métodos de cultivo.

Pode-se observar uma estrutura semelhante no terceiro eixo de avaliação: as Forças Armadas. No primeiro caso, os argumentos são mais constantes, com destaque a participação do Exército, na vida política nacional e nos momentos de manifestações sociais, como garantidor da ordem e fortalecedor do progresso moral. Essas assertivas são semelhantes em momentos cruciais de sustentação política do governo Vargas: 1930, 1932, 1935 e 1937 e ao longo do Estado Novo.

No entanto, na vinculação entre Forças Armadas e desenvolvimento notam-se diferenciações. Em 1930, o grupo varguista considerava que quanto mais houvesse desenvolvimento material de uma Nação, maior era a preocupação com sua conservação e defesa. Afinal, só não se preocupa com a defesa quem tem pouco a perder. Nesse aspecto, a aliança com os militares mostrava-se estratégica ao Governo para garantir, desde o início, a nacionalização dos recursos naturais, sobretudo envolvendo o problema siderúrgico, demanda histórica de alguns setores da instituição.

Entretanto, as Forças Armadas foram ganhando espaço nos discursos oficiais a partir do final de 1934. É possível perceber sua convocação progressiva, sobretudo na conjuntura da revolta de 1935, pelo viés da segurança nacional. No Estado Novo, as instituições militares, parceiras do Governo, auxiliariam na manutenção da ordem e da disciplina, consideradas necessárias para o progresso nacional. Em A Nova Política do

31Para evidenciar essa questão reproduzimos uma das passagens que o governo sintetiza sua concepção: “Refiro-me à educação, no significado amplo e social do vocabulário: física e moral, eugênica e cívica, industrial e agrícola, tendo por base a instrução primária de letras e a técnica e profissional” (VARGAS, 1938, v.1, p.124. Discurso pronunciado no Palácio do Catete, instalando a Comissão Legislativa, em 4 de maio de 1931).

Brasil, portanto, as Forças Armadas são apresentadas como um dos elementos centrais na reconstrução moral, material e disciplinar da Nação. Mesmo na derrocada do Estado Novo, Vargas não negou essa função das Forças Armadas, ao contrário, tentou, mesmo que sem sucesso, restabelecer as alianças com essa instituição.

Pensado em seu conjunto, os três eixos apresentados no grupo 2 parecem expressar algo em comum dentro do pensamento do primeiro governo Vargas: remetem, explicitamente ou não, a atores sociais e políticos que importantes naquela conjuntura, articulados ou não em torno do Estado. Se por um lado, a política agrária, evidenciada pela política do café, remetia ao tradicional grupo oligárquico e aqueles que trafegavam na órbita da economia cafeeira, por outro, as políticas sociais remetiam à mediação do Estado entre dois outros grupos importantes ligados a produção: o capital e o trabalho. Isto é, a política trabalhista tinha uma finalidade invariável: promover a harmonia entre os elementos da produção, consonância necessária para manter esses atores sociais vinculados ao Estado. Por fim, as Forças Armadas, com atenção especial ao Exército, sempre foi considerada pelo primeiro Governo Vargas como importante ator para garantir a ordem e a harmonia nacional, tão valorizada por ele, e para assegurar a nacionalização dos recursos nacionais, antiga bandeira militar.