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5 TÉCNICAS ESTENDIDAS NO ITINERÁRIO DA PASSAGEM: VERÔNICA

5.4 Arcos, Trêmulos e Variações de Pressão

A seguir, apresenta-se uma série de abordagens técnicas as quais não serão apresentadas de forma isolada por se entender que estas apresentam uma conjuntura trabalhada de forma, praticamente, simultânea. O Itinerário da Passagem: Verônica Nadir (FERRAZ, 2008) agrupa uma série de sonoridades provenientes de técnicas de arco, apresentadas, a seguir:

Tremolos e tremolo sul l’harmonic – tremolo executado sobre sons harmônicos (DOURADO, 2009);

Punta d’arco e punta d’arco murmurando – para ser executado na região perto da ponta do arco (DOURADO, 2009);

Glissando reto (FERRAZ, 2008 apud VALENTE, 2014);

 Variações de pressão do arco:

a) Aspirato – Sem pressão na mão direita e esquerda em molto sul tasto (informação verbal)18;

b) Flautato – com flauta, pressão reduzida do arco e muita velocidade, fazendo o som assemelhar-se a um instrumento de sopro (DOURADO, 2009);

c) Tutto l’arco (todo o arco) – De acordo com o tamanho da figura, aplicar, dependendo da orientação do ataque, toda a extensão do arco (DOURADO, 1998); e

d) Com maior pressão (more pressure) – Atribui maior pressão onde há a indicação na partitura (RODRIGUES, 2008).

Para o trabalho de arco na execução dos tremolos utilizou-se a proposição técnica de Carl Flesh (1873-1944), este indica o manuseio do arco, quase que somente, pelo polegar e o indicador da mão direita, a variação de pressão se dá pela maior ou menor força no dedo indicador.

18Informação verbal proferida por Fábio Presgrave – professor de violoncelo da EMUFRN – durante entrevista concedida ao autor deste Trabalho, na EMUFRN, em Natal – RN, em dezembro de 2017.

O trabalho dos tremolos no Itinerário da Passagem: Verônica Nadir (FERRAZ, 2008) é a representação das figuras retórico-musicais presentes na proposta interpretativa. Ferraz (2008) representa 2 direcionamentos: o 1º trata na representação das matracas e o 2º ambienta os murmúrios e lamentações.

Figura 15 - Escrita do tremulo em ponticello representando a figura retórica do som da matraca

Fonte: Ferraz (2008, p. 1).

Figura 16 - Escrita dos tremolos representando a figura do lamento em murmúrio

Fonte: Ferraz (2008, p. 6).

A representação das matracas e murmúrios pelo recurso da punta d’arco assume 3 formas de tocar: ordinário à posição de tasto e/ou sul tasto, posição em aspirato (murmúrios e lamentações) e punta d’arco em região de ponticello e molto ponticello (matracas). Além dessas abordagens técnicas, tem-se como recurso de ampliação de possibilidades timbrísticas, o murmúrio e lamentação representados pelo som flautato. Na técnica do flautato não há rigorosidade quanto à posição do arco, aqui reduziu-se, ao máximo, a pressão do arco, o deslizando de forma rápida, com isso, finaliza-se uma sonoridade leve que se assemelha a um instrumento de sopro em dinâmica de pianíssimo.

Figura 17 - Flautato sugerido em posição normal de arco

Fonte: Ferraz (2008, p. 2).

Essa proposição de arco flautato pretende criar uma variação de timbre. Nota-se que o arco vem em posição normal (ordinário) e segue para variação do flautato com tremulo, provocando uma suave mudança de timbre. É um recurso de confortável execução por parte dos músicos da OFC, a proposta de tirar o peso do arco decorre da retirada da pressão, principalmente, do indicador da mão direita.

Figura 18 - Punta d’arco em ordinário representando o murmúrio

Figura 19 - Posição punta d’arco em aspirato (murmúrio e lamentação)

Fonte: Ferraz (2008, p. 1).

Em determinados pontos da Obra, os tremulos são aplicados em ação simultânea com os glissandos executados em intervalos de 2ª menor. Pelo fato da Obra possuir estrutura atonal, a afinação dos glissandos assume resultado sonoro de afinação microtonal, uma vez que os músicos não conseguem, precisamente, controlar a partida e o repouso da mão esquerda no início ou final do glissando.

Figura 20 - Representação dos glissandos retos

Fonte: Ferraz (2008, p. 3).

Essa abordagem técnica finaliza na dificuldade de controle de arco em ação simultânea ao trabalho do dedilhado da mão esquerda.

“Eu não consigo fazer isso! Ou eu penso no arco ou na afinação do som, se o professor diz que devemos apresentar a sonoridade, acho que a afinação ficaria solta... Sei lá. Não podemos fazer um murmúrio do mesmo jeito por várias vezes” (informação verbal)19.

Como as ações idiomáticas do Itinerário da Passagem: Verônica Nadir (FERRAZ, 2008) não buscam precisão melódica, aqui, há a preocupação da não representação das notas e sim, a representação de timbres/sonoridades. É comum que os jovens músicos da OFC tenham certa dificuldade e estranhamento na execução desses sons por, justamente, ficarem

19Informação verbal proferida pelo violinista 2, no Auditório Zéo Fernandes, em Luís Gomes – RN, em maio de 2017.

incomodados em representar a altura real da nota segundo as convenções da afinação temperada. Silva; Aquino; Presgrave (2012, p. 50) refletem que: “Devido há anos de treinamento muscular e auditivo, é comum que o nosso corpo tenda a voltar à afinação temperada, especialmente nos intervalos de quinta justa, que seriam formados caso o quarto de tom não fosse especificado”.

Para amadurecer a proposta técnica estabelecendo a ligação com uma das propostas metodológicas deste Trabalho voltada para a criação de uma memória física, optou-se por utilizar a ideia que Silva; Aquino; Presgrave (2012) postularam para a obra Movimentações para violoncelos (RODRIGUES, 2009). Para criar esse novo reflexo, Silva; Aquino; Presgrave (2012) propuseram o exercício de trabalhar a passagem das notas sem o uso dos glissandos. A Figura 21 traz um recorte do exercício construído:

Figura 21 - Exercício estruturado segundo as ideias de Aquino; Silva; Presgrave (2012) para a resolução da mudança cromática entre intervalos de 2ª menor com a ausência dos glissandos

Fonte: O autor (2017).

É cada vez mais uma característica recorrente que tais abordagens da música contemporânea, se coloquem desafiadoras frente a um contexto que demonstra desconforto com questões estruturais (técnicos) e, por isso, careça de ações pedagógicas que viabilizem melhor entendimento desses recursos sonoros. Diante dessa situação problema, pontua-se uma colocação de Boulez (2002, p. 204) sobre as tendências da música recente:

O ponto a ser descoberto ainda é o dos universos sonoros não-temperados. Por que, de fato, considerar como um tabu essa decisão que prestou imensos

serviços, mas perdeu de agora em diante sua razão de ser, uma vez que a organização tonal que comandou essa normalização foi praticamente destruída? É verdade que o fator instrumental não é dos menores obstáculos ao desenvolvimento de um pensamento musical fundamentado nos intervalos não temperados, apelando para noções de notas complexas ou de complexos sonoros. Todas as aproximações acústicas acumuladas pouco a pouco no curso da evolução do Ocidente devem desaparecer, pois não são mais necessárias; mas como resolver, no momento, o problema proposto pela produção dos sons?

A técnica more pressure (maior pressão) também instigou o autor deste Trabalho a buscar maneiras de aprimorar a execução através de exercícios. Para tanto, estruturou-se um pequeno exercício onde, na primeira nota, há a aplicação normal do arco e, em uma contagem de dois tempos, é aplicada a more pressure. O domínio desse recurso não apresentou maior dificuldade e a aplicação técnica logo foi possível.

“Não é uma coisa muito difícil de fazer, basta só aumentar a pressão do indicador na hora em que aparece a escrita. O ruim é fazer em pianíssimo, é difícil de controlar...” (informação verbal)20.

O que é preciso pontuar é a ausência de controle quanto à intensidade do recurso sonoro, ou seja, a cada execução percebem-se pequenas variações de intensidade. Essa característica se dá pelo nível técnico elementar de alguns dos instrumentistas da OFC. Propõe-se essa abordagem pedagógica na Figura 22 a seguir:

Figura 22 - Proposição técnica do more pressure

Fonte: O autor (2017).

A técnica do more pressure representa uma variação de timbre bem acentuada. Trazendo sempre a característica rítmica da obra que apresenta o tempo liso, o estabelecimento de referências se fez necessário neste ponto. Para isso, elaborou-se um sinal

20Informação verbal proferida por um violinista, no Auditório Zéo Fernandes, em Luís Gomes – RN, em maio de 2017.

onde o regente, com um leve toque da mão esquerda no peito direito, indica a aplicação do more pressure.

Figura 23 - Exemplo da notação do more pressure

Fonte: Ferraz (2008, p. 1).

A primeira aparição do more pressure se dá nos naipes de 1º e 2º violinos. Aqui, tem- se a aplicação do more pressure como recurso para reforçar a carga dramática do murmúrio representado pelos violoncelos. Vale ressaltar, aqui, a presença de um dos recursos de figura retórico-musical, os murmúrios e lamentações são aplicados pela parte de acompanhamento na sessão A.

Por fim, traz-se o tutto l’arco como recurso expressivo para indicar, retoricamente, o texto dos lamentos e gritos, elementos estes presentes na proposta de ambientação sonora do Itinerário da Passagem: Verônica Nadir (FERRAZ, 2008). Apontou-se a aplicação da técnica nas sessões dos 1º violinos, 3º violinos e violas.

Figura 24 - Representação gráfica do tutto l’arco

No trecho em destaque da Figura 24, pode-se notar a aplicação do tutto l’arco nas secções dos 3º violinos e nas violas. Neste contexto, as duas secções constroem um diálogo alternando o ataque. Esta escrita acontece na sessão C, aqui, Ferraz (2008, p. 2) anota: “Lamento de sexta feira – Verônica – o vos omnes qui transiti”. A representação subjetiva de lamentos, choros e murmúrios leva-se a uma abordagem imaginativa dessa cena. Aqui, utilizou-se, a priori, a técnica do solfejo livre, a proposta é que os jovens músicos entendam que se trata de um jogo dramático onde as sonoridades representam essas figuras. Só depois desse momento, realizou-se a abordagem técnica.

“Se eu usar o arco todo nessa técnica, não vou conseguir controlar a intensidade, o som vai ficar muito forte!” (informação verbal)21.

Para esta técnica, a principal dificuldade foi o controle do arco. Como o tutto l’arco exige a passagem de todo arco de acordo com a indicação da direção, mais uma vez, a construção de exercícios foi necessário para a efetivação e aplicabilidade da técnica no contexto da Obra. No exercício construído para desenvolver a memória física, Silva; Aquino; Presgrave (2012) sugerem que o ataque do arco fosse aplicado de forma gradual, dividindo a ação em 3 velocidades: lento, pouco rápido e rápido. Foram necessárias, em média, 20 repetições no modo lento, 25 repetições no modo pouco rápido e mais 20 repetições no modo rápido. Vale ressaltar que esse número de repetições foi o necessário para a absorção da técnica por parte dos instrumentistas da OFC, o número de repetições de um exercício pode variar dependendo do contexto, do músico e seu nível de desenvolvimento técnico.

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