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Tipos de discurso

No documento Funcionalismo e ensino de gramática (páginas 108-111)

3 Os conectores e, aí e então na sala de aula

2. Uma questão de marcação?

2.2 Tipos de discurso

Foram considerados quatro tipos de discurso:

• NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA PESSOAL: Relato em que o informante conta um ou mais fatos que se passaram em certo tempo e lugar, envolvendo a si mesmo e a outros indivíduos, com grande presença de verbos no pretérito perfeito.

(7) era o pastor da igreja que tava ali ... ele poderia ter cha- mado qualquer outro pastor ... aí quando ele disse ... “eu vou chamar o pastor Martins porque ele é pastor dessa pessoa” ...

eu já fi quei tremendo nas bases ... aí ... é ... ele disse bem

assim ... “todo mundo já sabe quem é?” aí a galera fi cou cala- da e não sei que ... aí eu só olhei para ele e só faltei chorar ... fi quei emocionado e tudo mais ... a galera aplaudindo e tudo mais ... e eu fui lá ... receber um livro e tal ... agradeci lá todo envergonhado ... (Corpus D&G, p. 180).

• RELATO DE PROCEDIMENTO: Descrição das etapas necessárias à realização de alguma tarefa ou processo, caracte- rizando-se pela exposição dos eventos em ordem cronológica e pela ênfase na ação.

(8) aí passa pro dois ... aí o dois ... a velocidade do giro do dois ... do fl oculador dois vai ser menor do que do um ... por quê? porque na hora que passa pra dois e o fl oco já tá se formando ... então se a velocidade for a mesma ... o foco ... o fl oco que se forma num:: vai se destruir ... né ... é muito fraco e vai fi ndar quebrando ... né ... então se reduz a velocidade do giro lá do mecanismo ... aí vai pro tercei- ro fl oculador ... fl oculador três aí a velocidade é menor ainda ... mas é bem pequena mesmo a velocidade ... você mesmo vê assim a água girando bem devagarzinho ... cer- to ... entra pro quatro ... geralmente tem quatro ... né ... pode ter cinco ... seis ... dependendo da vazão que ele tiver ... né ... então lá tinha quatro ... na estação Botafogo tinha quatro fl oculador só ... então quando chega no quatro a velocidade é mínima mesmo ... (Corpus D&G, p. 197). • DESCRIÇÃO DE LOCAL: Tipo de discurso em que um lo- cal é exposto detalhadamente em suas peculiaridades e contornos.

(9) Bem na sala, teiam um sofá, umas cadeiras e uma televisão. Na cozinha teiam, uma mesa, umas cadeiras, uma geladeira e um fogão. E no banheiro teiam um espe- lho, um sanitario, um boxer e um choveiro. E nos quartos teiam camas, espelhos e janelas. E na prai tinham pedras, morros, plantas, pé de manga, pé de laranja e as ondas muito altas. (Corpus D&G, p. 426).

• RELATO DE OPINIÃO: O informante tece considera- ções a respeito de determinado tema, evidenciando sua opinião acerca do mesmo.

(10) constantemente tá sendo seqüestrado pessoas ... e eles num querem saber não ... apanham ... né? essas pes- soas ... fi cam em ... em lugares super ... super desconfortá- veis ... apanhando ... e até matam ... num quer nem saber ... então seqüestro também ... era pra ser pena de morte ...

Qual dos tipos de discurso é o mais marcado e qual é o menos marcado? Para tentar responder a essa questão, compara- mos a narrativa de experiência pessoal, o relato de procedimento, a descrição de local e o relato de opinião. Salientamos, porém, que tal comparação não se aprofunda em detalhes, fundamentan- do-se apenas em propriedades gerais de cada tipo de discurso: (i) tempo e aspecto verbais mais recorrentes; (ii) natureza do tipo de informação predominante.

A narrativa caracteriza-se pela seqüenciação cronológica de eventos passados, temporalmente delimitados, correlacionan- do-se ao pretérito perfeito, seqüencial e ancorado no evento, e ao aspecto perfectivo, compacto e completo. Trata-se do tempo e do aspecto menos marcados: tendem a ser mais freqüentes no dis- curso humano e a exigirem menos esforços cognitivos em termos de processamento e percepção (GIVÓN, 1993). Podemos opor à narrativa o relato de opinião, caracterizado pela exposição de opiniões do falante acerca de determinado fato ou idéia, corre- lacionando-se com o tempo presente, não seqüencial e ancorado na fala, e o aspecto imperfectivo, durativo e incompleto. São es- ses um dos tempos e o aspecto verbal mais marcados. Como o relato de opinião envolve a exposição de pontos de vista, o que é relativamente complexo em nível de processamento e percep- ção, bem como envolve o uso de tempo e de aspecto marcados, consideramos que seja o tipo de discurso mais marcado. Diferen- temente, na narrativa, predominam verbo e aspecto não marcados e a seqüenciação de eventos delimitados, completos, e, por isso, mais facilmente processáveis. A narrativa é, portanto, o tipo de discurso menos marcado.

No relato de procedimento ocorre a seqüenciação das eta- pas de um processo, geralmente no presente. Esse tipo de discur- so, embora se aproxime da narrativa pelo traço de seqüenciação temporal, está vinculado a um tempo verbal mais marcado e ten- de a apresentar eventos não delimitados, durativos, conseqüente- mente, mais complexos quanto ao processamento. É, dessa guisa, mais marcado que a narrativa. A descrição também é mais com- plexa que a narrativa, por envolver a exposição das características de um elemento, feita comumente no pretérito imperfeito ou no

Propomos, por conseguinte, um contínuo de marcação en- volvendo os tipos de discurso que (i) parte da seqüenciação de eventos passados, delimitados temporalmente e não durativos, o que é típico da narrativa; (ii) passa pela seqüenciação de eventos não delimitados e durativos, como no relato de procedimentos; (iii) chega à ordenação de informações relativas às propriedades de um elemento ou à ordenação de argumentos e opiniões, típicas da descrição e do relato de opinião, respectivamente. Defi nimos o relato de opinião, por envolver a manifestação de pontos de vista, como mais complexo que a descrição, em que ocorre a exposição de características de um ser ou objeto. A hipótese é que e, o co- nector menos marcado, deve ser mais freqüente na narrativa, ao passo que então, o conector mais marcado, deve aparecer mais no relato de opinião.

Observemos os resultados na tabela 2, que revela que e e

aí são bastante propensos a ocorrer em narrativas de experiência

pessoal (com 41% e 51% de seus dados, respectivamente), e aí também se destaca em relatos de procedimentos (com 35% de seus dados). Por sua vez, então predomina em relatos de opinião (com 41% de seus dados).

Tabela 2: Distribuição de e, aí e então – tipos de discurso

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