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Capítulo 3: ALGUMAS TRAJETÓRIAS DA INFORMÁTICA EDUCATIVA

3.4 TIC e a tendência tecnicista

Outra vertente importante no debate histórico sobre tecnologia na educação e que afeta diretamente o professor é a tendência tecnicista, influenciada pela pedagogia tradicional, pelas teorias comportamentalistas e por fórmulas aplicáveis em gestão de empresas em nome da eficácia e eficiência. Saviani (2000) sintetiza a tendência tecnicista destacando o papel marginal que delega aos professores:

Na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são a condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente

habilitados, neutros, objetivos, imparciais (SAVIANI, 2000, p.13).

Alguns passos do tecnicismo podem ser identificados com expectativas dos primeiros pesquisadores em Ciência da computação que, desde cedo, vislumbraram o aproveitamento dos computadores na educação com vistas à eficiência do processo educacional entendido como um sistema de informações. Essas ideias de décadas atrás sempre retornam como grande solução para

os problemas educacionais e sugerem a aplicação de boas práticas de gestão empresarial ao campo educacional, com suporte direto de computadores.

Por exemplo, John G. Kemeny pioneiro da Computação e criador da linguagem de programação BASIC, vislumbrou ainda na década de 1950 que uma das possibilidades de uso do computador estaria em permitir ao estudante avançar no conteúdo de um curso na medida em que obtivesse desempenho adequado e pudesse progredir na velocidade que desejasse. O ambiente permitiria ainda que o aluno recebesse maior atenção do professor, que teria mais tempo disponível para atendê-lo. Na concepção de Kemeny, como o computador era uma entidade obediente e que tinha capacidade de memória infinita, seria capaz de fazer com que o aluno não tivesse constrangimento em errar, anulando, segundo ele, um dos maiores bloqueios para a aprendizagem (KEMENY, 1974)2.

Victor Gluchkov, pai da cibernética russa, em certa sintonia com as ideias de Kemeny, imaginou também décadas atrás, um futuro de instrução popular voltada para o aumento de produtividade do professor e do aluno que permitiria desenvolver na íntegra a autonomia do processo de ensino e o espírito criador de cada estudante na exposição do material assimilado. Todo o processo seria registrado pelo computador, o que permitiria ao professor avaliar melhor seus estudantes e dar atenção individual às necessidades de cada um deles (GLUCHKOV, 1975).

De forma paralela à abordagem tecnicista que mencionamos, emergiu o comportamentalismo que tem no pesquisador B.F. Skinner, um de seus principais representantes. De acordo com os princípios da teoria do reforço de Skinner, seria possível programar o ensino de qualquer comportamento, portanto de qualquer disciplina. O controle do processo de aprendizagem seria garantido pela eficácia da programação. Destacamos desta abordagem os seguintes aspectos: determinação clara de objetivos do ensino; envolvimento do aluno; feedback constante que forneça elementos para especificar o domínio ou não de uma determinada habilidade; apresentação do material a ser estudado em pequenos passos e, ainda, possível atenção ao ritmo individual de cada estudante (SKINNER, 1975). No ensino programado, o trabalho do professor deslocar-se-ia da aula em si para a sua preparação ou para atividades de suporte ao aluno, pois o aluno não precisaria tanto do professor. Um livro didático programado no computador levaria em conta todos os erros que os estudantes fizessem e indicaria que itens eles

deveriam estudar e que problemas seriam propostos adicionalmente. Estimularia ainda o estudo autônomo dos estudantes, o que seria importante para o estudo por correspondência, por exemplo, prenúncio do ensino à distância (EAD). Os dados do aluno armazenados na memória do computador ao longo de semestres, ajudariam-no a perceber melhor as suas próprias capacidades, facilitando inclusive a escolha de sua profissão de acordo com sua vocação (SKINNER, 1975).

Vemos nas ideias de meio século atrás, de pioneiros como Gluchkov, Kemeny e Skinner, a convicção de que, com as tecnologias de ensino, o papel do professor seria equivalente ao de um analista ou arquiteto do processo de ensino, o que talvez, na prática, representasse uma forma de reduzir a importância e o papel do professor, ou pelo menos, de modificar esse papel. Há de se considerar, por outro lado, que o conhecimento escolar hoje segue associado ao professor e a outros saberes escolares e que isso não poderia ser simplesmente substituído por novas tecnologias, Internet, etc.

Apesar de serem comuns as críticas ao comportamentalismo e ao tecnicismo, é inegável a importância dessas abordagens nos mais diversos ambientes de aprendizagem. Filatro (2008) enumera algumas contribuições comportamentalistas importantes, tais como: especificação clara de objetivos de aprendizagem; foco em resultados com base em atividades mensuráveis; decomposição de tarefas complexas em tarefas menores; sequenciamento instrucional; feedback sensível à resposta, entre outros. Entretanto, como já dissemos, é possível comparar o tecnicismo baseado em TICs a um processo fabril aplicado às escolas em que se ignora a especificidade da educação, em nome da eficiência do processo trazendo riscos para a autonomia e controle do professor sobre seu próprio trabalho e abafando a singularidade dos contextos educativos. Para Hernandez (1998) a generalização do processo educacional seria um dos erros mais graves e comuns das reformas educacionais.

Atualmente as relações entre tecnologias e educação tornaram-se muito mais amplas e complexas, não cabendo mais nas três categorias e é nesse campo aberto que, acreditamos, os professores necessitam estar atentos para desempenhar o papel de profissionais críticos e agentes de mudanças, porta pela qual adentramos o terreno da inovação.

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