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S. Martinho de Cedofeita, Porto, (2007), p.27.

I. Três propostas de reencontro com a modernidade

Igreja de N. Sra. de Fátima, Águas, Penamacor, N. Teotónio Pereira [1949-57]

A igreja de N. Sra. de Fátima, na localidade de Águas, concelho de Penamacor, foi edificada para substituir a antiga igreja local, de reduzidas dimensões, num terreno cedido pela família Megre que também contratou o arquiteto – Nuno Teotónio Pereira. Estas circunstâncias “não facilitaram um diálogo entre o arquitecto e o conjunto dos fiéis; todo o projecto foi estabelecido um tanto à margem dos futuros utentes (/). Não admira, portanto, que a obra crescesse por entre a desconfiança do povo”142, que teve alguma dificuldade em aceitar a “linguagem moderna de sabor expressionista”143 da nova igreja. Para o autor, influenciado pelas igrejas suíças que conhecia a partir da revista Werk, a expressão plástica do edifício, tanto no exterior como no interior, foi “o resultado do modo como foram encaradas as necessidades e dos meios que se empregaram para as satisfazer, tudo orientado num determinado sentido de composição. Consequência, portanto, em grande parte, da organização dada ao espaço, da satisfação de certos requisitos de ordem física, e dos processos de construção e materiais empregados”144.

O recurso a materiais e técnicas tradicionais por parte de um arquiteto totalmente comprometido com a defesa e promoção do Movimento Moderno foi uma das maiores surpresas do projeto, mas também uma das suas maiores virtudes. Esta opção “não

se deveu a uma vontade de mimetismo com a envolvente, mas a uma atitude genuína de respeito pela riqueza das tecnologias ancestrais da construção tradicional. Ainda antes da realização do Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa (iniciado em 1955), [N. Teotónio Pereira] considerava que os velhos mestres construtores trabalhavam tão bem que era preciso aproveitar essa sabedoria construtiva”145. Mas ao mesmo tempo que recorreu a esta, não abdicou do “emprego, ainda que modesto, de certos meios fornecidos pela técnica actual, e de conceitos e métodos da nova arquitectura, [pois] poderão, a par de uma mais rigorosa ordenação litúrgica, proporcionar muito melhores condições na igreja a construir”146.

De facto, a renovação litúrgica foi a outra grande preocupação do autor, que procurou assim “o encontro de uma fé mais autenticamente vivida e de uma liturgia revigorada

Fig.2.7

142

PEREIRA, N. Teotónio, Experiência de um arquitecto (entrevista), Novidades, (7 fev.1961), pp.1.3.

143

TOSTÕES, Ana (coord.), Arquitectura e Cidadania: Atelier Nuno Teotónio Pereira, Lisboa, Quimera Editores, (2004), p.136.

144

PEREIRA, N. Teotónio, Nova igreja paroquial de Águas – Anteprojecto: Memória, (20 jul.1949), p.5.

145

TOSTÕES, Ana (coord.), Arquitectura e Cidadania..., p.136.

146

106 O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX nos seus valores essenciais com uma arte que também redescobriu certos valores que andavam perdidos. [Pois] é providencial o paralelismo entre o movimento litúrgico, iniciado nos fins do séc. XIX e tão fortalecido por Pio XII, e a renovação das artes plásticas e da arquitectura, que se tem processado desde a mesma época”147. De facto na igreja de Águas, desde o começo, “a Missa é a função dominante – todas as outras são secundárias. Deste modo, deve todo o edifício ser-lhe ordenado: a grande sala de reunião, com o altar-mor, constitui o espaço central, desenvolvendo-se em volta os locais destinados às restantes funções e aos serviços anexos”148. N. Teotónio Pereira criou, então duas naves, uma pequena lateral e outra grande central, onde se situava como principal elemento o altar, ponto de convergência das linhas estruturais do edifício e que quis perfeitamente destacado para se impôr como fulcro da composição. Para reforçar esta intenção, a planta adoptou uma pouco habitual forma trapezoidal, que geometricamente acentuava a centralidade do altar, mas também favorecia as condições de visibilidade e audição. Quanto à capela-mor, não foi construtivamente separada do corpo da igreja, “como é tradicional, mas englobada no seu volume”149, sendo depois individualizada pela convergência das paredes laterais, a sobrelevação do pavimento e a iluminação lateral.

Já a entrada na igreja efetuava-se através de um espaço coberto e aberto ao exterior que estabelecia a transição do adro para o interior, ao qual se acedia pela grande porta central ou pelas duas laterais. Sobre este espaço assentava o coro, que “está na posição clássica, já hoje discutível, mas que tem a vantagem de proporcionar uma área de reserva para a assistência”150. Junto à entrada situou-se o batistério, que N. Teotónio Pereira queria “numa certa independência do corpo da igreja, e com acesso directo do exterior, [mas] não foi possível fazê-lo nessa conformidade, devido à estreiteza do terreno e ainda por parecer igualmente importante que ficasse aberto para a nave”151. Já as capelas secundárias foram colocadas ao longo da nave lateral, “recolhidas e independentes, em células próprias bem delimitadas”152 de modo a não interferirem com a nave central. No que respeita às artes plásticas, N. Teotónio Pereira incluiu-as no projeto desde o início, altura em que chegou a considerar “indispensável uma pintura mural ao fundo da capela-mor, que ficará iluminada pelo janelão lateral, e contribuirá grandemente para a criação do ambiente necessário”153. Esta pintura nunca

147

PEREIRA, N. Teotónio, A igreja das Águas integra-se no grande Movimento Renovador (entrevista), Notícias da Covilhã, (10 jan.1959).

148

PEREIRA, N. Teotónio, Nova igreja paroquial de Águas..., p.4.

149

PEREIRA, N. Teotónio, Nova igreja paroquial de Águas..., p.5.

150 Ibidem. 151 Ibidem. 152 Ibidem. 153

O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX 107 foi realizada, em prol de uma parede uniforme, onde apenas marcou presença um crucifixo da autoria de Jorge Vieira. António Luís de Paiva foi o responsável pela Via Sacra e António Lino criou o mosaico do batistério, local onde se colocou como pia batismal uma rocha escolhida por N. Teotónio Pereira num rio próximo. Por último, Frederico George deu também a sua preciosa colaboração ao ambiente acolhedor da igreja graças ao estudo cromático que realizou.

Quanto ao exterior, o autor teve como propósito “conseguir uma certa nobreza e dignidade, sem cair na monumentalidade (...). A fachada lateral que corresponde à nave de circulação, é intencionalmente modesta, correspondendo à importância do que contém, e casa com o casario vizinho”154. A torre sineira, que no ante-projeto se encontrava ligada ao edifício por um passadiço ao nível do coro, acabou isolada a tardoz da igreja, o que permitiu “obter para o conjunto uma silhueta mais nítida, afirmando-se ela própria com maior vigor, sem ter uma altura muito grande, e deixando intacto o volume da igreja”155. Quis-se assim, no conjunto, “fazer arquitectura activa e fazer arquitectura autêntica. Activa no sentido de construir ambientes propícios ao desenrolar das funções cultuais e de estimular a adesão dos fiéis. Autêntica como expressão de problemas funcionais resolvidos por meios adequados e correctos, servindo aspirações colectivas bem enraizadas”156. Por estes motivos, para N. Teotónio Pereira, a igreja das Águas integrava-se “evidentemente no grande movimento renovador que se manifesta em nossos dias, tanto no plano artístico como no religioso”157. Mas como o seu desejo não foi criar uma obra de total rutura e contraste que levasse a uma consequente rejeição por parte da população local, “as

opções pela forma expressionista de assembleia em leque, pela luz e cor interiores, pelos materiais graníticos em diálogo com o betão, pela grande cobertura em telha, tal como a posição do adro parcialmente murado traduziam a vontade de renovar sem romper, oferecendo formas facilmente inteligíveis pela comunidade para comunicar um discurso não conservador”158.

No entanto, tais propostas não foram suficientes para afastar da igreja as impressões negativas e da arquitetura moderna os preconceitos. Num texto datado de 1951, N. Teotónio Pereira sentiu necessidade de responder às “críticas desfavoráveis (...) dirigidas principalmente à doutrina, ao critério, aos princípios que informaram o

154 Ibidem. 155 Ibidem. 156

PEREIRA, N. Teotónio, Nova igreja paroquial de Águas..., p.10.

157

REIS, António dos, A igreja das Águas integra-se no grande Movimento Renovador – Entrevista a Nuno Teotónio Pereira, Notícias da Covilhã, (10 jan.1959).

158

108 O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX projecto”159, num documento que apresentaria um argumentatório que viria a ser fundamental para o MRAR: “Duma maneira geral, as críticas que têm sido feitas são pouco mais ou menos as mesmas que se ouvem a respeito de qualquer projecto feito hoje em dia no nosso País com consciência profissional e vontade de acertar. (...) Portanto, as críticas não são novas e a defesa também não é nova. Mas os argumentos simples e claros que podem constituir essa defesa não foram ainda compreendidos, ou assimilados, ou aceites, pela grande maioria das classes cultas deste País. E desta não-compreensão ou não-aceitação resulta o panorama desolador e confuso da nossa arquitectura; e são a quasi totalidade dos edifícios feitos sem adequação, sem expressão própria e honesta, sem beleza, porque se recorre a compromissos, a falsidades, a dissimulações, a imitações descabidas de estilos e expressões do Passado”160.

Para quem acusava, o problema residia no aspeto da igreja, a respeito da qual, “como a respeito de outras, se diz e tem dito o mesmo: que não parece uma igreja. E geralmente porque se diz isto? – Porque não se parece com as igrejas existentes, com as igrejas conhecidas”161. Esta afirmação levou N. Teotónio Pereira a comparar: “Dizer isto é o mesmo que dizer, em frente de um projecto para uma nova estação de caminho de ferro em Lisboa, que essa estação não parecia uma estação ferroviária, apenas porque era diferente da estação do Rossio. Ora este critério, que qualquer pessoa achará ridículo neste caso, é empregado a cada momento em relação a outros edifícios e especialmente a igrejas”162. Por outro lado, lembrou que este critério nunca marcou presença na história da arquitetura religiosa – “se este critério presidisse à construção das igrejas pelos séculos fora, não haveria variação nem progresso; não teria havido o gótico, nem o manuelino, nem a renascença, nem nada; a arquitectura cristã não teria passado das basílicas romanas”163. Não teve dúvidas, portanto, em afirmar que “a tradição da arquitectura cristã é sim ir à frente – abrir caminho (...). Mas hoje, que a sociedade está paganizada e o cristianismo se dissociou da vida, acontece pela primeira vez na História da Igreja que a renovação artística é feita à margem dela; hoje a arquitectura religiosa vai já atrasada”164. Defendeu, por isso, que “pretender vedar às igrejas as formas da arquitectura contemporânea é o mesmo que pretender não ser o cristianismo para os homens d’hoje. Porque, se mudam as casas, os edifícios públicos, os costumes, os transportes, até o vestuário, porque não hão-de

159

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações às críticas apontadas ao projecto da nova igreja paroquial das Águas, (8 set.1951), p.1.

160

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações..., pp.1-2.

161

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações..., p.2.

162

Ibidem.

163

Ibidem.

164

O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX 109 mudar as igrejas?”165

Depois destas considerações a propósito da mentalidade que devia informar e julgar os projetos de arquitetura, N. Teotónio Pereira tratou de justificar a sua igreja, sobre cujo projeto não se dizia apenas “que não parece uma igreja. Diz-se mais que parece outras coisas: um cinema (a frontaria) e um armazém de vinhos ou celeiro (as fachadas laterais). (...) Quanto a ter o edifício, em certos aspectos, semelhança com um cinema, não me parece que seja erro, porquanto uma igreja tem com um cinema grandes afinidades funcionais. (...) Por isso, é natural que, satisfazendo-se estas necessidades comuns, as duas espécies de edifícios tenham alguma coisa de comum no seu aspecto exterior. (...) E quanto a parecer um armazém ou celeiro? (...) Ora eu entendo que uma igreja rural, como esta é, deve destacar-se do casario, deve emergir do meio da aldeia, mas isso sem chocar, sem ofender: deve ao mesmo tempo ligar-se à terra. Dignidade simples, sem pretensão; nobreza sem ostentação”166. Mas este não era o único motivo do desenho proposto para a fachada lateral. Para N. Teotónio Pereira devia “respeitar-se no aspecto do edifício a hierarquia de funções do interior, quer dizer: deve dar-se maior destaque à grande nave da assembleia e à capela-mor, e deve apagar-se o resto, o que é secundário (...). Destas duas ordens de preocupações resulta que a fachada poente da igreja é modesta, simples, despretenciosa. E é assim, com o objectivo de se casar bem com as habitações que rodeiam a igreja”167. No entanto, e independentemente destas justificações, N. Teotónio Pereira lembrou que era “preciso não esquecer que as várias partes do edifício alvejadas não podem ser vistas isoladamente”168, porque na realidade, “é o todo que interessa, é a vista do conjunto que qualquer pessoa observa quando passa junto ou vai à igreja; e isso, julgo que ninguém poderá afirmar que pareça outra coisa que não seja uma igreja”169.

No entanto, para Nuno Portas, essa nem era questão que se colocasse. Para ele, a igreja de Águas não só era igreja como podia “ser o marco, o ponto de nascença das igrejas que o nosso povo cristão merece: uma arte integralmente portuguesa e simples, inteiramente actual, intimamente cristã”170. E isto porque “o ponto de partida da Igreja para a Beira foi outro: o carácter da região, a comunidade bem definida a que a obra se dirigia, a responsabilidade que já então se fazia sentir de responder com o maior realismo não só às necessidades de um programa mas ao ambiente e à cultura

165

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações..., p.3.

166

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações..., pp.3-4.

167

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações..., p.4.

168

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações..., pp.4-5.

169

PEREIRA, N. Teotónio, Algumas observações..., p.3.

170

110 O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX pré-existente, permitiram um critério de composição com resultados notáveis para a fase actual da nossa arquitectura”171. Para Nuno Portas, esta posição assumida por N. Teotónio Pereira conferiu ao edifício uma escala humana mais sensível, “não já apenas pelas proporções exteriores ou interiores mas pela escolha dos materiais e das técnicas construtivas e da expressão que daí resulta”172. No entanto a qualidade da obra não se limitava a este aspeto - “espacial e construtivamente, a obra revela uma coerência perfeitamente moderna (...) e no entanto denuncia a confiança numa possibilidade de encontrar a ponte que liga a expressão dos novos valores à herança válida do passado que o povo a que a obra se destina encarna”173. De modo que a igreja de Águas, para além da indiscutível importância para o movimento de renovação da arquitetura religiosa em Portugal, iria ter um papel muito significativo na própria renovação da arquitetura portuguesa, ao lado, “por exemplo, à moradia de F. Távora, (...) ao ante-projecto para a Igreja de Benfica de R. C. Ramalho, (...) ou ao recente – e polémico – grupo de moradias de Matosinhos, de Siza Vieira”174.

Opinião igualmente encantada com a igreja, mas numa perspetiva mais eclesial, foi a do então seminarista Albino Cleto, que nas páginas do BIP, foi perentório em afirmar que a igreja de N. Sra de Fátima de Águas era “uma das mais válidas soluções que a moderna arquitectura sacra portuguesa nos deu até hoje”175. E isto porque “a exigência

de valor comunitário é magnificamente conseguida pela disposição do espaço sagrado, centrado, sem mais solicitações, no santuário. E não reconheceremos todos que a procura da comunidade em volta do altar explica aquela ausência, no próprio santuário, de outros centros de atenção, sejam eles imagens ou frescos? A mesma nudez das paredes (/) não virá de encontro à sede de autenticidade tão palpável nos cristãos bem formados? E não ajudará a suscitá-la nos da aldeia de Águas, que verão ainda na casa de Deus a bem aventurança da simplicidade e pobreza das suas humildes casas beiroas?”176

N. Teotónio Pereira acabou por ser mais crítico em relação à sua obra e passado algum tempo, confessou não ter ficado inteiramente satisfeito: “o projecto foi feito há perto de 8 anos, mal tinha acabado o curso. Revela por isso alguma inexperiência e manifesta uma certa falta de unidade”177. De igual modo, considerou que “em relação à igreja das Águas, há a notar que alguns dos princípios básicos que orientam a nova

171

PORTAS, Nuno, Dois novos edifícios litúrgicos em Portugal, Arquitectura, nº60, (out.57), p.28.

172

Ibidem.

173

PORTAS, Nuno, Dois novos Q, p.29.

174

PORTAS, Nuno, Dois novos Q, p.30.

175

CLETO, Albino, Uma exposição no Porto revela-nos uma Arte Sacra Moderna em Portugal, Boletim de Informação Pastoral, Ano I, nº4, (out.-nov.1959), p.25.

176

Albino Cleto, Arte – Sacra – Moderna, BIP, Ano II, nº8, (jun.-jul.1960), p.23.

177

REIS, António dos, A igreja das Águas integra-se no grande Movimento Renovador – Entrevista a Nuno Teotónio Pereira, Notícias da Covilhã, (10 jan.1959).

O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX 111 arquitectura religiosa parece-me terem sido respeitados; outros não. Entre os primeiros, os mais importantes, são estes: a disposição da assembleia em torno do altar, num amplo movimento que tende a envolvê-lo (/); a criação de um espaço bem marcado para o santuário, mas abrindo-o amplamente para o espaço destinado à assembleia; a exaltação do altar principal situado no ponto de convergência do edifício (/). Entre os aspectos menos bem resolvidos há a salientar a falta de relevo dada ao baptistério no volume exterior da igreja e a colocação do altar não permitindo convenientemente a celebração de frente para o povo”178. Quanto à reação do público, afirmou que nada sabia e que “a prova real só poderá ser feita passados alguns anos”179. Passado um ano da inauguração revelou “que se verifica uma completa adesão dos fiéis à nova igreja, que já consideram bem sua”180. Meio século depois, a igreja de Águas é tida como património indiscutível da localidade, “monumento que se singulariza no cômputo do património artístico e religioso da Beira Interior e mostra, afinal, como estas coisas ajudam a enriquecer uma terra”181.

Igreja de Sto António, Moscavide, João de Almeida + A. Freitas Leal [1953-56]182

A inauguração em 1956 de uma igreja tão próxima de Lisboa com as caraterísticas da igreja paroquial de Santo António provocou um debate público como nenhuma outra na década de 1950. Das três obras - Moscavide, Águas e Picote - apelidadas de “autêntica arte sacra moderna”183 pelos defensores da renovação formal da arquitetura religiosa, a primeira foi a que acabou por expôr mais significativamente o confronto de opiniões entre modernistas e conservadores. “Todos sentimos a atmosfera tensa de expectativa que rodeou a construção da igreja paroquial de Moscavide. Os paroquianos tinham olhado com inquietação as primeiras imagens apresentadas - perspectivas desenhadas, que, como sempre sucede, traíam a intenção dos autores. À medida porém que a igreja subia, dissipava-se essa inquietação, dando lugar a uma corrente sempre crescente de simpatia. Mas sabemos que não se desfizeram todas as dúvidas e que enquanto muitos há que, gostando, não sabem porque gostam, outros, atingidos nos seus preconceitos acerca do que deve ser uma igreja, retraem-se e

Fig.2.8 178 Ibidem. 179 Ibidem. 180

PEREIRA, N. Teotónio, Experiência de um arquitecto (entrevista), Novidades, (7 fev.1961), p.3.

181

NABAIS, Joaquim, Nuno Teotónio Pereira e a igreja de Águas, Jornal do Fundão, (7 mai.2004).

182

Sobre a igreja de St António, em Moscavide, ver também LEAL, A. Freitas, Projecto da igreja paroquial de St. António de Moscavide – Memória Descriptiva e Justificativa, (jan.1956), pp.1-5; LEAL, A. Freitas, Considerações sobre a igreja de Moscavide, Alleluia, (abr.1957), pp.16-17; MENDONÇA, Manuela, Moscavide – Contributos para a sua história, Paróquia de Moscavide, (2006); CUNHA, João Alves da, Igreja de Santo António de Moscavide: história de um caminho não percorrido, Didaskália, nº 40, (2010), pp.167-192.

183

112 O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX esperam que lhes sejam dadas razões. Em suma: porquê uma igreja assim tão diferente de todas as outras que conhecemos?”184 No entanto, para João de Almeida e A. Freitas Leal, “ao ser projectada a igreja de Moscavide não houve a preocupação de fazer uma obra «diferente» no sentido habitual de «novidade pela novidade». Procurou fazer-se uma igreja grande para um aglomerado populoso, sóbria para uma população de poucos recursos, moderna para as exigências actuais do culto, de acordo com a sensibilidade de hoje”185.

A sua acessibilidade facilitou as visitas e a total novidade da proposta arquitetónica e

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