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4 AS PALAVRAS COMUNICAM SIGNIFICADOS: ANÁLISE DOS

4.1 CONSIDERAÇÕES E ANÁLISE

4.1.1 Análise argumentativa dos textos históricos

4.1.1.3 Texto 03: Experimento proposto à Royal Society para verificar a

O texto a seguir consistiu de uma descrição da hipótese de um fluído elétrico único, a qual Franklin escreveu para Collinson em 20 de julho de 1750:

Para determinar esta questão, se as nuvens que contém o relâmpago são eletrificadas ou não, eu proporei um experimento para que se tente em um lugar onde possa ser convenientemente testado. No topo de alguma torre ou precipício, coloque uma guarita suficientemente grande para conter uma pessoa e um suporte elétrico. No meio deste suporte, coloque uma vareta de ferro curvada para fora da porta e com uma envergadura para cima de 20 a 30 pés e deixe sua extremidade bem pontiaguda. Se o suporte elétrico for mantido limpo e seco, o homem que estiver sobre ele deverá ser eletrificado, quando uma dessas nuvens passar mais baixa e produzir faíscas enquanto a vareta atrai o fogo desta nuvem para si mesma. Se houver algum perigo ao homem (eu creio que não haverá nenhum), deixe-o em pé sobre o chão de sua caixa e de agora em diante, coloque próximo da vareta uma volta de arame com uma de suas extremidades afastadas e a outra envolvida em cera para que ele a segure; então a faísca, se a vareta estiver eletrificada, será lançada da vareta para o arame, sem afetá- lo (FRANKLIN, 1941, p. 222).

Franklin iniciou o texto enquadrando o real de modo que seu interlocutor aceitasse como verossímil a opinião proposta, fazendo-o por meio de um argumento de autoridade, (BRETON, 2003). Isto se confirmou pelo texto prescritivo, a partir da terceira linha, no uso dos verbos no modo Imperativo: ―coloque‖ e ―deixe‖, visando induzir o interlocutor a fazer algo, ou seja, persuadir Collinson a realizar, no caso, o experimento, já anunciado no início do texto. Franklin apresentou-o como uma proposta ―eu proporei um experimento‖, o que levou interlocutor a sentir-se livre para testar ou não, mas, na realidade, Franklin o desafiou, pois, para concordar ou discordar teria que fazer o experimento.

Vimos em Breton (2003) que uma das regras éticas da argumentação exige que o auditório seja livre para aderir à opinião que lhe foi proposta. Esta regra decorre do caráter verossímil da opinião.

É importante ressaltar que este caso constituiu uma espécie de paradoxo, ao mesmo tempo em que o orador defendeu uma opinião, propôs ao auditório, eventualmente, que não viesse aderir à tese defendida. Porém, utilizando um argumento de autoridade baseado em um saber e na sua função exercida, Franklin lhe conferiu uma competência científica suficientemente ampla que legitimou a sua suposição de que o relâmpago é um fenômeno elétrico (BRETON, 2003). A expressão utilizada ―nuvens que contém o relâmpago‖ mostra ―uma relação entre conceitos expressos de uma só vez pela metáfora‖ (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 453). Vimos que esta analogia explicitou completamente a ideia primordial de Franklin; a carga elétrica acumulada pelas nuvens, razão pela qual ocorre o relâmpago.

Além do texto prescritivo, o autor fez uma imposição; ―se o suporte‖, em que o termo ―se‖ mostrou uma condição, só dará certo o experimento se o suporte for mantido limpo e seco. Esta força argumentativa impôs uma condição para o sucesso do experimento.

Em decorrência das condições impostas, Franklin pôde antecipar o resultado ―o homem que estiver sobre ele deverá ser eletrificado‖, em que ―o homem‖ pode representar uma metonímia: o termo estava simbolizando ―ser humano‖ (espécie), ou seja, a parte pelo todo. Para Lakoff e Johnson (2002, p. 93), a metonímia além de favorecer a compreensão do fenômeno, ―tem principalmente uma função referencial, isto é, permite-nos usar uma entidade para representar outra‖. Nesse caso, em que a parte representou o todo, ―ela permite-nos

focalizar mais especificamente certos aspectos da entidade a que estamos nos referindo‖, evidenciando o fenômeno da descarga elétrica que poderia ocorrer entre a nuvem e a vareta, de extremidade pontiaguda e, consequentemente, a eletrificação da pessoa sobre o suporte elétrico. O uso da metonímia ―(PARTE PELO TODO)‖ não consistiu apenas de um recurso linguístico, ela fez ―parte da maneira como agimos, pensamos e falamos no dia-a-dia‖ (LAKOFF E JOHNSON, 2002, p. 93).

Podemos constatar que Franklin utilizou o adjetivo ―baixa‖ em que comumente utilizar-se-ia o advérbio de lugar ―baixo‖ para se referir à posição da nuvem. Nesse caso, o objetivo foi focar mais a nuvem, a proximidade da mesma; condição que favoreceu a descarga elétrica. Para Reboul (2004, p.124) esse deslocamento gramatical: do adjetivo para o advérbio constituiu a figura de retórica denominada enálage. Nesse contexto, ―a enálage tornou as coisas mais presentes, embora também mais confusas‖.

Vimos também o uso do termo ―se‖ e do pronome de indeterminação ―algum‖ na frase: ―se houver algum perigo‖, em que a força argumentativa foi menosprezar a possibilidade de perigo, ou seja, indicou uma possibilidade remota da pessoa ser eletrificada. Para reforçar esta ideia Franklin afirmou: ―creio que não haverá nenhum‖. Ele se posicionou no texto e forneceu algumas explicações e informações a mais com o objetivo de persuadir o interlocutor a realizar o experimento. Para tanto, Franklin estabeleceu novas condições para minimizar o perigo da eletrificação.

Para exprimir a descarga elétrica entre a nuvem e a vareta; ―a vareta atrai o fogo desta nuvem‖, Franklin utilizou novamente o oxímoro que ―consistiu em unir dois termos incompatíveis, fazendo de conta que não são‖ (REBOUL, 2004, p.125).

De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.472), a incompatibilidade dos termos equivale à ―dissociação que dá origem ao par ‗aparência-realidade‘‖. Ainda a respeito dessa incompatibilidade estes pensadores esclarecem:

[…] a necessidade de distinguir a aparência da realidade nasceu de certas dificuldades, de certas incompatibilidades entre aparências; estas não mais poderiam, todas, ser consideradas a expressão da realidade, se partíssemos da hipótese de que todos os aspectos do real são compatíveis entre si (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.472).

Na composição do texto de Franklin, observamos a figura de construção denominada zeugma, que consistiu em ocultar determinadas palavras. Disso adveio a sua força argumentativa de persuasão por tornar a elocução dos argumentos mais coerentes.

4.1.2 Análise dos argumentos dos alunos decorrentes das discussões ocorridas após as atividades de leitura dos textos históricos

No dia 30 de julho de 2008, filmamos as discussões feitas pelos alunos dos textos históricos apresentados no capítulo 2, deste trabalho. Isto foi feito como finalização do trabalho desenvolvido no decorrer do segundo bimestre quando outras leituras sobre o evento da eletricidade, como o trecho do livro “A Escalada da Ciência” de Brian L. Silver, por exemplo, foram realizadas com os alunos. Cotejar a História das Ciências quanto ao evento da eletricidade proporcionou aos alunos os subsídios teóricos necessários para fazer questionamentos, formular hipóteses e compreender o processo de construção do conhecimento bem como, apreender o fenômeno elétrico apresentado pela matéria sutil e invisível.

Revisitar a história da eletricidade desde a sua gênese; primeiras manifestações elétricas observadas por meio do atrito do âmbar com um material adequado, passando pela unificação da eletricidade e do magnetismo, até o desejo de Einstein de ―amalgamar‖ eletromagnetismo com a força gravitacional, unificação total das forças da natureza (SILVER, 2003), contribuiu significativamente para que os alunos compreendessem alguns aspectos inerentes ao desenvolvimento científico, também revelados pelos textos de Dufay e de Franklin referentes à eletricidade do século XVIII.

As duas aulas em que ocorreram os debates, tanto sobre os textos históricos como a respeito das fontes de energia elétrica, foram filmadas. Neste item, apresentamos partes das transcrições para descrever a análise das figuras de retórica nas argumentações dos alunos referentes aos textos históricos. Para a transcrição convencionamos indicar com a letra P a fala da professora e com a letra E acrescida de um algarismo numérico para indicar a fala dos estudantes.

Para manter preservada a identidade dos alunos, item que consta no termo de consentimento, por ocasião da aprovação do projeto de pesquisa no Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos – COPEP – em 18 de julho de 2008, os alunos foram enumerados como E1, E2… E15, de acordo com a relação dos alunos no livro de chamada. Nesta aula, seguimos com a leitura dos textos 01, 02 e 03, anteriormente enunciados, acerca do tema energia elétrica com as respectivas discussões. Tratamos de uma situação de ensino em que ocorreu uma reconstrução dos conceitos envolvidos no fenômeno elétrico sobre a história da eletricidade.

4.1.2.1 A primeira aula na 3ª série do Ensino Médio: os textos de Dufay e Franklin (30/07/2008)

Dia 30 de julho de 2008, às 07h40min, soou o sinal para a primeira aula. A maioria dos alunos já estava acomodada nas carteiras dispostas em semicírculo. Aos poucos, o grupo foi formado e a professora iniciou a aula explicitando o tema a ser estudado. Os textos foram distribuídos com antecedência para que os alunos se inteirassem do assunto a ser tratado. O pai de um dos alunos do grupo realizou a filmagem. Assim, apresentamos a transcrição do que foi filmado com as respectivas análises dos discursos proferidos.

A argumentação da professora na sequência (1-P) abaixo consistiu em fazer uma breve exposição para tornar clara a questão a ser estudada: os textos históricos, especificamente o texto escrito por Dufay sobre a hipótese de dois tipos de eletricidade. Esta parte do discurso caracterizou o exórdio da argumentação. Em sala de aula ―[…] o exórdio consiste em fazer o auditório sentir que está pessoalmente implicado no que se vai dizer, em incluí-lo no fato (REBOUL, 2004, p. 55).

-1-P – Vocês já leram. Já tivemos a oportunidade de ler várias vezes a respeito dos textos históricos, e isto tem conduzido, levado a uma conclusão sobre o que é ciência e como a ciência desenvolve-se, não é isso? Agora, então, nós vamos ter a oportunidade de ler este texto novamente e proceder a nossa discussão. O primeiro texto que nós vamos ler sobre a eletricidade do século XVIII foi escrito por Dufay, em que ele estabelece a hipótese de dois tipos de eletricidade; a vítrea e a resinosa. Não existia ainda naquela época uma definição a respeito da eletricidade positiva e negativa como nós conhecemos hoje. O que se conhecia é

que alguns materiais, determinados materiais apresentavam um certo comportamento, outros materiais apresentavam um comportamento, tipo contrário, por exemplo. Nestas observações Dufay escreveu o texto. Esse é o texto que ele escreve que foi citado por Whitaker (1973, p.44).

Para iniciar o trabalho com o texto de Dufay referente ao tema Energia Elétrica, a professora utilizou duas figuras de construção do discurso. A primeira, por repetição: ―leram‖ que pode ser caracterizada como uma epanalepse em que a utilidade da repetição consiste em expressar a convicção da interação dos alunos com o texto (REBOUL, 2004) e também, para evocar o assunto que seria tratado. Após o uso de um argumento envolvente e comprometedor: ―não é isso?‖ iniciou a segunda frase com: ―Agora então‖ para caracterizar aquele momento e ao mesmo tempo o uso do termo ―agora‖ diz respeito à segunda figura de construção da frase denominada anáfora. Este recurso figurativo, utilizado em diferentes momentos da aula, teve como objetivo chamar a atenção dos alunos para a enunciação de novos argumentos e novas proposições relativas aos textos, estimulando-os a participarem das discussões. As duas figuras de construção: epanalepse e anáfora, proferidas pela professora, dizem respeito ao

pathos do auditório, isto é, à busca das opiniões do auditório.

Ainda no primeiro parágrafo, a professora utilizou a personificação quando disse: ―determinados materiais apresentavam um certo comportamento, outros materiais

apresentavam um comportamento, tipo contrário, por exemplo” em que ―comportamento‖ é

um termo que corresponde a atitudes humanas e não de materiais como no caso, a resina e o vidro. A importância desse tropo simples para a compreensão de um evento em termos humanos pode ser constatada ao nos reportarmos a Lakoff e Johnson (2002) quando os autores lembraram que a personificação ―[…] permite compreender uma grande variedade de experiências concernentes a entidades não humanas em termos de motivações, características e atividades humanas‖ (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 87). Contudo, isto não implicou que o aprendizado a respeito dos dois tipos de eletricidade, totalmente diferentes de natureza e nome, apresentados pelos materiais não envolveu uma forma racional de relacionar-se com o objeto.

A primeira elocução da aula consistiu de uma premissa a respeito do fenômeno elétrico apresentado por alguns materiais que despertaram a curiosidade de estudiosos como Dufay, quanto à existência de dois tipos de eletricidade, diferentes de natureza e nome. Este foi, portanto, um argumento apresentado pelo texto histórico referente à eletricidade do século

XVIII. As premissas explícitas puderam ser consideradas o objeto de acordo para o auditório, que por sua vez, constituiu uma ―verdade‖, pois, pressupôs uma relação entre o ―fato‖ e a teoria científica. A respeito desse vínculo entre fato e verdade, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) enfatizaram: ―[…] a certeza do fato A, combinado com a crença do sistema S, acarreta a certeza do fato B, o que significa que admitir o fato A, mais a teoria S, equivale admitir B‖ (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.78).

Na composição do seu discurso pedagógico, a professora iniciou sua aula por um pressuposto aceito por seu auditório, ou seja, pela aceitação da tese principal constituída pela hipótese de dois tipos de eletricidade; a vítrea e a resinosa, e também pela contextualização histórica desse conhecimento. Na apresentação dos argumentos do texto 01, o discurso da professora se caracterizou como o gênero epidíctico, gênero em que desencadeada uma disposição didática do texto enfatizam as partes do texto, suas premissas e conclusão.

Após a leitura do texto, realizada com os alunos, assim como em outros momentos da sua exposição, a professora retomou o seu discurso instigando os alunos/auditório a participar da discussão.

- 2-P - Veja bem pessoal, o que é que vocês podem dizer? Alguém pode contribuir falando sobre a mensagem que Dufay tinha a intenção de transmitir?

A professora iniciou a frase com uma silepse de número para despertar a atenção dos alunos estimulando-os à interação discursiva. Este recurso retórico consiste em uma discordância gramatical entre o sujeito (singular) e a ideia (plural) levando o verbo (podem) para o plural. Desse modo, todos os ouvintes foram solicitados a participar, o que ficou reforçado no uso do termo ―vocês‖. Este recurso discursivo permitiu motivar o aluno ao discurso e, ao mesmo tempo, pôde revelar se houve ou não adesão à tese apresentada.

Cabe ressaltar que até este momento houve o predomínio de apenas um dos pilares da trilogia retórica, ou seja, a situação didática foi caracterizada pelo predomínio do logos em relação ao

ethos e ao pathos, mediante o encadeamento dos argumentos apresentados pelo texto

histórico, visando persuadir os ouvintes.

O início da elocução do aluno confirmou a adesão à tese principal e preconizou o início do discurso.

E14 – Que existia dois tipos de eletricidade a positiva e a negativa, só que naquele

tempo eles não chamavam assim e um corpo puxava energia e o outro era neutro.

-3-P – O corpo eletrizado poderia?

E14 – Puxar energia.

A existência de dois tipos de eletricidade, a positiva e a negativa, foi um pressuposto aceito pelo aluno E14. No decorrer da elocução, E14 utilizou o termo puxar. Este recurso figurativo representa uma metáfora em que a relação analógica com a corrente elétrica está implícita. A expressão ―puxar energia‖ condensou o significado da teoria científica que rege os processos de eletrização de um corpo.

A importância do papel desempenhado pela analogia na argumentação em virtude dos prolongamentos entre foro e tema que favorece é evidenciado quando ―[…] os primeiros cientistas que descreveram a eletricidade como uma ‗corrente‘ deram para sempre, nessa área, uma forma à ciência‖ (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.438).

No decorrer da discussão, o aluno E5 explicitou extensamente a ideia de E14, ao expressar-se a respeito do comportamento dos materiais de mesma natureza e de natureza contrária.

E5 – Os corpos diferentes se repeliam. Ô…ô, não! Os opostos se atraem, (começaram

a rir).

E10 – Fala alto, ―véio‖.

E5 – É isso daí…

Na elocução de seus argumentos E5 parece utilizar uma epanalepse. Este recurso consiste de uma figura de repetição, cuja finalidade é o da correção (REBOUL, 2004). Neste caso, a epanalepse permitiu o reconhecimento do próprio erro e abriu espaço para retomar à ideia correta. Dessa forma, esta figura retórica diz respeito ao pathos, pois o aluno expressou a adesão ao conhecimento historicamente constituído.

O aluno E10 fez uma crítica quanto à pronunciação de E5. Para confirmar a sua ideia o aluno E5retomou a sua elocução e expressou a certeza do que havia dito antes sem muita convicção: ―É isso daí‖. Neste momento, a intervenção da professora deu respaldo a fala de E5 e o animou a complementar a sua ideia

-4-P – Pode falar. Está certo o que o Diogo está dizendo, conclua. E5 – Os opostos se atraem.

E5 e E10 – E os iguais se repelem.

No decorrer do discurso, ocorreu a adesão de E10 que contribuiu para a complementação do raciocínio de E5. Essa situação revelou a persuasão do auditório aos argumentos/conhecimento proposto por Dufay.

Ao sentir a predisposição do auditório ao diálogo, a professora interrogou-os utilizando o conectivo ―mas‖, fora do sentido usual de contrariedade. Fez isso como um meio instigador à reflexão quanto ao contexto histórico do conhecimento, sinalizando para a diferença existente entre a linguagem do século XVIII e a linguagem atual ao tratar de um mesmo fenômeno. Na sequência do diálogo os alunos expressaram as suas convicções.

-5-P – Mas, iguais a quê? Como? Ainda não existia positivo e negativo? -E5 – Não era assim, não era assim que eles falavam.

-E10 – Conforme eles estavam estudando.

-E5 – É… é vítrea e resinosa. Lá tinham nomes diferentes, mas era a cera e a resina.

-E10 – Eram igual, né? Era assim que começaram.

-E5 – Que começaram.

Neste momento vários alunos falam ao mesmo tempo.

-E6 – Mas hoje é diferente.

Para responder a indagação feita pela professora, inicialmente E5 utilizou uma figura de repetição. Nesse caso, esta figura retórica pode ser denominada de epanalepse (REBOUL, 2004), cuja utilidade consistiu em expressar a certeza da diferença do código linguístico atual e do utilizado nos argumentos de Dufay referente à eletricidade do século XVIII. Esta convicção foi reforçada por E10 e E6 quando contextualizaram o conhecimento.

Na culminância do debate, E5 apropriou-se da linguagem própria daquele contexto histórico e pronunciou-se: ―Éé vítrea e resinosa. Lá tinham nomes diferentes, mas era a cera e a resina‖. Em que o advérbio de lugar ―lá‖ expressou o contexto situando o passado histórico.

O termo ―mas‖ indicou um conectivo de contrariedade usado na argumentação habitual que nesse caso, permitiu a conclusão pela exemplificação: ―era a cera e a resina‖. A respeito das ligações que fundamentam o real pelo recurso ao exemplo, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) enfatizam que nas ciências, os casos particulares tratados como exemplo ―[…] devem

levar à formulação de uma lei ou à determinação de uma estrutura‖ (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.400).

Na elocução de E6, o conectivo de contrariedade ―mas‖ utilizado marca a oposição entre o passado e o presente, reafirmando a ideia de E5 e de E10 quanto à linguagem científica do início do desenvolvimento do conhecimento a respeito da eletricidade.

Na tentativa de instigar a reflexão sobre o processo coletivo do desenvolvimento científico, a professora indagou-os sequência (6-P) a respeito do aspecto que está implicitamente representado pelo logos, por meio da repetição dos argumentos previamente apresentados tanto pela professora quanto pelo texto ―Nós percebemos‖. A repetição da professora criou um vínculo com o pathos, propiciando a interação discursiva, de forma que todos os componentes do auditório/alunos pudessem expor os diferentes pontos de vista sobre esse aspecto que caracteriza a ciência.

A apóstrofe foi o recurso retórico utilizado para reconduzir o discurso da aula ao discurso proveniente da história da eletricidade (texto).

-6-P – Por que vocês acham que ele começa dizendo assim: nós percebemos? E10 e E14 – Porque não era só ele que pesquisava.

E5 – Eram várias pessoas. Não era individual o trabalho dele, mais tinha mais pessoas

por trás que ajudavam.

E12 – Outros cientistas estudavam antes e paravam até certo ponto. Assim como outros

que virão e deram continuidade no trabalho dele.

A adesão ao ethos e ao logos foi imediata. O auditório pronunciou-se demonstrando compreensão quanto à característica de construção coletiva do empreendimento científico, mesmo sendo a elocução de E10 e E14 equivalente a uma tautologia, pois apresentaram uma afirmação como resultado de uma convenção puramente linguística Entretanto, o encadeamento dos argumentos de E5 revelou uma reconstrução de significados. Na sua elocução, a base argumentativa constituiu-se numa petição de princípio. A peroração de seu discurso, ou seja, a conclusão de sua ideia foi feita por meio de uma metáfora orientacional que expressou adequadamente a sua convicção: ―Não era individual o trabalho dele, mais

tinha mais pessoas por trás que ajudavam”. Com relação ao uso do termo ―trás‖, podemos

dizer que as orientações espaciais surgiram devido a natureza e funcionamento do nosso corpo em relação ao meio físico (LAKOFF; JOHNSON, 2002). Nesse caso, a nossa experiência

física e cultural pode originar conceitos metafóricos em que a sua força argumentativa advém do fato de reafirmar o caráter coletivo da construção científica.

O encadeamento dos argumentos de E12 reafirmou as proposições feitas por E5 e sinalizou