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CAPÍTULO 1 MODA BAIANA CONTADA EM VERSOS E PROSAS

1.2 Tensão entre o coletivo e o individual na moda

1.2.2 O time das novas mídias

Conforme destacado por Lipovetsky e Serroy (2011, pg. 76), a internet foi elemento decisivo para a atual era da cultura-mundo15. Onde o sujeito consumidor vê seus desejos facilmente atendidos por uma indústria acelerada em seu ritmo de produção adaptado ao novo espaço-tempo. Da tela da televisão, passando pela tela do cinema, chegamos à tela do computador e ao mundo virtual (internet), conforme apontam Lipovetsky e Serroy.

A era cem por cento tela não revela apenas uma quantidade ilimitada de imagens e de informações contínuas em uma multidão de novos suportes; ela vem acompanhada

14 Tomando como referência a ideia de espetáculo proposta por Maffesoli quando se pretende “acentuar, diretamente, ou de maneira eufemística, a dimensão sensível, táctil da existência social” (2010, p. 134).

15 A expressão cultura-mundo é utilizada por Lipovetsky e Serroy para caracterizar um novo ciclo de modernidade que recompõe o mundo. Segundo eles, nos tempos hipermodernos, a cultura tornou-se um mundo cuja circunferência está em toda parte e o centro em parte alguma.

por uma comunicação interativa e produzida pelos próprios indivíduos (...) O hiperindivíduo é um consumidor que vai às compras em toda parte (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, pp.77-76).

Diferente do distanciamento existente entre o leitor e as grandes publicações de moda, os blogs são canais de comunicação que permitem um contato muito próximo, uma interatividade nunca vista. Eles atendem à necessidade imediatista que a moda requer diante de uma sociedade cada vez mais ordenada por desejos voláteis, que ditam novas formas e valores de consumo.

Uma cultura de narração é substituída de alguma maneira por uma cultura de movimento; uma cultura lírica ou melódica é substituída por uma cultura cinemática construída sobre o choque e o dilúvio de imagens, sobre a busca da sensação imediata (LIPOVETSKY, 1989, p. 211).

Esse cenário tem incomodado muitos estilistas e agentes do setor. Esse desconforto pode ser percebido no depoimento do estilista Vitorino Campos para a edição de n. 37 da Revista FFWMAG (2014, p. 57), uma das atuais revelações da moda nacional:

Não é que a gente tenha algum tipo de problema com as blogueiras, mas eu acho que deve existir uma busca pelo conhecimento. No desfile, não é só se arrumar para sentar na fila. O importante é tentar entender a coleção de uma forma global. Se as blogueiras, que têm tantos seguidores, fizessem isso, seria uma coisa muito legal (FFWMAG, 2014, p. 57).

Já para a Diretora de Redação da Vogue no Brasil, Daniela Falcão (FFWMAG, 2014, p. 57), os blogs com seus looks do dia não constroem marcas, apenas vendem produtos. Por outro lado, Daniela Falcão destaca que os editores de moda usam o streetstyle como termômetro para entender quais tendências estão acontecendo, que marcas aparecem bem e caíram no gosto das pessoas.

Os conteúdos essenciais da cultura de massa são os das necessidades privadas, afetivas, em primeira instância, pois a felicidade e o amor estão acima de todos os outros valores. Em seguida, podemos pensar nas necessidades imaginárias que movem os homens socialmente, como a liberdade, a aventura, a possibilidade de escolha (ainda que forjada como defendem alguns autores) e por fim as necessidades materiais que se traduzem em bem-estar, conforto, autoestima, etc. (CIDREIRA, 2013, p. 34).

Vale recorrer aqui à reflexão de Cidreira sobre a lógica de consumo que rege o processo de produção e difusão dos produtos de massa. Para ela (2013, p. 34), “o embate em torno da procura da linha mediana institui, ainda, uma identidade dos valores de consumo”. Conforme ressaltado pela autora, valoramos a moda através da sua superficialidade, efemeridade, funcionalidade, criatividade e lucratividade (mercado), que foram, por sua vez, potencializadas pelas novas ferramentas de difusão de conteúdo. Exigindo, sobretudo, da indústria uma resposta comercial instantânea.

Simultaneamente, o consumidor da era cultura-mundo pode absorver a nova informação de moda e adquirir o item de desejo a apenas um click ou touch the screen. Marcas consolidadas agora desejam ser vistas nos Blogs de Moda - reconhecidos pela cadeia fashion como grandes difusores de tendências. Esses blogueiros e blogueiras - que alimentam avidamente as páginas da blogosfera - são, sem dúvida, vitrinas virtuais vivas altamente lucrativas. A conectividade dos blogs estimulou o comércio online e, por conseguinte, passou a exigir da indústria e dos criadores um ritmo ainda mais acelerado para o desenvolvimento de novos produtos. Afinal, a imitação e a diferenciação caminham como sempre juntas quando se fala em moda. Vive-se, assim, o tempo do hiperconsumo, assim definido por Lipovetsky e Serroy - consumo por impulso acessível.

O comprador do novo estilo deixou de ser compartimentado e previsível: tornou-se errático, nômade, volátil, imprevisível, fragmentado, desregulado. Porque liberto dos controles coletivos à antiga, o hiperconsumidor é um sujeito zapeador e descoordenado (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p.57).

Entre os agentes do setor atingidos diretamente por essas mudanças estão os veículos de comunicação tradicionais. Cada vez mais, os editoriais de moda nas revistas especializadas se rendem ao poder das janelas virtuais, buscando novas formas de apresentação dos lançamentos do universo fashion. Um dos caminhos é valorizar ainda mais o conceito/a história da coleção, a origem da tendência; ou serão engolidas pelos milhões de curtidas dos looks do dia. Há ainda aquelas publicações que enxergaram nos Blogs de Moda uma fonte de conteúdo diferenciado para seu público leitor. Algumas revistas dedicam espaços exclusivos ao universo desses blogueiros e blogueiras celebridades.

Figura 2 - Thássia Naves – Capa Glamour Brasil, Fevereiro 2015

A versão brasileira da Glamour, por exemplo, uma das principais referências em difusão de tendência no mundo, teve pela primeira vez estrelando uma das suas capas em fevereiro de 2015 a top blogger Thássia Naves. No mesmo mês, a revista Estilo também dedicou uma das suas capas à blogueira Camila Coelho.

Figura 3 - Camila Coelho – Capa Estilo, Fevereiro 2015

Fonte: Revista Estilo

Em agosto de 2015, foi a vez de Camila Coutinho, do blog Garotas Estúpidas, “estrelar” a capa da revista Estilo, sendo referenciada pela publicação como a “pioneira dos blogs de moda e estrela em todas as plataformas”, dentre elas, destacam-se seus canais no Instagram, Snapchat e no YouTube.

Figura 4 - Camila Coutinho – Capa Estilo, Agosto 2015

É comum ainda encontrarmos nessas publicações seções que mostram a intimidade, a rotina dessas protagonistas do meio fashion atual. Entre as principais matérias estão sempre aquelas que desvendam para as leitoras os segredos de beleza e os guarda-roupas mais cobiçados. Os criadores, por sua vez, não conseguem em alguns casos acompanhar essa dinâmica ou simplesmente não querem. Assim, tentam contornar a ansiedade por novidades instantâneas criando mine coleções, edições limitadas, linhas exclusivas e mais acessíveis. Quando a grife/o criador já tem sua imagem sólida no mercado, pode dar-se o luxo e optar por uma dinâmica própria de criação, negando-se ser refém da tão fugaz fast fashion16. Os blogs surgem para matar essa sede pelo novo através de postagens que apresentam, a todo instante, novas formas de uso de adornos e indumentárias. Afinal, como pontua Simmel (2008, p.70), “o adorno produz o alargamento do ‘eu’”.

De uma forma muito direta, o progresso social favorecerá a rápida mudança da moda, porque possibilita com muito maior celeridade às camadas inferiores a imitação das superiores (...). Isso tem uma influência significativa no conteúdo da moda. Antes de mais, faz que as modas já não sejam tão dispendiosas e, por isso, já não poderão ser tão extravagantes, como eram em épocas anteriores (SIMMEL, 2008, p.51).

A partir deste pensamento, compreende-se porque os Blogs de Moda mais bem sucedidos ficaram conhecidos por seus looks do dia. O estilo assumido por jovens, como das brasileiras Thássia Naves e Camila Coutinho, se tornaram rapidamente tão desejados e copiados quanto o conceito que algumas marcas dedicaram anos para construir. Criados e alimentados por pessoas que não pertencem às rodas exclusivas e restritas do universo fashion, os blogs com seus looks do dia surgiram em sua maioria de forma espontânea a partir do desejo de compartilhar escolhas e novidades utilizando uma plataforma digital convidativa por sua proximidade.

A ideia foi prontamente absorvida por um público insaciável por informação de moda com grande potencial de consumo, estimulada pela sensação de pertencimento proporcionada. Sobre essa insaciabilidade, Barbosa (2004, p. 56) evidencia o entendimento de Colin Campbell sobre consumo a partir da relação entre significado e identidade na sociedade contemporânea:

16Tradução literal: Moda rápida. A expressão é utilizada para caracterizar a renovação constante das peças produzidas e comercializadas no setor de moda. O conceito surgiu na década de 1990 para expressar e identificar a atualização cada vez mais veloz dos produtos de moda nas grandes redes varejistas. O termo foi incorporado ao cotidiano dos brasileiros, sendo utilizado para caracterizar desde pequenas e grandes corporações do segmento. No modelo tradicional, a produção do varejo de moda era dividida em duas coleções anuais: primavera-verão e outono-inverno. No sistema fast fashion, são produzidas minicoleções ao longo do ano. As coleções, que antes duravam meses para serem elaboradas e confeccionadas são substituídas por produções temáticas, que refletem as demandas do consumidor e são rapidamente produzidas e comercializadas. A vida útil do produto também é reduzida, os estoques também são limitados. Além disso, não se perde tempo fabricando o que não está sendo vendido. De olho nas tendências, o empresário que investe nesse modelo abre demanda de produção para as novas coleções que estão sendo pensadas e desenhadas. Com essa mudança no sistema produtivo, as peças têm preço final mais baixo, o que as deixa mais competitivas e, consequentemente, geram mais lucro. (SEBRAE, 2017).

“Como o autor (Campbell) conclui, o consumo na sociedade moderna não deve ser visto como uma busca desesperada pela ausência de significado, mas a solução desta busca”. Quem está do outro lado da tela, escrevendo os posts, fazendo os comentários é alguém com um estilo de vida apreciável ou, até mesmo, comum. Como observado por Lipovetsky (1989, p.217), “é o tempo das estrelas de físico ‘insignificante’: seduzem não mais porque são extraordinárias, mas porque são como nós”.