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3 PROPRIEDADES DO CONCRETO

3.2 Propriedades do concreto no estado fresco

3.2.1 Trabalhabilidade

De acordo com a ASTM C125-03, define-se trabalhabilidade co- mo a energia necessária para manipular o concreto fresco sem perda considerável de homogeneidade. O ACI, por sua vez, define trabalhabi- lidade como facilidade e homogeneidade com que o concreto fresco seja manipulado desde a etapa de mistura a acabamento final [ACI116R-00]. Neville (1997) apud Granville (1947) apresenta uma definição mais quantitativa do termo trabalhabilidade e descreve a mesma como o trabalho necessário para garantir máxima compactação do concreto. Ob- serva-se que essa definição considera apenas a etapa de adensamento do concreto e não as etapas de mistura, transporte e acabamento considera- dos nas definições apresentadas inicialmente.

Independente dos termos e definição utilizada, nota-se que a tra- balhabilidade é relativa à aplicação desejada ao concreto. Logo, um mesmo concreto pode ser considerado trabalhável para ser empregado, por exemplo, em fôrmas com baixa densidade de armadura, e não traba- lhável para ser empregado em fôrmas de alta densidade de armadura.

Diante do exposto, no presente trabalho, a trabalhabilidade será considerada como a facilidade de manuseio do concreto em seu estado fresco, ou seja, lançamento, adensamento e acabamento, e manutenção de sua homogeneidade.

Uma vez que o concreto necessita de uma determinada mobilida- de e, ao mesmo tempo, homogeneidade para que seja considerado traba- lhável, nota-se que a trabalhabilidade trata-se de uma propriedade com- posta. De acordo com Mehta & Monteiro (2008), a trabalhabilidade a- presenta pelo menos dois principais componentes, sendo eles:

• Fluidez – descreve a facilidade de mobilidade do concreto; • Coesão – descreve a resistência à exsudação e segregação;

Uma vez que a trabalhabilidade consiste em uma combinação de fluidez e coesão, o método mais adequado de determinação dessa pro- priedade seria através de ensaios reológicos, ensaios de dois pontos13

13 São denominados ensaios de dois pontos os ensaios que por meio de duas medidas explicam

a trabalhabilidade do concreto, por exemplo, o ensaio reológico que define os valores de visco- sidade e tensão de escoamento [DOMONE, 2008].

, que pudessem quantificar a viscosidade e tensão de escoamento do con-

creto. Todavia, tais métodos apresentam técnicas muito sofisticadas e de elevado custo o que dificulta a aplicação e aceitação destas em obra [AÏTCIN, 2000].

Dentre os métodos mais empregados em campo para a determi- nação quantitativa da trabalhabilidade do concreto destaque pode ser dados aos ensaios de abatimento de tronco de cone e o slump-flow. Este fato deve-se a relativa simplicidade na execução de ambos os ensaios.

De acordo com a NBR NM 67:1998, oprocedimento de ensaio de abatimento de tronco de cone consiste no preenchimento de um molde tronco cônico em três camadas, cada uma das quais apiloadas unifor- memente vinte e cinco vezes com haste de aço padronizada. Uma vez preenchidas as camadas, o molde é erguido de forma firme, sem torção ou deslocamento lateral, num intervalo de 2 a 5 segundos. O abatimento do concreto será dado pela altura que a massa de concreto se deslocou em relação aos 300 mm de altura do molde. Destaca-se que, caso ocorra desmoronamento ou a parte superior esteja muito fora de nível, torna-se necessária a realização de um novo ensaio.

No que tange ao ensaio slump-flow, faz-se uso do mesmo molde tronco cônico, todavia este é preenchido sem a realização de qualquer tipo de compactação. O resultado do ensaio é dado pela média aritméti- ca de duas medidas perpendiculares do diâmetro de espalhamento do concreto [DOMONE, 2008].

O ensaio de slump-flow é utilizado para concretos de fluidez ele- vada, ou seja, concretos auto-adensáveis, pois o ensaio de abatimento, para concretos com abatimento acima de 200 mm, apresenta baixa sen- sibilidade conforme apresentado na Figura 14 [DOMONE, 2008].

Cabe destacar que, apesar de amplamente utilizado, o ensaio de abatimento não é uma boa medida de trabalhabilidade, pois este mede a facilidade de adensamento do concreto por ação de seu peso próprio, ou seja, não reflete as condições dinâmicas que o concreto está sujeito du- rante sua aplicação [MEHTA & MONTEIRO, 2008].

Mesmo não medindo a trabalhabilidade, Mehta & Monteiro (2008) e Neville (1997) destacam que o ensaio de abatimento é um bom indicativo da consistência ou das características de fluidez do concreto. Além disso, o ensaio de abatimento é conveniente para controlar a uni- formidade na produção do concreto uma vez que é bastante sensível à variação das propriedades dos materiais [POPOVICS, 1994]. Entretanto, uma vez que há uma baixa correlação entre resistência à compressão e abatimento do concreto [SHILSTONE, 1988 apud MARTINS, 2005], este ensaio não deve ser empregado como único parâmetro de controle

da qualidade do concreto. Fatores como teor de ar incorporado, tempera- tura de mistura e tempo de transporte também devem se considerados.

Figura 14 – Relação entre o ensaio de abatimento e slump-flow [Adaptado de DOMONE, 2008].

Apesar das críticas realizadas quanto à influência do operador, neste caso, o motorista do caminhão betoneira, nos resultados do ensaio de abatimento, Popovics (1994) apresenta resultados de um estudo da variabilidade deste ensaio e comprova que o operador, adequadamente treinado, apresenta uma pequena interferência (cerca de 8,3 %) quando comparado com o efeito da variação das propriedades dos materiais na composição do concreto (cerca de 86,1 %). A parcela restante de 5,6 % de variação é atribuída a erros aleatórios de amostragem. Tais resultados indicam que o ensaio de abatimento pode ter o efeito do operador redu- zido, quando este for treinado adequadamente e conscientizado da ne- cessidade de realização do ensaio como prática de controle de qualidade do concreto.

A importância da trabalhabilidade do concreto está intimamente ligada ao desempenho observado em seu estado endurecido. Concretos aplicados com uma trabalhabilidade adequada permitem adensamento mais eficiente e conseqüentemente que o concreto atinja sua resistência potencial em função da redução dos vazios no seu interior [NEVILLE, 1997].

Na Figura 15a, é apresentada a relação entre a massa específica relativa14 e a resistência relativa15

Figura 15 do concreto. Neste, nota-se que a pre- sença de vazios, sejam estes provenientes de ar incorporado ou espaços vazios existente devido à problemas de adensamento, é responsável por uma redução considerável na resistência do concreto. Na b, é apresentada a redução percentual no módulo de elasticidade e resistência

14

Relação entre a massa especifica real de um concreto e a massa especifica desse mesmo plenamente adensado [NEVILLE, 1997];

15 Relação entre a resistência de um concreto parcialmente adensado e a do concreto plenamen-

à flexão do concreto devido à presença de vazios resultantes de adensa- mento inadequado.

(a) (b)

Figura 15 – Importância da trabalhabilidade adequada no concreto: (a) efeito do adensamento inadequado na resistência à compressão [NEVILLE, 1997]; (b)

efeito do adensamento inadequado no módulo de elasticidade e resistência à flexão [KOSMATKA, 2003].

Além da quantidade de ar aprisionado, fatores como o consumo de água, consumo e tipo de cimento, propriedades dos agregados, uso de aditivos e adição, afetam a trabalhabilidade inicial do concreto [MEH- TA & MONTEIRO, 2008; NEVILLE, 1997; GUIMARÂES, 2005]. Aïtcin (2000) ressalta que, no ponto de vista da reologia do concreto, tais fatores podem ser divididos em dois grupos: aqueles relacionados ao esqueleto dos agregados e ao comportamento reológico da pasta de ci- mento.

No que tange ao esqueleto dos agregados, os principais fatores que podem ser citados são a relação agregado/cimento, distribuição gra- nulométrica e forma dos agregados. Além destes, destaca-se a proporção entre as frações de agregado graúdo e agregado miúdo do concreto, bem como composição de agregados miúdos naturais com de britagem.

Neville (1997) destaca que a influência dos agregados sobre a trabalhabilidade diminui com o aumento do teor de cimento e possivel- mente desaparece com relação agregado/cimento baixas.

No que tange à reologia da pasta de cimento, esta é dominada principalmente pela relação água/aglomerantes. Quanto mais alta é esta relação, maior é o espaço físico entre as partículas e conseqüentemente menor o atrito interno, ou seja, menor é o efeito no abatimento do con- creto [AÏTCIN, 2000]. É importante observar que concretos com eleva- da relação água/aglomerantes apresentam uma maior tendência de exsu- dação e segregação em função da redução da coesão da mistura.

Em se tratando de cimentos de maior finura, observa-se a redução da fluidez da mistura e aumento de coesão, para uma mesma demanda de água, em função do aumento da superfície específica do cimento.

Conforme citado no item 2.3.3, estima-se que quase cerca de 100% do concreto produzido em central faz uso de pelo menos um tipo de aditivo. Soma-se à estes o uso de adições na produção do CDC. As- sim sendo, a influência destes materiais na trabalhabilidade inicial do concreto deve ser considerada.

Quanto às adições, no caso das pozolanas, Guimarães (2005) e Mehta (2008) indicam que a utilização destas apresenta tendência de redução da exsudação e aumento da fluidez do concreto. No caso das adições inertes, como é o caso do fíler, a mesma tendência é observada.

No que tange aos aditivos, para uma demanda de água constante, a incorporação de aditivos redutores de água, seja este plastificante ou superplastificante, contribui para o aumento da fluidez do concreto. A mesma afirmação pode ser feita para os aditivos incorporadores de ar. Contudo, Neville (1997) destaca que a incorporação de ar resulta em aumento de trabalhabilidade mais significativo para misturas ásperas e pouco trabalháveis. Na Figura 16, é apresentada a redução da demanda de água devido à incorporação de ar.

Figura 16 – Redução da demanda de água devido à incorporação de ar [NE- VILLE, 1997].

Além dos fatores associados ao esqueleto granular, reologia da pasta de cimento e materiais utilizados, Soroka (2004) e Kosmatka (2003) destacam o efeito da temperatura na trabalhabilidade do concre- to. Tais autores indicam que um aumento de temperatura de 10°C neces- sita de ajuste do consumo de água de 5,0 l/m3 a 6,0 l/m3 de modo que a trabalhabilidade do concreto seja mantida constante. Além disso, rela- tam que este aumento do consumo de água seja responsável por uma redução de resistência de cerca de 12,0% a 15,0%, caso a relação a/c não seja corrigida. Na Figura 17, é apresentada a relação entre a demanda de

água e o aumento de temperatura para concretos com a mesma trabalha- bilidade.

Figura 17 – Relação entre demanda de água e o aumento de temperatura para concretos com a mesma trabalhabilidade [KOSMATKA, 2003]. Em se tratando de centrais de concreto, este efeito deve ser consi- derado uma vez que a produção de concreto, neste caso, pode estar submetida a diferentes condições climáticas ao longo do ano. Assim sendo, pode-se observar variações de trabalhabilidade inicial sem que exista necessariamente variação no proporcionamento e tipos de materi- ais utilizados.

Como as propriedades dos agregados e materiais cimentícios também afetam a trabalhabilidade inicial do concreto, é de extrema im- portância que as centrais realizem verificação destes de modo identificar eventuais variações de produção. Uma vez identificada, a central pode efetuar correções na composição dos concretos produzidos e evitar in- convenientes nas propriedades do concreto, ou ainda, entrar em contato com os fornecedores de modo a obter material de qualidade controlada.

Em vista da necessidade de transporte do CDC da central à obra, é de extrema importância que a trabalhabilidade inicial, apresentada ao longo deste item, possa ser obtida não apenas após a mistura do concre- to, mas sim mantida durante o maior intervalo de tempo possível. A propriedade que estabelece a perda de consistência do concreto com o passar do tempo é definida como perda de abatimento e será apresentada no item que segue.