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AVANÇOS E RECUOS DO FINANCIAMENTO E GASTO NO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS

1997 1998 1999 2000 2001 TIPO DE DESPESA Valor % Valor % Valor % Valor % Valor %

REMUNERAÇÃO SERV. PRODUZIDOS 8.094 71,34 7.149 55,31 6.578 45,88 5.593 38,99 5.037 33,41 Atendimento ambulatorial 4.338 38,24 3.401 26,31 2.976 20,76 2.842 19,81 2.687 17,82 Internações hospitalares 3.755 33,10 3.748 29,00 3.600 25,11 2.751 19,18 2.350 15,59

TRANSFERÊNCIAS 3.251 28,66 5.776 44,69 7.759 54,12 8.752 61,01 10.039 66,59

Média e Alta complexidade 3.251 28,66 3.750 29,01 4.698 32,77 5.223 36,41 6.124 40,62 Assistência hospitalar e ambulatorial 2.580 22,74 3.379 26,14 4.420 30,83 4.698 32,75 2.096 13,90 Gestão plena sist. munic. – alta compl. - - - - - - - - 671 4,45 Gestão plena sist. munic. – média compl. - - - - - - - - 2.537 16,83 Fator de recomposição – 25% 644 5,68 249 1,93 - - - - - - Outros 26 0,23 120 0,93 280 1,95 525 3,66 820 5,44 Atenção Básica - - 2.027 15,68 3.061 21,35 3.529 24,60 3.778 25,06 PAB Fixo - - 1.719 13,30 2.228 15,54 2.013 14,03 1.842 12,22 PAB Variável - - 308 2,38 791 5,52 1.463 10,20 1.844 12,23 Outros - - - - 42 0,29 53 0,37 93 0,62 Ações Estratégicas - - - - - - - - 137 0,91 Total 11.345 100,0 12.925 100,0 14.337 100,0 14.345 100,0 15.076 100,0 Fonte: Datasus – MS. Elaboração própria.

Notas: - (*) Regime de competência.

- Os valores são apresentados em R$ 1.000 e deflacionados pela média anual a preços de dezembro de 2001, conforme o IGP-DI – FGV.

Conforme demonstrado na Tabela 7, e no Gráfico 2 a seguir, a expansão das transferências foi acompanhada de um aumento médio da participação da despesa com Média e Alta Complexidade de 28,66% para 40,62%, entre 1997 e 2001, e um crescimento nesse período, de 88,3%, passando de R$ 3.251 milhões para R$ 6.124 milhões, a preços de dezembro de 2001. As transferências de valores para a Atenção Básica também cresceram: 86,4%, entre 1998 — quando tiveram início — e 2001. Esta absorveu 15,68% dos recursos federais transferidos para municípios em 1997, passando a 25,06%, em 2001.

Gráfico 2

Evolução das transferências federais do SUS, segundo o nível de atenção à saúde — 1997-2001

- 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 1997 1998 1999 2000 2001 R$ 1.000

Média e Alta complexidade Atenção Básica Ações Estratégicas

Fonte: Elaboração própria, com os dados da Tabela 7.

Nota: Os valores são apresentados em R$ 1.000 e deflacionados pela média anual a

preços de dezembro de 2001, conforme o IGP-DI/FGV.

Analisando-se os componentes que integram as transferências para a Média e Alta Complexidade (MAC), observa-se que o maior é o da “Assistência Hospitalar e Ambulatorial” (Tabela 7 e Gráfico 2). Contudo, chama a atenção, nessa categoria de transferência, a prática de vincular às ações e aos programas assistenciais específicos — isto é “carimbar” os recursos —, por meio do crescimento do componente “Outros” (de 0,23% para 5,44%), as campanhas do Ministério da Saúde. Essas campanhas compreendem, entre outras, a “Campanha de cirurgia de catarata”, o “Combate ao câncer de colo uterino”, a “Campanha de cirurgia de próstata”, o “Programa nacional de controle de tuberculose”, entre outras. Embora a participação relativa dessa transferência em relação ao total dos recursos repassados pelo Ministério da Saúde possa ser considerada pequena, verifica-se que é crescente essa forma de repasse de recursos carimbada pelo governo federal. Para se ter uma idéia, o Datasus registra, em 1997, apenas cinco tipos de despesa (“campanhas”); em 1998, 14; em 1999, 33; em 2000, 43; e, em 2001, o número de itens registrados atinge a cifra de 77110. Esse crescimento dos itens de despesa da transferência “Outros” não assume apenas seu aspecto contábil. Como já comentado, são recursos vinculados a programas específicos, de maneira que, para o município receber os recursos, a condição é assegurar o desenvolvimento desses programas (campanhas).

Dois movimentos no sistema de transferências de recursos do Ministério da Saúde em 2001 podem ilustrar mais uma vez o nível de detalhamento e “engessamento” que ocorre com os

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recursos federais repassados para os municípios. O primeiro foi a criação de dois itens específicos: “Gestão plena do sistema municipal média complexidade”, que absorve, do total das transferências, 4,45%, e “Gestão plena do sistema municipal alta complexidade” (16,83%) (Tabela 7). Esses dois itens podem ser entendidos como “desdobramentos” do componente Assistência Hospitalar e Ambulatorial, que ainda assim se mantém como um item em separado. Esses dois novos itens decorreram do destaque dado pela nova Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS/2001) à média e à alta complexidade, a fim de garantir o processo de regionalização da saúde111. Essa norma atribui destaque à média e alta complexidade, pois considerava-se que esses níveis de atenção à saúde deveriam ser aprimorados para melhor garantir o processo de regionalização dos serviços de saúde. Contudo, em que pese esses itens refletirem a lógica introduzida pela NOAS, sua criação acentua o uso de incentivos financeiros (chamados de carimbos) como determinante da política local de saúde.

O segundo movimento foi o estabelecimento da modalidade de transferências denominada de Ações Estratégicas (Tabela 7 e Gráfico 2). Essas ações destinadas à cobertura da alta complexidade compreendem, entre outras, “Campanha de oftalmologia”, “Cirurgias de alta freqüência”, “Cirurgias eletivas”, “Combate ao câncer de colo uterino”, “Deficiência auditiva escolar” e “Deformidade craniofacial”. Para esse conjunto de Ações Estratégicas, foram destinados, em 2001, 0,91% dos recursos federais gastos com ações e serviços de saúde. Embora esse percentual possa ser considerado pequeno, é indicativo do aprofundamento da política de financiamento da saúde assumida pelo governo federal nos últimos anos.

A análise das transferências federais para a Atenção Básica revela que sua participação relativa no total das transferências cresceu significativamente, em apenas quatro anos. Como já mencionado, de 15,68%, em 1998, ampliou-se para 25,06%, em 2001 (Tabela 7 e Gráfico 2). Interessa-nos, no entanto, destacar as alterações na importância relativa dos componentes da Atenção Básica. Entre 1998 e 2001, o PAB variável adquire progressiva importância no interior da Atenção Básica, passando de 2,38% para 12,23% do total de recursos federais. Registre-se um crescimento dos recursos transferidos por meio do PAB variável nesse período de 499,4% (ver Gráfico 3). Chama especial atenção o que ocorreu, particularmente, em 2001. Neste ano, pela primeira vez, os recursos destinados para o PAB variável igualaram-se aos repassados para o

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PAB fixo, sendo 12,23% e 12,22%, respectivamente, do total de recursos federais. O Gráfico 3 ilustra esse movimento.

Gráfico 3

Evolução das transferências federais do SUS para a Atenção Básica (1998-2001)

- 500 1.000 1.500 2.000 2.500 1997 1998 1999 2000 2001 R$ 1.000

PAB Fixo PAB Variável

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da Tabela 7.

Nota: Os valores são apresentados em R$ 1.000 e deflacionados pela média anual a preços de dezembro de 2001, conforme o IGP-DI/FGV.

A equiparação entre o PAB variável e fixo, em 2001, foi resultado não só do fato de o volume de recursos destinados ao PAB fixo ter decrescido desde 1999 (–17,3%), como ter aumentado o volume de recursos transferidos para o PAB variável (133,0%).

Como já comentado, o PAB variável é constituído de diferentes incentivos que “premiam” os municípios que desenvolvem os diferentes programas. No período 1998-2001, dentre esses incentivos, o principal destaque foi o Programa Saúde da Família – PSF (Tabela 8). Para se ter uma idéia desse crescimento, ao passo que os recursos destinados para a totalidade da Atenção Básica foram ampliados em 86,4%, os recursos para o PSF aumentaram 778,4%, o que resultou no crescimento do número de equipes no País, passando de 3.083, em 1998, para 13.168, em 2001112.

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Tabela 8

Recursos Federais SUS transferidos para a Atenção Básica, por tipo de despesa(*) (1998-2001), em R$ 1.000

Itens 1998 1999 2000 2001

Valor % Valor % Valor % Valor %

ATENÇÃO BÁSICA 2.027 15,68 3.061 21,35 3.529 24,60 3.779 25,06

PAB FIXO 1.719 13,30 2.228 15,54 2.013 14,03 1.842 12,22

PAB VARIÁVEL 308 2,38 791 5,52 1.463 10,20 1.843 12,23

Programa agentes comunitários de saúde 144 1,11 264 1,84 327 2,28 318 2,11 Programa de Saúde da Família 67 0,51 139 0,97 430 3,00 584 3,88

Farmácia básica - - 163 1,14 188 1,31 174 1,15

Incentivo a ações básicas vigil. sanitária 36 0,28 49 0,34 44 0,31 43 0,28 Inc. ações combate à carência nutricional 62 0,48 177 1,23 180 1,26 164 1,08 Epidemiologia e controle de doenças - - - - 293 2,05 529 3,51

Incentivo à saúde bucal - - - 31 0,21

OUTROS - - 41 0,29 53 0,37 93 0,62

DEMAIS NÍVEIS DE ATENÇÃO 10.898 84,32 11.277 78,65 10.816 75,40 11.297 74,94

TOTAL DE RECURSOS FEDERAIS 12.925 100,0 14.337 100,0 14.345 100,0 15.076 100,0 Fonte: Datasus – MS.

Elaboração própria.

Notas: - (*) Regime de competência.

- Os valores são apresentados em R$ 1.000 e deflacionados pela média anual a preços de dezembro de 2001, conforme o IGP-DI/FGV.

Essa expansão de recursos do PSF foi acompanhada também, no mesmo período, pelo aumento dos recursos destinados a: “Incentivo às ações de combate a carência nutricional” (165,6%); Programa de Agentes Comunitários de Saúde (120,9%); “Incentivo às ações básicas de vigilância” (18,9%) e “Farmácia básica” (7,0%). Em 2001, chama a atenção a queda do volume de recursos em todos os itens que compõem o PAB variável, com exceção do PSF, de “Epidemiologia e controle de doenças” — instituído em 2000 — que aumentou 80,5% em relação ao ano anterior, e do “Incentivo à saúde bucal” que foi implantado em 2001.

A introdução de incentivos, a partir de 1998, estimulando os municípios a desenvolverem programas, significou, sem sombra de dúvida, o aumento de poder do governo federal na indução da política nacional de saúde, especialmente no campo da Atenção Básica. Esse crescimento de poder do Ministério da Saúde na determinação da política de saúde local, embora tenha como foco as ações e os serviços de atenção básica, e por isso seja instrumento da transformação do modelo assistencial, não é isento de problemas e contradições.

Duas observações importantes devem ser feitas sobre esses dados. Em primeiro lugar, é importante verificar que a NOB 96 — em que pese ser importante mecanismo na operacionalização da descentralização do sistema —, ao incrementar as transferências diretas

“fundo a fundo” no campo da Atenção Básica, pode impedir ou obstar a construção de uma política de saúde ancorada nas necessidades dos municípios. Isso porque, ao introduzir o mecanismo de transferência para a Atenção Básica (PAB), rompendo com a lógica de repasse global para a saúde de forma integral (NOB 93), instituiu as condições para o surgimento das políticas de incentivos financeiros que se seguiram. Em segundo, o que se observou na prática, nesses últimos anos, foi que a política de incentivos teve sucesso, de modo que os municípios concentraram suas ações no nível de Atenção Básica113.

Consolida-se assim, desde a implantação da NOB 96, e, em particular, nos últimos anos, uma forma peculiar de transferir recursos aos municípios. Tendo em vista a escassez de recursos, sempre presente na área da saúde, o fato de as campanhas terem se tornado uma prática constante, a partir de 1998, e o fato de os municípios serem estimulados a incorporar os programas que lhe acrescentaram receita financeira, pode significar que está se assistindo ao reforço da determinação do governo federal na formulação da política de saúde, impedindo que os municípios, no exercício de sua autonomia, planejem uma política mais adequada às necessidades locais. Em outras palavras, apesar de as transferências fundo a fundo terem aumentado significativamente nos últimos anos, a introdução de incentivos, campanhas e outras formas de direcionamento de recursos rompeu com a idéia original, isto é, de permitir que o município tivesse liberdade na alocação dos recursos transferidos a seu fundo (repasse global, regular e automático). A liberdade concedida ao município nesse tipo de arranjo se circunscreve a organizar e/ou contratar os serviços “incentivados”.

Numa perspectiva bastante crítica, Barros (2001) sugere que essa fragmentação do financiamento instala um processo de “recentralização seletiva” que vem a se consolidar com a edição da Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS/2001. De forma geral, essa norma promoveu a redefinição das funções das esferas de governo e fragmentou a gestão do sistema segundo níveis de complexidade da assistência, diminuindo assim o poder de decisão do gestor municipal sobre determinadas áreas do sistema. Essa autora chama a atenção para a especialização das instâncias de governo, tornando os municípios responsáveis pela atenção

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Uma pesquisa do Núcleo de Estudos de Pesquisas de Políticas Públicas – Unicamp (2001), utilizando um survey nacional com secretários municipais de saúde, mostra que cerca de 80% dos entrevistados concordam que a adoção do PAB reorientou as ações da Secretaria Municipal de Saúde para a Atenção Básica. Esse resultado é praticamente o mesmo para todos os tipos de municípios categorizados pela pesquisa por regiões do País, porte populacional, capacidade fiscal e tamanho da máquina administrativa do município.

básica e reservando à União e estados a gestão da média e alta complexidade. Para se entender a abrangência dessa norma serão relacionadas a seguir apenas as suas idéias principais.