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2.2 A sociologia de Max Weber: a Teoria da Ação Social e a Tipologia Ideal

2.2.2 Tipologia Ideal de Dominação

A Tipologia Ideal de Dominação é construída a partir das noções de tradição/Patriarcado, Carisma e Burocracia.

Nessa direção, e para fins desta pesquisa, as formas de legitimação de poder na organização religiosa Igreja Universal do Reino de Deus – IURD, do ponto- de-vista social, variam nas formas tradicional/patriarcal, carismática e racional.

2.2.2.1 A dominação tradicional/patriarcal (Patriarcado)

Baseada na tradição, este tipo variante de domínio weberiano pode ser considerado como a forma mais universal e primitiva de dominação legítima, já que, por essência, tem por fundamento as relações de caráter pessoal guiadas por um grupo de regras, princípios e valores normalmente objetivados em organizações, aprendidos desde criança e aplicados em situações concretas transmitidas às gerações que estão por vir.

Originalmente, de acordo com Alves (2003), o Patriarcado representa a autoridade e o controle do pai, ou também do homem mais velho, sobre a família, membros da casa e servos domésticos, legitimando-se na crença de uma autoridade que sempre existiu; por isso, a lealdade pessoal, bem como, o respeito aos costumes e aos antepassados, alicerçam a estrutura patriarcal. Nota-se, ainda, que a própria organização familiar patriarcal se solidariza com o seu líder, usufruindo normalmente da mesma habitação, compartilhando alimentos, de forma mútua e dependente, reforçando a proximidade pessoal10.

Dessa forma, Catunda (2009) comenta que a fidelidade ao senhor patriarcal, por parte de seus membros subordinados, deve-se à sua dignidade intrínseca,

obedecendo-se às ordens emanadas por ele sem que lhes peça ou obrigue a fazer, já que fazem parte de um costume já arraigado. No entanto, ao mesmo tempo em que existe compromisso da parte do patriarca com a tradição que legitima sua posição, ela ratifica-lhe o direito (limitado) ao exercício da autoridade que o investe, manifestada em sua vontade pessoal.

Para Alves (2003), esse fato faz com que o Patriarcado possa ser compreendido em uma área estritamente ligada à tradição (objetiva) e outra contendo elementos do livre arbítrio (subjetiva).

No entendimento de Catunda (2009, p. 23), esse contraste justifica-se pelo fato de que

A diferença entre a objetividade e a subjetividade exercidas pelo patriarca pode ser mais bem entendida a partir de algumas associações, como: da tradição (área objetiva) à expressão ‘conservador’; do livre arbítrio (área subjetiva) ao termo ‘reformista’, e, finalmente, do fato de haver um relativo equilíbrio entre tradição e livre arbítrio, ao termo ‘renovador’.

Por isso, quando ocorre a prevalência da dominação tradicional/patriarcal, é importante que se levem em conta as diferenças entre a tradição, o livre arbítrio e o equilíbrio entre ambas, para que se possam compreender melhor suas associações a partir da objetividade e da subjetividade nas relações do poder organizacional.

Para melhor explicar o reconhecimento da estrutura tradicional/patriarcal no funcionamento das organizações, deve-se recorrer àquelas em que o comando administrativo situa-se nas mãos de uma mesma família, cujos integrantes se perpetuam no poder. Dessa forma, torna-se mais fácil compreender o motivo pelo qual algumas Igrejas Neopentecostais, no Brasil, costumam ser comandadas por indivíduos que, simultaneamente, são presidente (dono) e patriarca, mantendo na composição hierarquia estratégica da estrutura

organizacional administrativa11 dessas organizações os membros de sua família

(ou pessoas de sua plena confiança), atuando de forma conservadora, reformista ou renovadora. No entanto, a partir do momento em que tais organizações familiares experimentam o crescimento em seus empreendimentos, passam por transformações (hibridização), mesclando a tradição/Patriarcado com um outro tipo de dominação organizacional, em função das necessidades de se organizar racionalmente, pois

Progressivamente, na medida em que tal empresa adquire dimensões maiores, ou seja, na medida em que ela cresce, ocorre a necessidade natural de se criar uma ação racional no tocante aos fins, através da implantação de componentes burocráticos. Note-se também que, quando ocorre mudança da liderança patriarcal dentro da empresa, paralelamente se tem a subjetividade da ação social atuando através do livre arbítrio, em maior ou menor grau, em função das novas ideias, visões e propostas trazidas pelo substituto, justificando a manifestação da vontade do patriarca, de forma arbitrária. Excetuam-se neste caso, algumas normas e costumes que possam ser considerados invioláveis. (CATUNDA, 2009, pp.23 – 24).

2.2.2.2 A dominação carismática (Carisma)

Trata-se de um tipo de dominação tipicamente afetiva e fundamentada nos líderes naturais, assim como ocorre no Patriarcado, contrastando, porém, no fato de que, na dominação carismática, a figura do dominador é personificada em um indivíduo portador de carisma, defendendo uma missão estabelecida por ele próprio para o seu séquito, a partir de suas próprias convicções, sem influência de outros. Por isso, atua de forma mais eficiente enquanto mecanismo de dominação, já que

[...] vem de dentro para fora, fazendo com que seus seguidores sejam influenciados pela sedução praticada por seu líder, legitimando-se a partir de características pessoais e da devoção que ele (o líder) consegue impor a seus liderados. Observe-se que o líder carismático utiliza-se de uma forte capacidade argumentativo-persuasiva associada às características da sedução para convencer seus

11 Disposição estrutural administrativa representada por um organograma piramidal, que

seguidores a acreditarem que a melhor opção é segui-lo. (CATUNDA, 2009, p. 24).

Apesar de aparentemente estranho, o termo líder explica melhor o indivíduo dominador dotado de carisma, pois, caso fosse usado o termo chefe, estaríamos nos referindo às relações de subordinação por conta do autoritarismo (amparadas pelo poder legalmente instituído), que são diferentes das relações em que o dominador exerce influência sobre o outro. Nesse contexto, o herói, o profeta, o guerreiro e o grande demagogo são os representantes do tipo mais legítimo de líder carismático, por conta da obediência prestada à sua figura, sendo referenciada no dom que ele ostenta, sem que se considere uma posição hierárquica formalmente estabelecida, ou ainda uma dignidade tradicional. Porém, o Carisma não é eterno (bem como o tipo de dominação que dele provém), já que, com o passar do tempo, ele acaba por se esgotar, passando a ser institucionalizado, objetivo e rotineiro, adquirindo características patriarcais ou racionais, justamente por conta dos seus efeitos transmudarem-se em dogmas, doutrina, jurisprudência, ou ainda, encerrado em uma tradição.

Note-se que, ainda perseguindo a inter e a multidisciplinaridade necessárias à eficiência desta pesquisa, é possível afirmar estarem os traços carismáticos constituintes do tipo de dominação que leva o mesmo nome, imbricados no discurso da Igreja Universal do Reino de Deus.

2.2.2.3 A dominação legal/burocrática (Burocracia)

Esse tipo de dominação fundamenta-se na autoridade racional, ou formal, em que a obediência por parte dos subordinados é legítima, tendo em vista emanar dos superiores hierárquicos o comando. Isso se justifica por ser a dominação legal/burocrática a face mais saliente da racionalização, pois a ação no tocante a um objetivo se sobrepõe progressivamente à ação afetiva e à tradicional. A Burocracia, por estar ligada ao progressivo desenvolvimento do capitalismo, no início do século XX, foi indispensável como um instrumento de adequação dos meios com vista a um determinado fim (agindo de forma eficiente até os dias

atuais), já que, através dela, chega-se a um tipo de autoridade técnica, meritocrática (pois a progressão hierárquica dentro de qualquer estrutura organizacional, pública, privada ou moderna, se dá através do mérito e do saber profissional) e administrada.

Para reforçar sua compreensão, recorre-se novamente a Catunda (2009):

Basicamente, conceitua-se a partir das leis que podem ser promulgadas e da livre regulamentação através de procedimentos formais, tidos como corretos. A partir disso, ocorre por parte dos superiores a simples escolha ou eleição dos governantes hierarquicamente inferiores, fazendo com que tais subordinados exerçam comando de autoridade sob seus domínios, cumprindo regras e leis. Por consequência, a obediência se dá em função do conjunto de normas e regulamentos legais previamente estabelecidos, diferenciando-se da que ocorre com a tradição ou com o carisma.

Além disso,

Algumas características relacionam-se a essa autoridade, como por exemplo: o fato de ela se basear em normas que formam uma legislação, sendo aceitas por seguidores e condutores; ela é adquirida através da racionalidade impessoal, pertencendo ao cargo e não à pessoa, pois quem o ocupa é alguém que somente exerce autoridade, como o chefe, o juiz, o comandante ou o presidente; dita a forma de se comportar desejada aos seus seguidores além de determinar os limites para quem detém a autoridade; torna-se permanente para o cargo enquanto ele existir e temporária para a pessoa que o ocupa. Quando o mandato finda, quem ocupa o cargo perde seus poderes formais conferidos por ele, transferindo-os a quem o sucede. (CATUNDA, 2009. p. 25).

Volvendo essas características para a organização iurdiana, verifica-se não ser comum a presença de traços da dominação legal/burocrática na composição do seu discurso direcionado especificamente à membresia, principalmente por não haver relações empregatícias entre a igreja e seus membros (fiéis). Porém, ao se considerar o fato de que a estrutura organizacional administrativa da Igreja Universal do Reino de Deus se compõe de forma hierárquica, para, além de tratar dos assuntos relacionados à sua administração como empresa, melhor trabalhar o seu discurso e suas estratégias de construção relacionadas às dimensões de poder, controle e acesso, que servem para atrair maior número de adeptos, chega-se à conclusão de que a dominação legal/burocrática, direta ou indiretamente, também se faz presente nas interações discursivas daquela instituição.

Em comparação com os outros dois tipos ideais, o domínio burocrático, para fins organizacionais administrativos, difere, por exemplo, por contar com a predominância da lógica científica contrapondo-se à lógica mágica, mística ou intuitiva percebida no domínio carismático, e à cultura patriarcal arraigada na tradição.

Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, convém inferir que, tanto para os membros da igreja, quanto para os que pretendem fazer parte dela, a figura do Bispo Edir Macedo (como maior representante da IURD) denota, ao mesmo tempo: o patriarca (por fazer em seu discurso associações da sua pessoa com a dos grandes patriarcas bíblicos), o líder carismático (por representar/substituir o papel de líder exercido por Jesus Cristo) e o burocrata (quando mostra ao público o sucesso obtido como empresário bem-sucedido e grande administrador). Dessa forma, e a partir dessas características, o discurso da IURD encontra nas bases sociológicas de Weber um forte aliado para promover a conversão da população, construir estratégias discursivas para influenciar a formação sociocognitiva religiosa do outro e contribuir para a construção da experiência religiosa que leva o outro à mudança de vida.

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