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TIC e as tendências pedagógicas instrucionista e cognitivista

Capítulo 3: ALGUMAS TRAJETÓRIAS DA INFORMÁTICA EDUCATIVA

3.3 TIC e as tendências pedagógicas instrucionista e cognitivista

Na intenção de localizar tendências pedagógicas em consonância com as TICs, pode-se tomar três tendências (instrucionismo, construcionismo, tecnicismo) como padrões historicamente predominantes ou até mesmo matriz a partir da qual derivaram mais tarde outras denominações como conectivismo, neoconstrucionismo, ambientes pessoais de aprendizagem e outras.

As experiências pioneiras de aliar computadores aos processos de ensinoaprendizagem nas escolas brasileiras estão relacionadas à criação de centros piloto de informática na educação em várias universidades do país, conforme trabalhos que as descrevem, notadamente Pagnez

(2001), Ripper (1993) e Valente (1998). Recorreremos inicialmente à classificação relacionada às pedagogias tradicional e cognitivista, propostas por Nóvoa (2007) e Filatro (2008).

Na abordagem tradicional, instrucionista, o processo ensinoaprendizagem é centrado no professor e volta-se para o que é externo ao aluno, o programa, as disciplinas e o professor. O aluno executa prescrições que lhe são fixadas por autoridades externas, é um receptor passivo que recebe informações prontas. Cabe ao aluno apenas memorizar as definições, enunciados de leis, sínteses e resumos que lhe são oferecidos. A relação entre aluno e professor é vertical, o professor atua como mediador entre o aluno e os modelos, reduzindo-se as possibilidades de cooperação entre professor-aluno e aluno-aluno. A ênfase do processo de ensinoaprendizagem está nas situações de sala de aula, nas quais os estudantes são instruídos pelo professor. Assim, a educação é subordinada à instrução, os conteúdos e informações tem de ser adquiridos e os modelos imitados.

Os fatores intelectuais individuais do aluno, tais como a iniciativa própria, imaginação e capacidade crítica são pouco valorizados por serem considerados impeditivos de uma boa direção do trabalho de ensino. A informação parte de forma um tanto autoritária de quem sabe, o professor, para quem não sabe, o aluno. É dada também pouca atenção aos mecanismos intelectuais envolvidos na aprendizagem (MONTOYA, 2005).

Reforços ao instrucionismo tem sido fortalecidos pelas novas tecnologias: planos de aula que chegam prontos para os professores, websites de consulta a base de dados e toda sorte de material em suporte digital que apenas encapsula conteúdos anteriormente oferecidos em papel.

Podemos identificar o reforço à pedagogia tradicional com ferramentas do tipo CAI (Computer Aided Instruction) ou Instrução Baseada em Computador que incluem tutoriais, softwares educacionais, certos tipos de jogos no computador, bases de dados para consulta pelos professores e inúmeras outras implementações que lembram livros eletrônicos com alguns adereços. Um exemplo dessa iniciativa é o Projeto Condigital. Em 2007, o Ministério da Educação lançou um edital (MEC/MCT, 2007; BRASIL, 2010) para financiar o desenvolvimento de recursos educacionais multimídia para o Ensino Médio de Matemática, Física, Biologia, Química e Língua Portuguesa. O edital gerou diversas iniciativas de produção de áudios, vídeos, softwares e experimentos práticos por todo o Brasil, hoje muitos recursos educacionais já estão

disponíveis no Portal do Professor (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html) conforme o exemplo da figura 1, abaixo.

Figura 1. Tela do software Geodetetive

Por meio do Portal do Professor obtem-se soluções prontas, tais como softwares educacionais, vídeos, planos de aula e sugestões de atividades. A produção de materiais de suporte digital na linha instrucionista, embora reforce o ensino dificilmente enaltece o papel dos professores. Os professores não participam das decisões e elaboração dos materiais que lhes chegam prontos; as atividades reforçam currículos generalistas e pré-definidos, cabendo aos professores apenas executar tais materiais sob a égide de modernidade e de uma suposta neutralidade de intenções. Fagundes (2007) afirma que o equívoco de muitos cursos e materiais de capacitação para professores está em fornecer manual ou apostila sobre “como” utilizá-los; a partir deste momento, o modelo fornecido ao professor passa a ser tomado por ele como um modelo a ser seguido quando na verdade, os professores precisariam experimentar, testar, refletir e discutir com seus colegas a fim de encontrar modos próprios de utilização. A autonomia docente é tolhida.

Em contrapartida à visão instrucionista tradicional está a tendência cognitivista em que o centro da ação educativa desloca-se para o aluno.

No enfoque cognitivo, o processo de aquisição de conhecimento é um ato do sujeito, resultado de reconstruções das conquistas anteriores em função de interações. É no processo de busca de equilíbrios e coerência que o sujeito constrói seu próprio conhecimento. O conhecimento do mundo é retirado menos pelos órgãos perceptivos e mais na interação com os objetos por meio de esquemas que generalizam as informações, organizam-se e se estruturam em novos sistemas que se reorganizam novamente, contínua e ciclicamente. Visto de outra forma, a inteligência tem que assimilar os dados externos às suas próprias estruturas, parte herdadas, parte adquiridas, parte construídas, extraindo as significações e coordenando novos sistemas de significações (VESTENA, 2011).

Um efeito óbvio da abordagem construtivista/cognitivista é a convicção de que a aprendizagem é um processo complexo, que não chega pronto pelos sentidos. Os estudantes necessitam ter contato com a realidade, refletir e agir sobre ela, pois aprendem quando discutem novas ideias com os colegas fazendo da interação, a chave para a aprendizagem. Por esse motivo, ambientes de aprendizado deveriam ser interativos tanto quanto possível. No caso das TICs, os efeitos multimídia ou audiovisuais teriam, por eles mesmos, pelas razões apresentadas, efeito reduzido, daí a mediação de um professor ser necessária.

De acordo com o cognitivismo, se aproveitado no interesse das novas tecnologias no ensino, interessaria criar um ambiente no computador onde fosse possível retirar informação, que é uma atividade dos sistemas cognitivos, mas que permitisse, sobretudo, colocar a ação sobre algo concreto, atribuir significado, modular e adaptar essa nova informação condicionando, no mínimo, os processos de ação, raciocínio, reflexão e depuração de erros, para uma nova ação, ciclicamente (FAGUNDES, 2007).

A abordagem de construção de conhecimento no computador durante muito tempo esteve associada a linguagens de programação das quais a linguagem LOGO é exemplo emblemático.

Por meio da linguagem LOGO o aluno deveria planejar, pensar e executar códigos de programação no intuito de resolver desafios cognitivos em um ambiente de aprendizagem no computador, um “micromundo”. Caberia ao professor o papel de facilitador e de orientador, não o de transmissor de conteúdos. Segundo Papert (1994) por meio de uma linguagem de programação o erro ganharia uma nova dimensão pois quando o estudante errasse, quem erraria seria o

substituí-lo pelo passo certo. Nesse ponto reside um dos méritos da ferramenta: a possibilidade de valoração do erro ou geração de feedback imediato e automático a ser tratado pelo próprio estudante. Entre as críticas ao LOGO está a ênfase excessiva na lógica matemática; Postman (1994) e Bauerlein (2009) apontaram em LOGO a mera apropriação do que bons professores seriam capazes de fazer com giz e lousa em um ambiente em que pudessem dedicar atenção a estudantes motivados e concentrados.

Em função das dificuldades de implementação, evolução da Internet e o aparecimento de novas tecnologias, a abordagem “construcionista” (construtivismo no computador, na concepção de Papert (1994)) enfraqueceu-se ao longo dos anos. Entretanto, a obra de Seymour Papert, criador do LOGO, tornou-se inspiração e referência mundial no debate sobre informática e educação e seu legado de “pensar com o computador” está presente hoje, por exemplo, no projeto OLPC (One Laptop Per Child – http://one.laptop.org/) em que a linguagem SQUEAK, herdeira filosófica da linguagem SmallTalk e LOGO, é uma das ferramentas utilizadas.