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CAPÍTULO I- INTERVENÇÃO NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

4. Os erros como forma de apropriação do sistema ortográfico

4.1. Tipologia dos erros ortográficos

Os erros ortográficos têm sido objeto de análise há muitas décadas, pelo que são inúmeras as tipologias propostas com o intuito de os categorizar. Na impossibilidade de se abarcar todas as existentes, irei abordar algumas delas.

Faria de Vasconcelos (1935), numa das suas obras pioneiras intitulada O ensino da ortografia, problemas e métodos, já identificava várias tipologias, das quais a título de exemplo destacarei duas que datam da segunda década do século XX. Em primeiro lugar a de Foster que, partindo da análise de 2005 erros cometidos por alunos provenientes do ensino secundário, preconizava a existência de três tipos de erros: “falta de cuidado, pronúncia viciosa e inserção ou omissão de letra”. Em segundo lugar, a de Hollinworth que, por construir uma tipologia invulgar, será integralmente transcrita a partir de Faria de Vasconcelos (1935):

a) “Erros que resultam de se copiar automàticamente o fim duma palavra que está exactamente por cima da palavra que deve ser escrita.

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b) Erros que resultam automàticamente de se incluir a sílaba duma palavra que deve seguir a palavra que se deve escrever e que vem ao espírito quando se acaba a palavra.

c) Erros que resultam duma tendência para omitir na ortografia escrita uma ou duas letras que requerem uma resposta motriz semelhante para a sua execução.

d) Erros que resultam de se escrever uma letra que tem elementos comuns quinestésicos em vez de se escrever a letra correcta.

e) Erros que resultam de se substituir uma letra que tem elementos visuais comuns em vez da letra devida.

f) Erros que resultam da substituição duma letra que tem elementos fonéticos comuns em vez da letra necessária.

g) Erros que resultam da transposição de duas letras adjacentes, como acontece com frequência em dactilografia.

h) Erros que resultam da perseveração dum elemento, especialmente dum elemento dominante, numa palavra a empregar.

i) Erros que resultam duma tendência para se omitir a última letra da palavra que deve ser escrita quando a letra inicial da palavra seguinte tem o meso som ou semelhante.

j) Erros devidos a dobrar a letra errada numa palavra que contém letra dobrada. k) Erros devidos a uma tendência marcada para cometer o mesmo erro

característico; havendo pois uma idiossincrasia para certas espécies de êrro, ex.: inserção de letras, acrescentar uma letra ao fim de cada palavra” (pp. 91-92). Mateus (2002), elaborou uma classificação dos erros ortográficos subdividindo- os em três categorias:

i) “Ortografia das regras gramaticais, ligadas à forma ortográfica dos morfemas nas palavras (formação do plural - *regions, superlativo absoluto simples - *diversicímas, numerais - *centezino, verbos - *chama-mos, conjunções - *por

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que, locuções - *derrepente, interjeições - *à, hà, composição e derivação - *sosinha) (p. 118).

ii) Erros de vocabulário, subdivididos em:

a. Ortografia do uso – referente aos erros que não possuem uma regra que determine a sua forma ortográfica correcta, pelo que só o contacto com a palavra permite a sua aprendizagem (confusão de letras - *expulsar, adição de letras - *hainda, omissão de letras - *umedeceu, homógrafas - *pêlos, homófonas - *vós e composição - *deshabitadas) (p. 119).

b. Ortografia fonética e disfonética – que inclui erros que apresentam o desaparecimento, adição ou substituição de sons (adição de vogais - *ademirado, adição de consoantes - *de repetente, queda de vogais - *indifrente, queda de consoantes - *soria, substituição de vogais - *princepes, substituição de consoantes - *desabitatas, metátese - *presseguidos) (p. 120).

iii) Acentuação, Corte anormal e Aglutinação. a. Acentuação

- troca de sílaba - *múrmurio - acentuação indevida - *humildáde - falta de acento - *lagrimas

- troca de acento - *àgua b. Corte – Aglutinação

- corte anormal - *tam bem - aglutinação - *duqual” (p. 121).

Feita esta revisão de algumas das primeiras tipologias, podem ser destacados trabalhos mais recentes, como as propostas de Barbeiro (2007), Gomes (2001, 2006) e Zorzi (2003). Destas tipologias, uma das mais atuais e divulgadas, talvez pela sua aplicabilidade ao contexto escolar, é a proposta por Jaime Luiz Zorzi (1998, 2003). Considera oito categorias:

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1) “Alterações ou erros decorrentes da possibilidade de representações múltiplas No PE existem correspondências entre grafemas/fonemas que são biunívocas e outras em que essa estabilidade não se observa. O fonema /p/ é um exemplo das primeiras, na medida em que apenas pode ser grafado com a letra p. Em contrapartida, o fonema /s/, uma vez que pode ser representado por múltiplas letras como s, ss, c, ç é um exemplo claro do segundo tipo de correspondências. São precisamente estes últimos, os tipos de erros que o autor incluiu nesta categoria e que envolve 9 situações que irei resumir no quadro seguinte.

Categoria Exemplos

Erros envolvendo a grafia do fonema /s/ dado que o mesmo pode ser escrito por uma diversidade de letras: s (salada, pasta, lápis); ss (passear); c (cimento); ç (pedaço); sc (descer); sç (nasça); xc (excesso); x (explicar); e z (nariz)

caçador - *casador; travesseiro - *traveseiro; explicação - *esplicação; sentindo - *centindo; será - *cerá; cresceu - *creseu; serviço - *serviso; apareceu - *pareceu.

Erros relativos à grafia do fonema /z/, que pode ser representado pelas letras: z (zero); s (casar); e x (examinar).

Presente - *prezente; tristeza - *tristesa; fazer - *faser; exemplo - *esemplo.

Erros envolvendo a grafia do fonema /ʃ/ que pode ser grafado com as letras: x (enxugar) e ch (chegar).

Manchar - *manxar; machucado - *maxucado; churrasco - *xurasco; bruxa - *brucha.

Erros envolvendo escrita do fonema /ʒ/ que pode ser representado pelas letras: j (janela) e g (geladeira).

Tijolo - *tigolo; gelatina - *jelatina; jornal - *gornal; girassol - *jirassol.

Erros relativos à grafia do fonema /k/ que pode ser escrito com as letras q (querer); c (carro); e k (kispo).

Sequestrador - *secuestrador; caçador - *qasador; explicação - *expliquação; quarto - *cuarto.

Erros provocados pelo facto da letra r poder representar os sons /χ/ e /ɾ/, dependendo do contexto gráfico: quando em posição inicial de sílaba se escreve o som /χ/ (rede) e quando aparece no final de sílaba (barco) ou no interior das palavras e entre vogais (parede) grafa o som /ɾ/.

Churrasco - *churasco; macarrão - *macarão; cachorra - *cachora; arrependido - *arepemdido.

Erros relativos ao facto de que a letra g pode representar o som /ʒ/ (geladeira) quando acompanhada das vogais e e i, assim como o som /g/ quando antecede as vogais a, o e u (galinha, gola, guloso) ou nas construções silábicas com guê e gui (guerra, guitarra).

Já - *ga; jornal - *gornal; seguir - *segir; sangue - *sange.

Erros produzidos porque a letra c pode representar o som /k/ (coisa) como o som /s/ (cinema).

Quero - *cero; quebrado - *cebrado. Erros decorrentes do uso das letras m e n para indicar

a nasalidade das vogais nasais, que podem ser escritas das seguintes formas:

- ã, am, an (irmã, samba, canta) - em, en (sempre, pente)

- im, in (limbo, pinta) - om, on (pombo, conto) - um, un (cumprimento, junto)

perguntou - *pergumtou; combinar - *conbinar; conselho - *comselho; também - *tanbém.

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2) Alterações ortográficas decorrentes de apoio na oralidade

Segundo o autor, podemos encontrar palavras em que existe uma correspondência linear entre a forma como são escritas e o modo como as pronunciamos, por exemplo, dizemos pata e escrevemos pata, pronunciamos calada e também escrevemos calada. No entanto, a escrita alfabética não é uma escrita totalmente fonética e, como tal, existem palavras que são pronunciadas de uma forma que não corresponde exatamente à forma como são escritas. Nestes casos diz-se que o padrão acústico-articulatório não coincide com o padrão visual ou ortográfico. As palavras que são escritas de forma incorreta devido ao apoio na oralidade foram classificadas nesta categoria (Zorzi, 1998). 3) Omissões de letras

Esta categoria inclui as palavras escritas de forma incompleta, devido à omissão de uma ou mais letras (e.g., *bombero – bombeiro; *tisora – tesoura; *sague – sange; *compreou – compro).

Segundo o autor, a criança não apresenta esta dificuldade em qualquer palavra. Ela manifesta-se, particularmente, nas palavras cujas sílabas não seguem o padrão mais frequente de consoante-vogal (CV), ou seja, nas construções silábicas mais complexas. De forma mais específica, Zorzi sublinha os casos de sílabas em que há uma combinação de consoante-vogal-consoante (CVC), onde ocorre a omissão da última consoante (e.g., letras m, n, s, l, r que são omitidas em posição final de sílaba) e também quando há encontro vocálico no qual uma das vogais é omitida (Zorzi, 2003).

4) Alterações caracterizadas por junção ou separação não convencional das palavras

Na linguagem oral, as palavras fluem naturalmente sem que nos apercebamos dos limites que as separaram. A sua pronúncia não é feita isoladamente, uma a uma, mas antes com o tempo de pausas variáveis que formam uma espécie de blocos. Contrariamente, a escrita exige critérios precisos de segmentação ou de separação de uma palavra em relação às demais. Consequentemente, verifica-se que nas situações em que as crianças se socorrem dos padrões de oralidade para segmentar a escrita ou quando não estão seguras do início e fim de uma palavra, surgem os erros de segmentação (palavras unidas entre si) ou de separação,

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como por exemplo, às vezes - *asvezes; naquele - * na quele; quatrocentos - *quatro sentos (Zorzi, 1998, p. 37).

5) Alterações decorrentes de confusão entre as terminações am e ão

Zorzi (2003) considera que não é uma tarefa fácil para a criança decidir, acertadamente, se uma palavra é escrita no final com am ou ão. Esta dificuldade deve-se ao facto de essa decisão implicar o domínio de elementos linguísticos que se reveste de uma certa complexidade. No seu estudo, o autor constatou que 93,3% dos alunos do 1º ano apresentaram este tipo de erro, na medida em que tendencialmente escreviam com ão palavras que deveriam escrever com am. No 2º ano, embora a percentagem seja inferior (80,3%), ainda continua significativa, uma vez que representa a maioria. Nos anos subsequentes verificou-se uma diminuição significativa de valores, mas cerca de metade dessas crianças ainda continuaram a manifestar essa dúvida na escrita de palavras com tais terminações. Para Zorzi (2003) estas confusões ocorrem porque ambas as terminações são produzidas oralmente de modo semelhante.

6) Generalização de regras

O autor classificou nesta categoria as alterações efetuadas na escrita de palavras que embora pareçam indicar a generalização de procedimentos de escrita aprendidos, os mesmos são aplicados de forma inapropriada. Zorzi (1998, p. 38) apresenta os seguintes exemplos: *cenema – cinema; *fugio – fugiu; *cemento – cimento.

7) Alterações caracterizadas por substituições envolvendo a grafia de fonemas surdos e sonoros

As alterações ortográficas que se enquadram nesta categoria prendem-se com as palavras que apresentam trocas entre as letras p/b; t/d; q-c/g; f/v; ch-x/j-g; e o grupo de letras que representam o som /s/ versus o grupo de letras que representam o som /z/. Os exemplos apresentados pelo autor são os seguintes: pegando - *peganto; jornal - *chornal; perdido - *perdito; fome - *vome (Zorzi, 1998, p. 38).

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8) Acréscimo de letras

Esta categoria engloba as situações em que as palavras são escritas com mais letras do que convencionalmente deveriam ter, como por exemplo: apareceu - *papareceu; estava - *estatava; fugiu - *fuigiu (Zorzi, 1998, p. 38).

9) Letras parecidas

Zorzi (1998) constatou ainda que as crianças, por vezes, escreviam palavras erradamente, utilizando letras incorretas. Contudo, recorrem a letras com alguma semelhança em relação à letra que deveria ser utilizada. É o caso de trocas entre m e n (quando em posição inicial de sílaba) e dos dígrafos nh, ch, lh. Em forma de exemplo, apresenta os seguintes casos: tinha - *timha; caminho - *caminlo; medo - *nedo (p. 39)

10) Inversão de letras

Este erro diz respeito às palavras escritas com as letras em posição invertida no seio da própria sílaba. Incluem-se também as situações em que as sílabas surgem em posição diferentes daquela que deveriam ocupar na palavra, por exemplo: pobre - *pober; fraquinho - *farquinho; acordou - *arcodou; enxugar - *enhugra (Zorzi, 1998, p. 39).

11) Outras

Por fim, nesta categoria foram englobadas as alterações observadas nalgumas crianças, parecendo, contudo estar restritas à sua forma particular e individual de escrever, por exemplo: sangue - *jange; bruxa - *gurcha; preciso - *parcicho; labirintos - *britos” (Zorzi, 1998, p. 39).

Existem, no entanto, algumas situações em que o erro se enquadra em mais do que uma categoria, como por exemplo na palavra infelizmente - *inflismente, onde ocorre, simultaneamente uma omissão (do grafema e) e uma substituição (o grafema z é substituído pelo grafema s).

Para além disso, a análise unicamente do produto final pode, por si só, não ser suficiente para se compreender a dificuldade que lhe está inerente. Segundo Barbeiro (2007) a escrita da palavra *trade em vez de tarde, “com a ocorrência da troca na

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posição das letras, ou metátese, poderá revelar uma incapacidade de efetuar essa transcrição, segundo o princípio da sequencialidade” (p. 107). Outro exemplo representativo desta ideia e, por sinal muito frequente nas fases iniciais da aprendizagem da escrita, são os erros que ocorrem devido ao apoio na oralidade, quando a criança escreve *bebere em vez de beber, *felore em vez de flor ou *baso em vez de vaso. Conhecer quem escreve, nomeadamente ao nível do seu domínio da linguagem oral é determinante para compreender alguns dos erros.

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