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3.1 TRAÇOS, GESTOS E ARRANJOS: ALGUNS FUNDAMENTOS PARA O JOGO DA CAPOEIRA DO GRUPO MUZENZA

Anteriormente abordei no decurso dos textos alguns dos elementos do jogo da capoeira. Agora cuidarei de tratar de outros, como: os tipos de jogos de capoeira (os mais comuns que o GMC utiliza na roda) a partir dos toques de berimbau, os conteúdos básicos (movimentos-golpes) que o capoeirista do GMC incorpora para dialogar no jogo, assim como suas nomenclaturas. Além disso, abordaremos também a respeito da compreensão que o grupo da Marambaia tem do jogo de capoeira.

Que “lugar” da capoeira pode-se legitimar os traços, gestos, arranjos, os movimentos- golpes que são pertinentes ao jogo da capoeira? Em busca dessa resposta, inicialmente concebo

542 Defino como algo criado livremente e de estimado potencial estético. Enfeite, ornato. Ação de florear. Destrezas nos exercícios físicos. Ferreira (2004) define como brilho, elegância, oratória, poética, literária, etc. Em suma, floreio na capoeira envolve saltos e movimentos de execução mais trabalhosa.

543 (1987)

algumas linhas para tratar deste “lugar”, para depois apresentar alguns desses elementos contidos nos movimentos corporais da capoeira que o GMC utiliza em seu jogo. O “lugar” a qual me refiro é o da “fundamentação” da capoeira.

Mestre Decânio545, no artigo “Evolução Histórica da Capoeira”546, trata de alguns conceitos básicos sobre a capoeira de uma maneira bastante interessante. Ele inicialmente observa que não pretende criar polêmica ou criar alguém, apenas prestar depoimento do que viu e viveu com a capoeira. Ângelo Filho (Mestre Decânio) ao tratar sobre os fundamentos da capoeira ou, como usam, incorretamente, alguns descuidados da nossa língua, suas “fundamentações” – pondera ele.

Nos grupamentos sociais essa palavra fundamentos é usada em referência à parte mais secreta e profunda do culto ou prática, somente acessível às camadas mais elevadas da comunidade, adquirindo então um atributo de secreto, sagrado, inacessível aos não-iniciados, ensinamento esotérico, hermético, misterioso, mágico. Assim, quando se fala em ideia ou comportamento sem fundamento indica-se a falta de razão subjacente ou de base para tal.

Mestre Decânio observa que há uma nuança de mistério, de sacralização, quando empregada em referência a conhecimento reservado a certos grupos sociais. “Como no caso dos antigos mestres que se proclamavam detentores dos fundamentos da capoeira... somente eles o possuíam...”547 Ser conhecedor dos fundamentos da seita ou de qualquer outro ramo de atividade humana, social, científica ou artística é altamente valorizado nos ambientes culturais. É motivo de orgulho e jactância, algo muito especial e envaidecedor, pondera Filho548.

É com admiração que se diz: "Fulano conhece muito bem os fundamentos de samba!", enquanto outros estufam o peito e se gabam de serem os únicos conhecedores disto ou daquilo... especialmente entre os menos favorecidos de inteligência, cultura e sobretudo, modéstia... apesar de bem providos de autoestima e vaidade.

É frequente e natural, o intitulado "de conhecedor dos fundamentos" desdenhosamente se recusar a transmitir aos não-iniciados aqueles mistérios sagrados, dotados de poder mágico.549

Essa confusão é provocada pelo emprego descuidado da palavra fundamento por alguns estudiosos pouco habituados ao linguajar popular capoeirano, especialmente do seu uso

545 Ângelo Augusto Decânio Filho, mais conhecido na capoeira como Mestre Decânio -, foi aluno de Mestre Bimba.

546 Pode ser encontrado em: <<www.capoeiravadiacao.org/attachments/184_Evolucao_Historica_ Capoeira.pdf>>. Acesso em 08.04.2014;

547 (IDEM, p. 02) 548 (2014)

nas rodas boêmias. Filho destaca que a confusão aumentou pelo aparecimento de divagações literárias em torno de assunto, cuja definição e conceito os autores sequer conheciam, “sem se aperceberem da leviandade, nem da gravidade da falha da científica cometida... palavras bem entoadas, frases bem torneadas, porém vazias... diríamos ‘sem fundamento’ num barzinho da rua do Julião!”550.

Contudo, Mestre Decânio entende que se deve aceitar por definição como "fundamentos da capoeira" a sua razão de ser e as justificativas de sua maneira de ser, isto é, os elementos que a identificam como "SER" em nosso mundo conceptual. Assim, trazendo mais claramente para o “mundo conceptual” do capoeirano, os fundamentos da capoeira no âmbito de sua prática desenvolvem-se obedecendo aos seguintes parâmetros:551

Movimentos rituais ritmodependentes: trata do conjunto dos movimentos dos participantes, os quais devem ser reconhecidos como jogo de capoeira e ajustados ao ritmo/melodia do toque da orquestra da roda. Esses movimentos devem obedecer às regras tradicionais de cada estilo de jogo de capoeira, especialmente àquelas que garantem a segurança da sua prática, fundamentando a não-violência.

Ritmo regido pelo berimbau: por ser uma manifestação coreográfica do ritmo africano o enquadramento dos movimentos da capoeira é fundamental à sua prática, conservando a continuidade da sua dinâmica, sem que se quebre a sequência dos mesmos. Nesses termos, o andamento do toque do berimbau que comanda o jogo da capoeira leva um estado transicional de consciência calmo, pacífico e prazeroso, possibilitando um jogo sem violência e bem cadenciado, permitindo aos parceiros estudo, análise, reflexão e criação de gestos e rituais capazes de enriquecer o cabedal de reflexos de defesa, de esquiva e contra- ataques que compõem o perfil do comportamento do verdadeiro capoeirista. Por outro lado, a aceleração excessiva do andamento do ritmo do berimbau poderá provocar um estado de excitação incompatível com a calma indispensável à prática da capoeira, além de impossibilitar o gingado, transformando uma atividade lúdica em agressiva e potencialmente lesiva ou letal.

Disciplina e respeito à tradição, aos mais velhos e aos companheiros: nas sociedades de cultura oral, como as africanas, o liame entre as gerações é indispensável à sobrevivência do grupamento e dos indivíduos, valorizando os mais velhos como depositários confiáveis da sabedoria e da experiência, imprescindíveis à educação dos mais jovens e menos

550 (IDEM)

551 Esses parâmetros são parâmetros basilares que os capoeiristas utilizam como fundamentos da capoeira de modo geral. Por isso, lancei mão de expô-los a partir da concepção de Mestre Decânio, pois como ele disse, ele não criou nada, mas traz o conhecimento que hoje se tem como parâmetro no mundo capoeirano.

experientes. Nesse caso, a capoeira depende da aproximação das gerações, o que integra a sociedade transformando-a num monólito, capaz de resistir às influências externas e perdurar no tempo. Nesses termos, a postura de respeito aos mais velhos certamente conduz àquela de respeito, estima e consideração aos companheiros de geração e aos seus parceiros, unindo o grupo social, transformando-o numa família, num clã, num agrupamento tribal, numa unidade fundamental indissolúvel (com "sprit de corps", diria o Gal. Liauty) à qual todos se orgulham de pertencer, como todos capoeiristas fazem com a roda de capoeira.

Parceria: trata do respeito às tradições e aos mais velhos. A parceria é facilmente alcançada e é indispensável ao aprendizado, ao ensino e à prática da capoeira. Sendo ela uma atividade fundamentalmente guerreira, intrinsecamente belicosa, potencialmente lesiva e mortal, não pode ser praticada sem confiança recíproca, sem um compromisso de não- agressividade, de não-violência, de respeito mútuo, como são as suas tradicionais regras do jogo, o seu ritual. Assim, a este elo de camaradagem e respeito mútuo chamamos de "parceria". Sem ela morreriam todos os alunos no início do aprendizado ou mesmo desistiriam, haja vista a gravidade das lesões. Nesse sentido, sem a parceria, cada "volta do mundo" seria uma batalha, com morte do vencido e sem vencedor. Assim, a capoeira seria então o próprio Apocalipse e cada Mestre o seu cavaleiro.

Movimentos em esquiva, circulares e descendentes: Filho552 afirma que para os orientais a esfera é a forma da perfeição e o círculo sua expressão mais autêntica. No jogo da capoeira os movimentos são desenvolvidos na roda circularmente, manifestando em cada segmento de jogo e no conjunto o acoplamento ao toque (ritmo e andamento) de cada estilo. Mestre Decânio pontua que os movimentos circulares são os únicos que propiciam a esquiva, o escape da linha direta do ataque sem o afastamento para traz, que dificultaria ou impossibilitaria o contra-ataque. Assim, na capoeira, os movimentos, principalmente os deslocamentos, devem ser circulares, ou melhor, esféricos, girando em torno do centro de gravidade do parceiro, escapando ao seu ataque e contornando o seu flanco à procura dum ponto fraco ou abertura na guarda. E as esquivas descendentes geram movimentos melhor apoiados no solo, portanto mais seguros, permitindo também a procura dos pontos mais baixos do corpo, habitualmente os mais vulneráveis do adversário simulado. A vantagem é que o jogador pode usar nesta postura os quatro membros e a cabeça como pontos de apoio no solo, além de dispor de maior amplitude de deslocamento, que pode aumentar a velocidade e força viva dos ataques e contra-ataques. Sem falar que a rasteira, antigamente tão usada no jogo de capoeira e hoje tão

raramente presenciada, é mais facilmente executada em posição mais agachada. Sendo assim, a atitude de esquiva é fundamental na capoeira, protegendo o praticante dos ataques, enquanto permite aproveitar a quebra da guarda, que sempre ocorre durante o movimento de ataque para um contra-ataque oportuno.

Dissimulação de intenção: em decorrência da definição e do conceito da capoeira baiana como uma dissimulação de luta sob forma de dança, a simulação de intenção e a dissimulação de propósito ou de objetivos adquire um papel preponderante na vadiação dos mestiços do recôncavo baiano. Joga melhor o mais inteligente, o mais manhoso, o mais malicioso, o mais enganador; o que conseguir convencer o companheiro de algo que jamais fará e se aproveitar do gesto em falso do parceiro para desferir o seu golpe verdadeiro. Contudo, é preciso "pegar" o parceiro desprevenido, depois de atraí-lo para o laço, para a armadilha em que ele se enredará sem violência e sem maior esforço de parte do atacante. Quanto ao floreio, especialmente aqueles executados com os membros superiores, por não afetarem a postura e equilíbrio nem exigirem deslocamento espacial é o instrumento mais adequado para simulação de ataques e/ou dissimulação de intenção ou objetivo. O floreio mais eficiente é aquele que traz no seu bojo potencial de ataque a ser desencadeado instantaneamente no momento propício.

Alerta, calma, relaxamento e autoconfiança permanentes: o capoeirista necessita manter contínua sintonia com a mente do parceiro para detectar suas reais intenções e assim poder antecipar-se aos seus gestos e movimentos, seja de floreio, seja de ataque ou de esquiva. Assim, desta postura mental brota naturalmente o permanente acoplamento do indivíduo ao ambiente vizinho. Uma eterna vigilância. Um nexo inconsciente entre o indivíduo e o meio, que empresta ao capoeirista um ajustamento instantâneo às variáveis exteriores, sejam físicas ou espirituais, que o conduz à premunição dos perigos e às reações, defensivas ou de esquiva, adequadas. Por outro lado, muitas vezes o contra-ataque surge, surpreendentemente, como relâmpago em dia de sol, como “bote de jararaca” aparentemente adormecida. Na opinião de Mestre Decânio, esta é a razão maior da influência comportamental nos deficientes, da melhoria do rendimento intelectual concomitante e das suas condições psicológicas. Ele acredita que somente a calma absoluta permite o relaxamento indispensável ao desencadeamento dos reflexos de defesa, ataque e contra-ataque com tempo mínimo de latência. Apenas em perfeita tranquilidade conseguimos manter o estado de alerta em relaxamento, capaz de liberar todas as vias neuroniais, aferentes e aferentes, para o trânsito dos estímulos periféricos e reações motoras reflexas, inconscientes e instantâneas, de esquiva, defesa, ataque e contra-ataque características do capoeirista durante o jogo ou em momento de perigo. Mestre Decânio frisa que assim pode-

se valorizar a advertência do venerável Mestre Pastinha, ao declamar: "quanto mais calmo o capoeirista melhor para o capoeirista". Porém, com o passar do tempo, houve a repetição interminável de situações de perigo aparente ou real. Nesse sentido, o eterno suceder de imprevistos que desencadeia reações instantâneas, algumas surpreendentes, porém sempre adequadas, foi gerando uma atitude inconsciente de autoconfiança, a qual facilita mais ainda o desenvolvimento do processo de preservação da integridade do “SER”, a joia mais preciosa que a capoeira pode oferecer ao seu aficionado. Em suma, “o diferencial está na tranquilidade dos fortes". Já diria Esdras "Damião": "a calma é a virtude dos fortes.

Estado de consciência modificado (transe capoeirano): Mestre Decânio conclui que sob a influência do campo energético desenvolvido pelo ritmo-melodia da capoeira e pelo ritual dela o seu praticante alcança um estado modificado de consciência. Assim, o SER comporta-se como parte integrante do conjunto harmonioso em que se encontra inserido naquele momento. Ou seja, o capoeirista, deixando de perceber a si mesmo como individualidade consciente, fusionando-se ao ambiente em que se desenvolve o jogo de capoeira, passa a agir como parte integrante do quadro ambiental em desenvolvimento de modo a proceder como se conhecesse ou apercebesse simultaneamente passado, presente e futuro (tudo que ocorreu, ocorre e ocorrerá a seguir) e ajustando-se natural, insensível e instantaneamente ao processo atual. Com relação a esse estado de consciência modificado, no começo dos anos 1970 Csikszentmilihalyi553 investigou a experiência do jogar de grande variedade de indivíduos (de jogadores de xadrez, cirurgiões, alpinistas e dançarinos). Ele constatou que quando as pessoas jogavam havia um momento que elas sentiam a consciência do mundo exterior desaparecer e fundir-se com o que estavam fazendo. O termo atribuído a essa sensação foi “fluxo”554. Schechner555 pondera que recentemente o “fluxo” incorporou a língua popular. “Seguir com o fluxo” quer dizer não somente realizar o que todo mundo está fazendo, mas se fundir com qualquer atividade. No que concerne os jogadores em fluxo, Schechner afirma que eles podem estar cientes de suas ações, porém não dessa própria consciência. E o que eles sentem se aproxima do estado de transe e da experiência “oceânica” dos rituais. Desse modo, o fluxo acontece quando o jogador torna-se uno com o jogar, por exemplo, quando se diz: “a dança me dançou”. Schechner adverte que ao mesmo tempo o fluxo pode vir a ser uma extrema autoconsciência que ocorre quando o jogador

553 (apud SCHECHNER, 2012). Mihaly Csikszentmilihalyi psicólogo americano, especialista em fluxo e na sua relação com a experiência e creatividade. Autor de Além de Boredom e Ansiedade (1975), Fluxo (1990), Criatividade (1996) e Encontrando o Fluxo (1997).

554 Flow: a sensação de perder-se na ação, de modo que toda a consciência, de qualquer coisa, à exceção de executar a ação, desaparece. “Em um papel” de jogador, ou de um atleta que joga “na zona”, ambos experimentam o fluxo. 555 (2012)

tem o domínio “total sobre o ato de jogo. Esses dois aspectos do fluxo, aparentemente contrastantes, são essencialmente os mesmos. Em cada caso, o limite entre o self interior e a atividade executada se dissolve”556.

Escola Muzenza: uma noção dos fundamentos básicos para o jogo

O grupo Muzenza “[...] é um grupo que tem um método definido. Tem uma escola já fundamentada”557 e sua sistematização quanto escola está registrada inicialmente no vídeo- documentário: “Muzenza: Uma Filosofia de Vida” (MUFV), que foi lançado em 2000 pelo grupo e que contém princípios básicos da Escola Muzenza. Mestre Carson observa que “[...] cada escola tem seu fundamento. Pra isso, por sua vez vai influenciar no tipo de jogo, na maneira”558 de praticar a capoeira.

Tudo o que rodeia a educação institucionalizada é fruto de nossa própria história de sociedade em suas mais variadas ramificações (política, econômica, etc.). As concepções sobre a educação também fazem parte dos caminhos tomados pela humanidade em sua incansável procura de cultura e conhecimento.559

Nesta incansável procura de cultura e conhecimento a escola surge como um meio para facilitar tal intuito. De modo geral, a escola, conceitualmente falando, é uma instituição concebida para o ensino de alunos sob a direção de professores. A maioria dos países tem sistemas formais de educação, que geralmente são obrigatórios. Nesses sistemas os estudantes progridem através de uma série de níveis escolares e sucessivos.

Os nomes para esses níveis nas escolas variam por país. Nesses termos, o grupo Muzenza “enquadra-se” na maioria desses parâmetros a qual citei, como uma escola de capoeira. Possui sua estrutura e sistemática de ensino, porém, não formaliza um sistema formal de educação. Por outro lado, os alunos que participam voluntariamente da escola Muzenza de Capoeira progridem através de uma série de níveis sucessivos, dos quais chamamos de graduação (aluno, graduado, monitor, instrutor, professor, contra-mestre e mestre).

Desta feita, o que trarei a seguir será um pouco desses fundamentos que a Escola Muzenza ensina como elementos constituintes para a formação dos seus alunos- jogadores- muzenza. Nesse caso, começarei tratando dos elementos que compõem o repertório dos golpes

556 (SCHECHNER, 2012, p. 105)

557 Trecho da entrevista cedida por Mestre Carson, no dia 16 de fevereiro, em Maricá – Rio de janeiro. 558 Idem

559 C.f em MACIEL LEÃO, Denise Maria. Paradigmas Contemporâneos de Educação: escola tradicional e escola construtivista. Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho/1999, p. 188. Fonte: <www.scielo.br/pdf/cp/n 107/n107a08.pdf>.

e movimentos do jogador-muzenza. As composições de arranjos que são estabelecidos no jogo do GMC, de modo geral, partem dos conteúdos basilares desta escola, tema que se verá na próxima construção textual (escrita e imagética), onde serão mostrados alguns conteúdos que o capoeirista-muzenza aprende e pratica como fundamentos.

Esses conteúdos-fundamentos apresentam-se mais claramente por meio do jogo na roda e são restaurados no treinamento na academia. Eles são capacidades somáticas organizadas na forma de uma gestualidade, tomando a função de princípios de uma “gramática corporal” que dinamiza o diálogo corporal do jogo da capoeira.

Então, os princípios, o aparato que fundamenta a base do GMC, são frutos do bom senso e de muita pesquisa do idealizador do grupo, como já vimos acima. Esses conteúdos legitimam o grupo quanto escola e, principalmente, quanto características que podem evidenciar traços, gestos e arranjos que compõem a leitura “gramatical corporal” de um capoeirista-muzenza, num jogo de capoeira.

Como já visto anteriormente o jogador do Grupo Muzenza é avaliado por várias formas, porém, principalmente pelo Exame de Graduação. Assim, destacarei alguns conteúdos exigidos pelo exame para mostrar estes aparatos e também para expor alguns conteúdos do vídeo-documental: “Muzenza: Uma Filosofia de Vida”. Nele são exigidos desse jogador junto aos processos de avaliação. É uma escola que possui a capoeira como filosofia, ou seja, significa dizer que ela

[...] trata de princípios calcados nas características e no contexto da capoeira destinados a interpretar a ordem e a natureza dos fatos da história dessa arte- luta, buscando desvendar as funções simbólicas estabelecidas nas diversas formas históricas e formar um acervo através de adoção, exclusão ou reformulação daquelas funções de conformidade com os esquemas e os sistemas simbólicos contemporâneos.560

Nesses termos, a filosofia do grupo Muzenza é calçada na busca do desenvolvimento do nível técnico, teórico e didático-pedagógico da capoeira como arte, luta, cultura, profissão e filosofia de vida, procurando valorizar os verdadeiros Mestres antigos como representantes autênticos da manifestação cultural genuinamente brasileira. E mais, o intuito é de contribuir para a formação de novos profissionais da capoeira, baseado no respeito, na disciplina, socialização e na liberdade de poder se expressar como cidadão na sociedade. Além disso, o

GMC procura transmitir ainda aos seus seguidores a capoeira como arte-luta e manifestação de um povo que se expressa através da liberdade e de tradições.

Assim, desses conteúdos que o vídeo-documentário “Muzenza: Uma Filosofia de Vida” possui, abordarei aqui destacando os golpes e as movimentações que trata dos traços, gestos e arranjos para o jogo da capoeira que o grupo tem performado. Também acrescentarei outros que já estão na atualidade do repertório básico, pois de 2000 para os dias de hoje atualizou-se. Na tentativa de facilitar está descrição optarei por tratar da descrição com imagens que os próprios capoeiristas da Muzenza cederam a esta pesquisa, durante os “ensaios- treinos”561.

Outra observação: apesar do conteúdo que se apresentará ser focado diretamente ao aspecto da capacitação do jogador apresento os fundamentos operacionais do corpo que dialoga na capoeira, assim, buscando apresentar o que está presente nele, em vez de determinar o modo como o capoeirista deve executar os golpes ou movimentos. Ou seja, na capoeira não existe “dono da verdade”. O que quero dizer é a questão de estilo, maneira de fazer. E como se sabe estilo é algo muito polêmico e escorregadio de se discutir na capoeira. Por fim, como se sabe, este estudo trata dos elementos do jogo da capoeira do Grupo Muzenza do polo da Marambaia,