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O Código Penal de 1940 trouxe duas inovações em relação aos semi- imputáveis e inimputáveis. A primeira se deu pela utilização do critério periculosidade para aplicação da pena; e a segunda pela inclusão da medida de segurança ao rol de sanções aplicáveis aos transgressores.

Tal empenho jurídico possuía como expediente, para a concretização de uma reforma penal eficaz e abrangente, a atividade repressora, a submissão do infrator ao núcleo do sistema de justiça penal, para melhor controlá-lo e reprimi-lo. Essa subordinação, juridicamente, traduzia-se na aplicação da periculosidade como critério de orientação e articulação do desempenho das medidas de intervenção nas instâncias repressoras do aparelho sancionatório. Enfatizou-se, assim, a periculosidade como “[...] a propensão [...] para o mal, a tendência para o mal, revelada por [...] atos [...] ou pelas circunstâncias em que se pratica o delito [...]” (SILVA, 2007, p. 1030).

A criminologia, então se incumbiu de distingui-la sob o viés social e o criminal. Fundamentou-se, desse modo, a periculosidade social na ausência de comportamentos ilícitos, e a periculosidade criminal na periculosidade existente após a execução de práticas delituosas. Situou-se a periculosidade social na existência de condições pessoais reveladoras do perigo do agente anteriores ao crime, estabelecida estritamente no perigo do delito. Já a periculosidade criminal se estabelece a partir da confirmação ou derivação do empreendimento criminoso, ou seja, é constituída no risco de reincidência (SILVA, 2007).

Surge, por conseguinte, o diagnóstico da periculosidade sob o prisma criminológico, o qual

[...] advém da análise de seus dois momentos, isto é, da capacidade criminal e da inadaptação social. No diagnóstico da capacidade criminal são examinadas as fases da dinâmica da infração; o assentimento ineficaz, o assentimento formulado e o período de crise. Na auscultação da inadaptação social, os elementos da adaptabilidade são deduzidos do exame criminológico e pode esclarecer a motivação, o grau de êxito e a diretriz do comportamento delinquêncial. (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 355).

Diagnosticada a periculosidade, passou-se então à necessidade de implementação de novos institutos para suprir as falhas materiais e processuais da legislação penal. Nasce, assim, para atuar alternativamente à pena, a medida de segurança como instrumento sancionatório na execução penal quando o semi- imputável necessitasse de especial tratamento curativo.

No sistema atual, sanção penal é gênero do qual derivam duas espécies: as penas e as medidas de segurança que são diferentes e comuns em diversos aspectos. As primeiras são destinadas aos imputáveis e aos semi- imputáveis. O reconhecimento da culpabilidade do agente é condição “sine qua non” para a aplicação das penas, que têm caráter retributivo e intimidatório. Sua finalidade maior é a reinserção social do condenado, com um efeito de prevenção geral e especial. As penas são aplicadas por tempo determinado e proporcional à gravidade do delito e ao bem jurídico violado. (MALCHER, 2009, p. 23).

As medidas restritivas de liberdade surgiram como reação à ineficácia do sistema punitivo, como incremento sancionatório da intervenção penal (GOMES, 2002).

[...] é notório que as medidas puramente repressivas e propriamente penais se revelaram insuficientes na luta contra a criminalidade [...] para corrigir a anomalia, foram instituídas, ao lado das penas, que têm finalidade repressiva e intimidante, as medidas de segurança. Estas, embora aplicáveis em regra post delictum, são essencialmente preventivas, destinadas à segregação, vigilância, reeducação e tratamento dos indivíduos perigosos, ainda que moralmente irresponsáveis. (CAMPOS, 1941, p. 7).

A esse modelo penal adotado, sistema vicariante, a aplicação da medida de segurança é maneira preventiva sobreposta pelo judiciário em prol da sociedade. Sua imposição sopesa a periculosidade do agente delitivo através da exteriorização de seus crimes. Quando utilizada a privação de liberdade, a progressividade da pena é infligida ao dissocial. Inteligência esta do artigo 26, parágrafo único do Decreto–Lei nº 2.848/1940:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (VADE MECUM, 2011, p. 501, grifo nosso).

Nesse diapasão, a medida de segurança constitui uma das formas de sanção penal utilizada com o objetivo a evitar que autor do delito penal, seja inimputável ou semi-imputável, demonstrada sua periculosidade, torne a cometer outra transgressão e receba tratamento adequado (NUCCI, 2007).

Internação (CP, art. 96, I): Também chamada detentiva, consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta dele, em outro estabelecimento adequado. Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico não passam de "novo nome" dado aos tão tristemente famosos e desacreditados manicômios judiciários brasileiros (LEP, arts. 99 a 101). Assim, embora alguns julgados aludam à diferença que existiria na Lei nº. 7.209/84, entre os novos e os velhos estabelecimentos, na prática tudo continua igual à antes. Tratamento (CP, art. 96, II): Também denominada restritiva, consiste na sujeição a tratamento ambulatorial, pelo qual são dados cuidados médicos à pessoa submetida a tratamento, mas sem internação, salvo a hipótese desta tornar-se necessária, nos termos do § 4º do art. 97 do CP, para fins curativos. (DELMANTO, 2007, p. 273, grifo do autor).

Aplicando-se a pena ao delinquente antissocial, este a cumprirá obedecendo às disposições da sentença penal condenatória, submetendo-se ao processo de execução penal, distanciando-se, consequentemente a sanção penal das bases assistenciais imprescindíveis a esse indivíduo, demonstrando a fragilidade e decadência de sistema sancionatório.

Em geral, o psicopata pode seguir dois caminhos na Justiça brasileira. O juiz pode declará-lo imputável (tem plena consciência de seus atos e é punível como criminoso comum) ou semi-imputável (não consegue controlar seus atos, embora tenha consciência deles). Nesse segundo caso, o juiz pode reduzir de um a dois terços sua pena ou enviá-lo para um hospital de custódia, se considerar que tem tratamento [...] Como não há prisão especial para psicopata no Brasil, ele fica com os criminosos comuns. Por saber que a pena poderá ser reduzida caso se comporte bem, se passa por preso-modelo. Mas, por baixo dos panos, ameaça os outros presos, lidera rebeliões. Prejudica a reabilitação dos presos comuns, que passam a agir cruelmente para sobreviver. (SZKLARZ, 2010, p. 1).

As penas e as medidas de segurança são, portanto, duas formas de controle social. As primeiras possuem caráter precipuamente repressivo, e as últimas são preventivas e terapêuticas. Entretanto, embora apresentem distintas causas, condições de aplicação e modo de execução, em sua essência ambas implicam a privação ou restrição de direitos fundamentais (GOMES, 1991).

Quanto ao fundamento, à pena baseia-se na culpabilidade, do agente e a medida de segurança, na periculosidade; quanto ao limite, a pena é limitada pela gravidade do delito (injusto e culpabilidade), enquanto a medida de segurança, pela intensidade da periculosidade evidenciada pelo sujeito ativo e por sua persistência; quanto ao sujeito, a pena se aplica aos imputáveis e semi-imputáveis necessitados de especial tratamento curativo; quanto ao objetivo, à pena busca a reafirmação do ordenamento jurídico, bem como o atendimento de exigências vinculadas à prevenção geral e á prevenção especial; já a medida de segurança atende a fins preventivos especiais. (PRADO, 2005, p. 744).

Em decorrência da semi-imputabilidade, se aplicada a medida de segurança, seja ela de caráter preventivo ou curativo, o psicopata receberá tratamento ambulatorial ou permanecerá em hospital de custódia. Se aplicada a pena, em regra, receberá quantum de pena inferior à aplicada aos imputáveis. Assim, se privado de sua liberdade, seu aprisionamento se dará em estabelecimento prisional destinado aos demais indivíduos criminosos. Alcançará, consequentemente, o psicopata propício escopo para “[...] exercer seu comportamento dissimulado sob o sistema prisional para livrar-se antecipadamente, ou até mesmo estimulando a prática criminosa dos demais encarcerados.” (GRAÇA; REIS, 2011, p. 9).

Assim, por ter o indivíduo consciência, mesmo que superficial, do ato praticado não há, em alto grau, casos de submissão obrigatória à aplicação da medida de segurança, tendo por muitas vezes, na ausência de vaga em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, sua pena reduzida, ou ainda é colocado em liberdade, condição propícia ao cometimento de novos delitos. Logo, sua semi- imputabilidade se traduz em penalidade reduzida, a qual, por muitas vezes, é substituída por medida de segurança, submetendo-o a tratamento ambulatorial ou internação em hospital de custódia, os quais são exacerbadamente precários e impotentes.

Diante de tais considerações, os comentários médico-legais demonstram a defasada realidade penal brasileira ao descreverem a personalidade de um condenado por homicídio duplamente qualificado e sua consequente sanção penal:

O transtorno de personalidade diagnosticado, neste caso, promoveu um prejuízo parcial da volição, mas não da cognição do indivíduo frente aos delitos em questão. Observa-se deficiências na introjeção de valores e normas sociais de convívio, e forte incapacidade afetiva para lidar com as frustrações.

Sendo assim, por apresentar grave perturbação na estruturação de sua personalidade, existindo nexo causal, pode ser enquadrado no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro, que trata da semi- imputabilidade.

Apesar disto, está contra-indicada a Medida de Segurança e sua internação no IPF5, que é uma instituição com estrutura inteiramente direcionada ao tratamento de doentes mentais. Ou seja, não há nenhum benefício para estes indivíduos em instituir especial tratamento curativo, além de ocasionarem, de regra, um prejuízo, para os pacientes da casa de custódia e tratamento.

Os limites mais firmes de instituições prisionais são os mais indicados nestes casos, embora pouco possam servir para uma recuperação efetiva, já que um dos critérios diagnósticos é justamente ‘a dificuldade em aprender com a experiência ou punição’. Mesmo assim, serviria como um limite imposto pela sociedade às condutas desadaptadas.

Considerando seu intenso potencial para violência e alto risco de reincidência – o que já ocorreu no presente caso, sugere-se o cumprimento integral da pena, no caso de condenação pela autoridade judicial. (BRASIL, 2011, grifo nosso).

Não obstante, fato é de que as instalações brasileiras destinadas ao cumprimento das medidas sancionatórias, para além de evidenciar a precariedade da estrutura judiciária, tornam-se forma potencializadora de reproduções inúteis da sucumbente materialização de medidas genéricas à transgressão psicopática com a exclusiva finalidade de camuflar a omissão legislativa em relação ao indivíduo naturalmente incorrigível. Contornou-se, então, na esfera jurídica a insuficiência penalística em relação à personalidade antissocial perante o fracasso do processo ressocializador.

Ante a crise de legitimidade punitiva do sistema penal, em consequência da ineficácia das medidas implementadas, denota-se no âmbito jurídico o contexto sucumbente a que se submete a execução penal brasileira, razoavelmente explicada pelo abismo lógico-jurídico estabelecido entre intenção punitiva e resultado sancionatório. Partindo-se dos diferentes ângulos de análise, a legitimidade do sistema penal mostra sua vulnerabilidade. São, pois, penas perdidas, alicerçadas em um discurso jurídico-penal insuficiente. A esta realidade material e processual penalista dedica-se o próximo tópico, atentando-se para sua ineficácia ao delinquente psicopata, considerado ponto nevrálgico do presente trabalho.

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