• Nenhum resultado encontrado

Como qualquer etnógrafo de abalada para o trabalho de campo, che- guei sempre a Bragança ávido de descobertas, atento ao contingente, ao acaso, ao evento furtivo, ao lapso. O conhecimento não tem apenas por alvo o regular, o repetitivo ou o previsível. No entanto, também me in- teressavam as evidências indiciadoras de padrões de comportamento, sempre de pé atrás ante a possibilidade de as descobertas acidentais po- derem representar mais do que a realidade observada. Num dos albergues em que me alojei em Bragança, o hotel residencial São José, havia um pássaro caturra, o Piccolini, que de vez em quando lançava assobios ga- lanteadores às hóspedes do sexo feminino. Quem o ensinou? Aprendeu por imitação? Ou era mera coincidência que o assobio se soltasse à pas- sagem de um rabo de saia?

Na minha primeira incursão de trabalho de campo, em novembro de 2013, não encontrei sedutoras de além-mar com a facilidade que supu- nha. Ainda pensei que pudessem andar a rondar o castelo de Bragança, como apareciam na capa da revista Time, em outubro do mesmo ano. E para lá rumei, ao cair da noite, deixando-me levar no engodo da in- tensidade dramática da fotografia da capa da Time, duas prostitutas to- mando de assalto o castelo, numa representação fotográfica impregnada de um flagrante poder simbólico, o da conquista. Por lá andei às voltas ao castelo mas, desgraçadamente, só fantasmas imaginados o poderiam habitar ou rondar. Depois vim a saber, por um taxista de Bragança, que, ingenuamente, havia sido levado ao engano. O simpático taxista escla- receu-me: «Quando puseram na revista Time as mulheres com o cu para o ar, desculpe o termo por dizer assim, mas estavam mesmo com o cu para o ar, que foi além no castelo, elas foram pagas para fazer isso, e quem pagou isso foi a revista Time. O trabalho delas não era ali. Aqui em Bragança não há mulher no canto da rua! Nunca!» Posteriormente, o proprietário de uma casa de alterne de Bragança contou-me que um

fotógrafo da Time lhe pedira duas meninas, «duas meninas para passear, se podia» e as «meninas lá foram, trezentos euros, fosse para o que fosse trezentos euros, e afinal ele utilizou-as para as fotografar. Foi lá e foto- grafou-as no castelo [risos]. Estavam a ganhar trezentos euros, qual era o problema!»

Por onde andavam as sedutoras de além-mar? Alguns bragançanos – reproduzo entre aspas as expressões nativas – informaram-me que elas ti- nham «sumido» e as poucas que circulavam pela cidade eram muito «dis- cretas», talvez «assustadas» pelo burburinho recente. Outrora era diferente, o «colorido era outro», andavam em bandos de três ou quatro pela cidade, vestiam roupas «elegantes», «chamativas», «provocantes» – blusas curtas, com a «barriga de fora», e calças jeans ajustadas ou minissaias de «arrepiar». Eram frequentemente vistas nos correios e em cabinas telefónicas. Iden- tificavam-se facilmente pelo sotaque pois costumavam falar em tom ele- vado. Por vezes, em cabeleireiros e outros estabelecimentos comerciais, eram convidadas a ser mais comedidas no falar e nos risos. Também cir- culavam às compras, acompanhadas de «senhores com mais idade». Uma atenta comerciante testemunhou: «Elas carregavam muitos pacotes e dis- tribuíam carinho e beijinhos ao companheiro.» A proprietária de um res- taurante informou que eram discretas no porte e quando transitavam pela cidade aparentavam ser «pessoas normais», como se a assunção desta nor- malidade relativizasse o carácter pouco abonatório da sua profissão.

Depois dos acontecimentos de 2003 – a eclosão do movimento das mães e a reportagem da Time – apenas esporadicamente se via uma ou outra brasileira circulando pelas ruas de Bragança. Sentiam-se lisonjeadas com os olhares e piropos dos homens mas incomodadas pelo desdém como eram olhadas por algumas mulheres da cidade: «Vai à rua e elas olham com olho ruim, mas é assim mesmo, tem que passar por isso.» Contudo, o mau olhado não era partilhado por muitas outras mulheres da cidade, embora compreendessem o melindre da situação: «A culpa não é da mulher brasileira nem da portuguesa. A culpa é dele [de quem recorre à prostituição] que não tem cabeça! [...] Se ele estraga a vida com uma mulher brasileira, também a poderia estragar com outra mulher qualquer.» Um bragançano, amigo da noite e das brasileiras, desabafou: «É engraçado, até essa história rebentar na televisão, revista e jornais, nin- guém se queixava; entravam em qualquer loja, eram bem atendidas... de- pois dessa história, acho que sim, havia pessoas que olhavam para elas de lado, que lhes mandavam bocas, “estas putas”, não sei quê... mas havia muita gente que vivia delas: cabeleireiras, taxistas, prontos a vestir, casas de telemóveis. Perderam. Toda a gente se queixa.»

Enredos Sexuais, Tradição e Mudança

De bloco de notas e gravador na mochila deambulo pelo centro his- tórico da cidade de Bragança, registando, em conversas indagativas, opi- niões soltas sobre o movimento das mães: do empregado de mesa que me serve o café; do polícia com ar pachorrento, de mãos atrás das costas, a quem peço a localização de qualquer rua; do vendedor do quiosque a quem adquiro o Correio da Manhã e alguns jornais regionais; do farma- cêutico a quem peço informações sobre o negócio de preservativos, de- pois de lhe comprar um fio dental para me livrar dos resíduos da posta mirandesa. Vou anotando as informações no bloco de notas. Não me interessa apenas saber se o que dizem corresponde ou não à realidade. Interessa-me também desvendar a realidade do que dizem. Dirijo-me à paragem de táxis, onde se encontra estacionada uma longa fila deles. Os taxistas conversam em pequenos grupos de dois ou três. Quando me aproximo de um grupo, dizendo ao que ia, há quem se posicione for- mando um círculo à minha volta enquanto outros desandam, obser- vando-me discretamente. Ganho consciência de que sou parte do campo de observação que observo. Quase em uníssono, os que me rodeiam ma- nifestam-se contra o movimento das mães e o encerramento das casas de alterne. Dizem ter sido um prejuízo para o comércio e para si próprios. Um deles confessou que, certo dia, uma «mãe fora de si», entrou no seu táxi pedindo-lhe que a levasse a uma casa de alterne, onde pretendia es- faquear uma prostituta brasileira. Lá a tentou demover, como pôde, con- vencendo-a: «O problema é do seu marido, minha senhora.»

Um dia, manhã cedo, ao dirigir-me às instalações do Jornal Nordeste, subindo a rua Loreto na continuação de Alexandre Herculano, dou de caras com a Bruxa,1 uma das mais conhecidas boîtes de Bragança. Impul-

sivamente, bato à porta mas ninguém me responde. Constato que, efe- tivamente, está encerrada. Ao mesmo tempo comprovo a figura de parvo de quem bate à porta de uma boîte pouco tempo após as badaladas das nove da manhã. Em frente da Bruxa avisto uma barbearia e cabeleireiro de homens, o Salão Pires. Entro? Não entro? Questiono-me sobre se a ida ao barbeiro será uma atividade suficientemente digna para merecer o estatuto de científica. A pretexto de cortar o cabelo – dada a manifesta falta do mesmo, o pretexto não era muito convincente – decido, mesmo

A todo-o-terreno: subir ou não subir

1A Bruxa era «a mais requintada discoteca de Bragança, em tempos de grandes mu-

danças na pacatez da vida citadina». No piso superior da Bruxa existia a Polizárdio, um espaço de comercialização de Alta Fidelidade que, posteriormente, haveria de ser absor- vido pela discoteca como lugar de encontros sexuais. Ver Fernando Calado e Orlando Bragança, O Dito e o Feito. A história das Empresas de Bragança (Bragança: Edição da Revista Amigos de Bragança, 1996), 168-169.

assim, entrar na barbearia. Corte catita, à transmontana, com um ponto de interrogação vincado, a ladear cada uma das orelhas. Como quem não quer a coisa vou direto a ela, sub-repticiamente. Afirmando-me de passagem pela cidade, interrompo a sinfonia das tesouradas com uma pergunta aparentemente desinteressada: «Então, a Bruxa ali à frente já fechou?» Os dois barbeiros – o que me cortava o cabelo e o que, ao lado, secava o cabelo à empregada do salão – abanaram afirmativamente a ca- beça, lamentando o ocorrido. «Uma perda para a cidade», suspirou um deles. Perguntei-lhes se as raparigas eram provocantes. Que nada, com- portavam--se «normalmente», não provocavam «escândalo nenhum». Por vezes, «os homens metiam-se com elas, mas logo desandavam». E, assegu- raram-me, davam lucro aos comerciantes: lavandarias, cabeleireiros, taxis- tas, casas de moda, perfumarias e até a alfaiataria do lado – a do Jaleco – lucrava, pois algumas raparigas pediam-lhe arranjos de calças. Também costumavam revelar fotografias na casa Arper Molduras e cuidavam da linha corporal no Brigantino Ginásio, estabelecimentos comerciais fron- teiros à Bruxa. E os cafés ao lado da Bruxa? «Oh! [exclamavam], o Sta- dium e o Alcandeia tinham muita clientela, era um ver se te avias!» Elas e eles. Elas gostavam de francesinhas. Eles, depois da noite com elas, não abalavam sem tomar o «mata-bicho».

Entre outras, contaram-me a história de uma mulher que, uma noite, veio resgatar o marido à porta da Bruxa, logo que descobriu onde ele se perdia em vícios clandestinos. Assim que a exaltada mulher assomou à porta da boîte, um amigo do suspeito, informado pelo porteiro, foi a correr avisá-lo de que a sua furibunda mulher o esperava. Então, o atarantado marido da mulher que não queria ser enganada decidiu retardar a saída, para a dissuadir da espera. Mas a mulher não arredou pé, ficando à espera dele «horas a fio», a expressão devolvo-a tal qual me chegou da boca do barbeiro, pois podendo não traduzir a contabilidade exata do tempo de espera, ilustra figurativamente a impaciência de quem sói dizer-se que de- sespera da espera, embora sem sinais de desistência: «Daqui não saio, daqui ninguém me tira», dizia ela para o porteiro. Até que, depois de mui- tas insistências, conseguiu que a deixassem entrar na Bruxa, segura ela es- tava de apanhar o marido em flagrante. Sabendo do plano da sua mulher, congeminou ele próprio um contraplano de fuga, em conluio com o amigo, o porteiro e a amante. Antes de franquearem as portas da boîte à mulher, ele subiria a um dos quartos mais acessíveis do prédio da Bruxa, desta feita não para trocar 30 minutos de prazer por 30 euros, mas apenas para dar um salto da varanda do quarto para a rua. Desse modo se furtaria ao encontro indesejado com a sua mulher, talvez mesmo acabasse por

Enredos Sexuais, Tradição e Mudança

salvar o casamento, para não falar da própria vida. A rua ficava à distância de um primeiro andar, mas a aflição foi tão grande e o salto tão ataba- lhoadamente dado, que o infeliz acabou por partir um pé.

Depois de sair da barbearia, avalio com os meus próprios olhos a dis- tância da varanda à calçada da rua. Colocando-me no lugar do perse- guido marido, concluo que não teria grandes dificuldades em dar o salto sem me amachucar. Uma coisa, contudo, é a avaliação de ações desen- volvidas em condições de objetividade normalizada. Outra coisa é tomar as ações no contexto de circunstâncias que as podem perturbar. Dou mais uma olhadela à varanda e imagino o voo do pobre homem a esta- telar-se no chão. Decido depois «mata-bichar» no café Stadium. Poucos minutos passavam das 10 da manhã. Em cinco distintas mesas vi cinco homens isolados, também eles «mata-bichando». Três tomavam, cada um deles, um copo de vinho. Dois teriam tomado chá ou café com leite, pois duas chávenas – que pelo tamanho não eram de café – repousavam na mesa. Um lia o jornal. Os outros quatro olhavam a televisão. Todos, aparentemente, à procura de novidades.

Pedi uma sandes de fiambre – «pouca manteiga, por favor» – e descar- tei o desejo de um copo de leite, para não avolumar suspeitas, depois da recusa à prova do vinho da casa. Em alternativa, optei por uma bica – «escaldada e não queimada, por favor». Vinha italianizada e logo percebi a razão quando vi o empregado com uma suspeita garrafa na mão, já em plano inclinado: «está bem, ponha um cheirinho». Depois de escrever as anotações de campo, ainda com travo na boca a café abagaçado, fechei o bloco de notas, paguei a conta e fui no encalce de uma mãe de Bra- gança, cujo contacto havia descoberto por linhas travessas, quer dizer, perguntando aqui e ali, cruzando informações, como o faz qualquer de- tetive. A mãe recebeu-me afavelmente, deitando por terra todos os meus falsos temores. Falei-lhe do queixume dos comerciantes pelo encerra- mento das casas de alterne. Tentou convencer-me de que se eles se go- vernavam antes da vinda delas, logo poderiam continuar a governar-se. Quanto aos «transportadores das gajas boas» – assim designou os taxistas – esses passavam todo o dia a «pachá-las». «Pachá-las?» «Sim, guardá-las!» O seu marido começara a «ir às putas» em 2002. Frequentava a Bruxa, a ML, a Top Model e a Seara. Depois de me mostrar um exemplar da re- portagem da Time – «O que aí vem é tudo verdade!» – queixou-se da ino- perância das autoridades locais, além de que, qualquer que fosse a recla- mação, exigiam «tudo por escrito». O que lhe valeu foi o Serviço de Estrangeiros de Lisboa – muitos telefonemas fez para lá – pois em Bra- gança, lamentou-se, pouco ou nada a ajudavam. Uma outra mãe viria

depois a confessar-me que nem o bispo de Bragança as apoiara como elas desejavam e haveria mesmo quem na Igreja dissesse que «as mães eram umas loucas». Mas ela sabia – «olha, olha!» – que até o padre de uma terra vizinha «andava no putedo». E quanto à polícia rematou: «mamam todos», devendo entender-se por «todos» o coletivo identifi- cado com a parte inimiga. Perguntei-lhe a que horas o marido chegava a casa. Respondeu-me que «quando as cadelinhas iam para casa ele vinha também, de manhã». Descobriu que elas viviam na Rua São João de Brito, no centro da cidade. O marido, ou ficava na ML, no piso superior da discoteca, onde se davam os encontros, ou da ML ia para um aparta- mento com uma delas. Neste caso, gozada a noite, levava a rapariga de volta à ML e regressava a casa. O pior, queixou-se, foi quando o dinheiro começou a faltar. Foi então que «o caldo entornou», as desavenças tor- naram-se diárias pois «casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão». O marido «transformou-se do dia para a noite». Sem razão aparente começou a «partir a louça toda ao louceiro». A profissão da mãe que tão bem me recebeu, como a do marido que mais tarde vim a co- nhecer, não as posso revelar por bom senso e razões éticas, dada a neces- sidade de salvaguarda do anonimato. Quanto muito poderei dizer que pertenciam a uma pequena burguesia proprietária e remediada, isto antes de o marido começar a estourar os ganhos nas saídas noturnas. Os filhos, disse-me a mãe, sabiam que o pai «ia para as pretas». «Pretas?» – questio- nei-a. Ao que me respondeu: «Café com leite». Concluí que as cores não são apenas usadas para diferenciar, também servem para estigmatizar. Re- matou a sua ira sustentando que «os homens têm ilusões de macacos».

A agressividade desta desconsolada mãe para com as trabalhadoras de sexo brasileiras misturava argumentos racionais com ressentimentos emocionais. Por exemplo, explicou-me que algumas casavam com ho- mens portugueses para «ficarem legais». Argumentou depois que «as es- pertalhonas mandavam depois vir os filhos» que tinham «abandonado no Brasil» e «os «desgraçados» caíam na «esparrela que nem uns pati- nhos», ficando com mais dependentes a cargo: «veja lá, não aturam os filhos deles e aturam os dos outros». Quando a questionei sobre se as brasileiras tinham algum poder especial de atração sobre os homens por- tugueses falou-me das «mistelas» que elas usam para os endrominar: «Devem levá-los à Lua!» Depois desfilou lamentos de amarrações, man- dingas e trabalhos de encruzilhada. Nem as súplicas a São Vicente re- sultavam: «Ó meu São Vicente, capela dos cravos, vós sois o amparo dos homens casados.» Também se referiu aos dotes físicos que elas exi- bem «à escancarada», para seduzirem os homens: «Elas gostam de andar

Enredos Sexuais, Tradição e Mudança

descapotáveis»; «andam com o umbigo à mostra»; «parecem formiguei- ros, havia de vir cá no verão». Depois acusou-as de mostrarem tudo, das «pernas» aos «dentes», como se a simpatia de um sorriso pudesse signi- ficar o franquear do corpo inteiro. E a culminar: «andam todas bambo- leando o cu». Por aqui vemos que a eficácia simbólica da estética cor- poral se traduz na incorporação pelo corpo da significação do que o corpo já é enquanto representação social.

No dia seguinte entrevistei outra mãe, conhecida por ter tido a cora- gem de socar o segurança de uma discoteca. Com dois filhos, também me recebeu com cordialidade, revelando um carácter de mulher decidida: «Salvámos muitos casamentos!» – referindo-se ao êxito do movimento das Mães de Bragança. Depois de uma luta sem tréguas, o marido voltou para casa, pedindo-lhe «perdão». E não tinha dúvidas, o pesadelo havia terminado graças a forças divinais. Lembra-se perfeitamente do dia em que o marido se arrependeu: «se tu não me quiseres, outra mulher não quero». Tudo mudou: «Agora nem sai à noite sozinho. Ontem foi ao mecânico e pediu ao filho para ir com ele». Quando andava com «elas», garantiu-me a reanimada mãe, o «pobre coitado» não tinha controlo, «tudo o que ganhava estourava». Foi um período muito difícil, nem sabe como aguentou. Emagreceu 20 kg, teve problemas psicológicos, chegou mesmo a ser internada. O marido caíra na «má vida» por culpa das «más companhias». Explicou-me que «mulheres é como droga». Como diz o ditado, «trair e coçar é só começar». Falou-me da influência dos viciados: «querem ir uns com os outros, arrastam-se»; «se não vão fazem figura de fraco»; «coisas de homens».

O marido tinha predileção por uma mulata, traçada de índia: «Era feia!» Quando lhe atirava à cara que a mulata andava com um rapaz sol- teiro, o marido respondia-lhe que «não a queria mas não conseguia deixá- -la». Uma vez, a frustrada mãe dirigiu-se ao proprietário da casa onde ela se prostituía, ameaçando matá-la. O proprietário ainda a sopeteou: «se a mata, a minha casa fica mais famosa!» Até que um dia enfrentou-se com ela, de pistola em punho: «Oh pernas para te quero! Puta que te pariu!» Fugiu em desespero. Depois encontrou-a por duas vezes e deu-lhe uma «carga de porrada». Não lhe deseja mal, apenas «que Deus a abençoe e que ela saia daquela vida». Soube que ela fugiu para o Algarve, com medo de mais pancada. Mas pouco tempo depois voltou: «Elas agarram-se a quem tem dinheiro.» Pelas suas contas, só em Bragança havia «mais de 100 casais desfeitos e elas a viver à conta deles». Contou-me que o marido chegou a passar fome, pois «chapa ganha, chapa gasta», tudo o que ga- nhava o gastava com «elas». O filho chegou a pedir-lhe: «Mãe, dá-me

comer para levar ao pai.» Quando recebia dinheiro ia logo ter com elas. Chegou a pedir dinheiro aos amigos. Para comer. Quando regressava a casa, vinha drogado: «parecia um palhacinho, não vinha bem». Veio de- pois a descobrir que a mulher do proprietário de uma das discotecas «metia droga nas bebidas». E o marido já tinha a «dose» aviada: «O meu marido estava cheio de porcarias dentro dele.» Assegurou-me: «Pretos e brasileiros em bruxarias são terríveis!» E acenando com a cabeça na ver- tical: «elas também usam um chá de amarração!» Como conseguiu livrar o seu marido das bruxarias? – perguntei-lhe. Baixando o tom de voz res- pondeu-me: «Através da oração.» E num desabafo suspirado: «Sofreu muita gente, há muita gente que ainda está a sofrer.» É esse desesperado estado de sofrimento que leva algumas mães a buscarem apoio junto de videntes, curandeiros e bruxos para que os seus incorrigíveis maridos vol- tem ao tálamo conjugal. Porém, mesmo quando lhes parecem «desamar- rados» por efeito de orações, defumações ou contrafeitiços, não desapa-

Documentos relacionados