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Capítulo 3: A construção dos espaços sagrados

3.1 O santuário de Asclépio em Epidauro

3.1.3 Tholos

Poucos anos após a construção do templo, iniciaram-se os trabalhos para a construção de um enigmático edifício circular, por volta de 365-360 a. C., chamado Tholos ou Thymele. Este talvez tenha sido o monumento mais caro e ornamentado de todo o complexo do santuário. A poucos metros do templo, cerca de 20m a oeste, erguia-se esta construção que demorou, pelo menos, 27 anos para ficar pronta48. Hoje, contudo, apenas restam as suas fundações e alguns fragmentos de suas paredes e colunas. O suficiente, porém, para que sua planta possa ser reconstituída, como mostrado na figura 5.

47 KAVVADIAS, P. Fouilles d’Épidaure. p. 17. 48 MELFI, M. I santuario di Asclepio in Grecia. p. 32.

Figura 5: Planta do Tholos de Epidauro, século IV a. C.49.

De acordo com Pausânias50, o Tholos de Epidauro foi concebido pelo arquiteto e construtor Policleto, provavelmente Policleto, o novo, filho e discípulo de Policleto, o Velho51,Ν eΝ eraΝ umΝ monumentoΝ “qualΝ seΝ valiaΝ aΝ penaΝ ver”.Ν OΝ edifícioΝ possuíaΝ váriosΝ muros concêntricos, com cerca de 21,70m de diâmetro. O primeiro destes muros tinha 26 colunas, em estilo dórico, que compunham a parte mais externa, o peristilo, feitas de pedra porosa com um revestimento pigmentado, provavelmente de cor vermelha. Após este, tínhamos o muro que dava sustentação ao edifício, feito em diversos materiais, segundo Kavvadias52, o lado exterior era em mármore branco, o interior em mármore preto, os frisos em mármore pentélico e o restante em pedra porosa. Na parte interna, existiam 14 colunas, em estilo coríntio, com capiteis ricamente detalhados, tudo feito em mármore.

Pausânias também informa que a parte interna do Tholos era decorada com belas imagens do pintor Pausias53. Estas imagens representavam Eros, que não carregava seu arco e flecha característicos, mas sim uma lira. Via-se também uma pintura de Mete, a

49 KAVVADIAS, P. Fouilles d’Épidaure. PL. IV. 50 PAUSANIAS. Description de la Grèce. Livro II, 27, 5.

51 STILLWELL, Richard; MACDONALD, William L.; MCALISTER, Marian Holland. The Princeton

encyclopedia of classical sites. Epidauros.

52 KAVVADIAS, P. Fouilles d’Épidaure. p. 13-16. 53 PAUSANIAS. Description de la Grèce. Livro II, 27, 3.

deusa da embriaguez, bebendo em uma taça de cristal, tão bem pintada que se podia ver o rosto de uma mulher através da taça. Em um lugar especial, havia também uma inscrição muito antiga contando que Hipólito havia dedicado vinte cavalos a Asclépio, dizia-se, afirma Pausânias, que este Hipólito era o mesmo que havia morrido e foi ressuscitado por Asclépio, como exposto no mito54.

A entrada para o Tholos se fazia pelo lado leste, assim como no templo, e também se dava por uma rampa e não por escadas. O teto, em mármore branco, era ricamente adornado, com rosáceas esculpidas nos blocos de pedra. Na parte central, sobre as colunas de ordem coríntia, o teto era provavelmente de madeira. Abaixo do piso, no subsolo, o chão era oco, havia concavidades que lembravam um labirinto, pois os espaços vazios eram separados também por vários muros concêntricos de pedra calcária, com pequenas aberturas interligando todas as partes.

Apesar de ser a construção mais cara do complexo, algo em torno de 300 mil dracmas55, nem Pausânias, nem as inscrições do Asclepeion, nem qualquer outro escrito antigo fazem menção a qual fim este edifício servia. O que levanta especulações até hoje, no entanto, sem nada de conclusivo. Os nomes dados a ele também não são minimamente esclarecedores. Pausânias o chamou deΝ “Tholos”,Ν emΝ gregoΝ antigoΝ “ ό ”, mas este termo diz respeito apenas à forma da construção. Tholos significa literalmenteΝ“rotunda”,ΝouΝseja,ΝumΝprédioΝcircular56. Porém, não é com este nome que o edifício é mencionado nas inscrições de Epidauro57, eleΝ éΝ chamadoΝ deΝ “Thymele”,Ν “ έ ”, istoΝ podeΝ significarΝ “lugarΝ deΝ queima,Ν lareira”58. Este termo, assim como Tholos, é igualmente evasivo.

Na cidade de Atenas, também é mencionada a existência de um edifício chamado de Tholos, no qual os magistrados da cidade se reuniam. A partir disto, Kavvadias levanta a hipótese de que, assim como em Atenas, o Tholos de Epidauro servisse como um local de encontro para cerimônias e sacrifícios relativos ao culto de Asclépio59.Ν“Thymele”ΝeraΝumΝtermoΝqueΝtambémΝeraΝusadoΝcomo sinônimo de bomos,

54 Capítulo 2. p. 50.

55 Epidauros. In Barbarism and civilization. Disponível em: <http://www.civilization.org.uk/greece-

2/epidauros>.

56 LIDDELL; SCOTT. A Greek-English Lexicon. verbete: . 57 IG IV², 1, 103.

58 LIDDELL; SCOTT. A Greek-English Lexicon. verbete: έ . 59 KAVVADIAS, P. Fouilles d’Épidaure. p. 15.

ouΝseja,Ν“altar”,ΝoΝqueΝtalvezΝtenhaΝsugeridoΝaΝKavvadiasΝqueΝsacrifíciosΝfossemΝfeitosΝ dentro deste prédio. Defrasse e Lechat discordam desta hipótese, pois o Tholos de Atenas estaria em um contexto civil, enquanto o de Epidauro estaria em um contexto claramente religioso. Além do mais, para estes autores, Kavvadias foi ingênuo, pois não atentouΝaosΝdetalhesΝ“invisíveis”60. Eles afirmam que não se fecha um lugar que serve a sacrifícios, primeiro, porque no espaço interno do Tholos de Epidauro caberiam poucos assistentes. Segundo, a prática sacrificial grega envolvia a queima, assim, num local fechado, a fuligem recobriria todas as belas obras de arte, os relevos, as inscrições e as pinturas, ninguém pagaria tão caro por elas para que elas acabassem desta maneira, explicam os autores. Por fim, não se estabeleceria um altar no centro de um edifício que não tem bases sólidas, mas está em cima de um chão relativamente oco, por causas das aberturas do citado “labirinto” subterrâneo.

Segundo Defrasse e Lechat61,Ν aΝ palavraΝ “Thymele”Ν eraΝ empregadaΝ emΝ umΝ sentidoΝmuitoΝmaisΝlatoΝdoΝqueΝoΝdeΝ“queima”ΝouΝ“altar”.ΝOΝlugarΝdasΝorquestras,ΝnosΝ teatros de Dioniso, também era chamado de Thymele. Assim, o sentido da palavra era aplicadoΝ“aΝtodaΝespécieΝdeΝsoloΝsagrado,ΝmesmoΝdesprovidoΝdeΝaltar”.ΝParaΝeles,ΝpelaΝ formaΝ doΝ “labirinto”Ν subterrâneo,Ν comΝ paredesΝ transversaisΝ eΝ pequenasΝ aberturasΝ queΝ levam de uma passagem à outra, fazem crerΝqueΝoΝTholosΝpoderiaΝserΝ“oΝpalácioΝdasΝ serpentesΝsagradas”62. Esta hipótese é sustentada por alguns autores até hoje63. Pollitt, por exemplo, não rejeita a ideia de que o Tholos seja a morada das serpentes, mas acrescenta que, a exemplo do Filipeion, uma construção feita no mesmo estilo circular, em honra a Filipe II da Macedônia, seja um lugar próprio ao culto de heróis, ou semideuses64. Algumas versões do mito sugerem que Asclépio teria sido um homem que morreu, assim, ele também seria um herói. Asclépio seria cultuado em Epidauro em suas duas formas, como deus, no templo, e como herói, no Tholos.

Em trabalho mais recente, Peter Schultz, utilizando-se do mesmo Filipeion, argumenta que o Tholos de Epidauro poderia ter uma função mais original. Já que a palavraΝ“Thymele”ΝpoderiaΝserΝempregadaΝemΝumΝcontextoΝteatral,ΝeΝpeloΝfatoΝdo Tholos possuir pinturas internas, o próprio formato circular, com o piso oco, tornava o edifício

60 DEFRASSE, Alphonse; LECHAT, Henri. Épidaure. p. 97. 61 IDEM.Ibidem. p. 98.

62 IDEM.Ibidem. p. 99-100.

63 Epidauros, Tholos (building). Disponível em: <http://www.perseus.tufts.edu>.

64 POLLITT, J. J.. Greek art: Classic to Hellenistic. In:LEWIS, D. M.; BOARDMAN, John; HORNBLOWER,

inteiro bastante apropriado para uma boa acústica. Assim, o Tholos poderia servir perfeitamente como uma sala de espetáculo, em que os peans de Asclépio poderiam ser entoados65. A hipótese se torna mais convincente quando o autor argumenta que, segundo Pausânias, o mesmo Policleto que arquitetou o Tholos, arquitetou também o famoso teatro de Epidauro, que possui, aliás, uma acústica que impressiona os engenheiros e arquitetos até os dias de hoje.

De qualquer forma, o Tholos ainda continua enigmático, sua real função é um mistério para nós e, por isto mesmo, é uma fonte inesgotável de debate. O certo é que, de todo modo, podemos ver exemplificado aqui que os espaços atribuídos a Asclépio se voltam para interior. A decoração interna do Tholos, mais rica e detalhada, com capiteis coríntios, rosáceas e pinturas, contrasta com a simplicidade do desenho externo, apenas em colunas dóricas. O altar, exterior e coletivo, o ponto principal do culto coletivo, continua existindo, mas vemos que começa a haver uma ênfase nos espaços internos. A dispendiosa estátua criselefantina de Asclépio, dentro de seu templo, a rica ornamentação interna do Tholos, são mostras que nos levam a perceber que no final do Período Clássico e início do Helenístico a religiosidade grega começou a valorizar os espaços internos.