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6. PACIENTES E MÉTODOS

6.7. Trabalho de campo

No planejamento da ação de rastreamento no ano de 2005, foram utilizadas como instrumento de informação as fichas médicas individuais para identificar e quantificar a população alvo inicial, ou seja, mulheres com idade igual ou superior a 12 anos. Por meio destas fichas foi elaborada planilha contendo os seguintes dados: número de registro (RG), nome, etnia, data de nascimento e aldeia que foram organizadas por polos. Optou-se por incluir mulheres nesta faixa etária devido à precocidade de início da atividade sexual e atipias citológicas já observadas anteriormente em mulheres muito jovens. O planejamento e organização das informações foram fundamentais no desenvolvimento do trabalho.

Elaborou-se programação referente à ação de rastreamento contendo data, local da viagem, material e suporte necessário que foi encaminhada ao Xingu com 45 dias de antecedência. A equipe de campo foi responsável por comunicar as aldeias, via rádio, dar apoio logístico e definir as pessoas que ajudariam na ação. O suporte dos AEI, AIS e mulheres indígenas foi imprescindível em todos os momentos do trabalho.

Como a maioria das aldeias no Xingu situa-se próximas aos rios, as viagens foram realizadas de barco. Comumente, essas viagens tinham duração de quatro a cinco dias para ser possível visitar os locais no mesmo curso do rio. A equipe percorreu todas as aldeias conforme programação e, dependendo da distância entre elas, pernoitava para concluir o trabalho. Após esse período, retornavam ao polo para organizar o próximo percurso, reabastecer com mantimentos, materiais e insumos, sucessivamente, até completar o itinerário previsto. Nessa etapa do trabalho foram visitadas 35 aldeias nas áreas de abrangência dos Polos Pavuru, Diauarum e Wawi em período de um mês.

Participaram dessa ação a enfermeira responsável pelo planejamento, uma aluna de graduação do curso de enfermagem da UNIFESP, além do apoio da equipe de campo. Como a maioria dos AEI e AIS eram do sexo masculino, seu trabalho restringiu-se na mobilização das mulheres, fazer tradução quando necessário, organizar o espaço de trabalho e ajudar no preenchimento de fichas. Durante o exame ginecológico retiravam-se do local por solicitação das indígenas. As

mulheres que exerciam função de AIS puderam acompanhar e ajudar na realização do procedimento, sob autorização da paciente.

Grande parte das localidades dispunha de posto de saúde e estrutura mínima de atendimento como maca, mesa, cadeira, armários, insumos e medicamentos básicos. Este espaço era adaptado aos padrões culturais indígenas sendo construído de forma rudimentar utilizando madeira e palha. Atualmente, com a melhoria da infraestrutura em grande parte das aldeias, os postos de saúde estão sendo construídos em alvenaria e equipados para o atendimento básico à saúde.

Em outras aldeias, geralmente recém construídas, distantes ou pequenas, que ainda não havia local específico para atendimento, o ambiente de trabalho foi improvisado nas casas da própria comunidade. O exame ginecológico, na ausência de maca, foi realizado em mesas, bancos ou até mesmo em redes (figura 3). Como foco de luz foi utilizado lanterna com fixação na cabeça do examinador. A adaptação do local pela equipe possibilitou oportunizar o exame ao maior número de mulheres.

Figura 3. Exame ginecológico realizado na aldeia e adaptado na rede Fonte: Pereira, ER

Durante o atendimento, cada paciente foi orientada quanto ao procedimento. Aquelas que não realizaram o exame no mês de outubro foram avaliadas em novembro e dezembro de 2005 na primeira oportunidade de retorno da equipe de saúde às aldeias.

As comunidades visitadas receberam orientações da equipe de saúde sobre prevenção do câncer do colo uterino, por meio de conversas realizadas nas aldeias, nos cursos de formação dos AIS, no módulo de saúde da mulher e no Encontro de Mulheres Indígenas que acontece anualmente no PIX (figura 4).

É importante lembrar que, pelo fato da coleta ser realizada em condições adversas, o material foi armazenado em local seguro e protegido para evitar depósito de artefatos de poeira e contato de insetos que pudessem prejudicar a qualidade do exame. As lâminas foram encaminhadas pela própria pesquisadora ao Laboratório de Citopatologia do Departamento de Ginecologia da UNIFESP para processamento e leitura.

Figura 4. Observação do colo do útero por mulher da etnia Ikpeng Fonte: Projeto Xingu

Com os resultados dos exames citopatológicos, o laudo original foi arquivado no prontuário e a cópia entregue às pacientes. A devolutiva dos exames foi demanda das mulheres do Xingu, que gostariam de saber o resultado e tê-lo em mãos. Esta prática, desde então, passou a fazer parte da rotina de rastreamento nos anos subseqüentes, contribuindo de certa forma para aumentar a confiança das mulheres indígenas na equipe de saúde.

A segunda etapa do trabalho ocorreu em fevereiro de 2006 e consistiu na ação de colposcopia por apoio matricial com participação de médica ginecologista do NUPREV/UNIFESP e enfermeira responsável pelo trabalho em campo. Essa equipe partiu de São Paulo com destino à Goiânia, por via aérea, munida de materiais e aparelho colposcópico. De Goiânia percorreram 12 horas de ônibus à cidade de Canarana, Mato Grosso, de onde embarcaram em aeronave monomotor rumo ao PIX.

As mulheres indígenas que apresentaram atipias nos resultados dos exames citopatológicos foram organizadas em planilhas e distribuídas por polos, facilitando a logística do trabalho. Aquelas com idade superior a 45 anos tiveram indicação de fazer uso de estrogênio, via oral, 10 dias antes do exame. A programação foi encaminhada à equipe de campo que organizou o serviço e garantiu remoção das pacientes das aldeias aos polos Pavuru, Diaurum e Wawi.

O aparelho colposcópico utilizado foi da marca DF Vasconcelos com lentes de aumento de 6 a 40 vezes, filtros azul e verde. Como fonte de energia utilizou- se motor gerador à gasolina. A média de permanência da equipe em cada polo foi de três dias, tempo suficiente para concluir o trabalho. Foi realizada biópsia dirigida por colposcopia quando houve indicação. Todas as pacientes submetidas ao procedimento foram orientadas, não havendo recusa. Os materiais foram organizados na sala de ginecologia da Unidade Básica de Saúde (UBS) dos polos. Os AEI e AIS foram fundamentais na organização e conversa com as mulheres indígenas. Também foi oportuno, pois puderam conhecer e aprender mais sobre o procedimento. A descrição do exame colposcópico foi realizada em impresso próprio e arquivada no prontuário das pacientes.

Em maio de 2006, após resultados dos exames anatomopatológicos da biópsia colpodirigida, programou-se a terceira etapa do trabalho para tratamento por meio da excisão da zona de transformação por cirurgia com ondas de radiofreqüência (CORAF). Da mesma forma, foi elaborada e encaminhada programação para equipe de

campo no PIX contendo nome das pacientes que seriam submetidas a tratamento cirúrgico e orientações. Nesta ação foram necessários dois aparelhos de colposcopia, da mesma marca descrita, e duas unidades geradoras com eletrodos para realização da CORAF.

Outra equipe composta por três médicas ginecologistas do NUPREV/UNIFESP, um médico e uma enfermeira do Projeto Xingu seguiram o mesmo itinerário até a cidade de Canarana-MT. As pacientes que haviam indicação de cirurgia foram removidas dos Polos Pavuru, Diauarum e Wawi por via aérea e fluvial. Realizaram exames pré-operatórios com exames de coagulação sanguínea, tempo de sangramento (TS) e de coagulação (TC), exames sorológicos para hepatite B e C, sífilis e HIV e teste de gravidez com dosagem de gonadotrofina coriônica (Beta- HCG), bem como o tratamento das vaginites infecciosas e atróficas e uso de estrogênio, naquelas com indicação. Foi estabelecida parceria com o município que cedeu espaço no seu ambulatório. Em contrapartida a equipe da UNIFESP realizou atendimento de duas munícipes com indicação de CORAF.

Optou-se por não realizar o procedimento cirúrgico no Xingu pelo fato de ser observado, nessas mulheres, intercorrências como excessivo sangramento do colo do útero após excisão da zona de transformação por ondas de radiofreqüência. E, neste contexto, havia retaguarda hospitalar, caso necessário. Após a cirurgia as pacientes permaneceram na CASAI de Canarana, retornando à aldeia sob alta médica. Todas foram acompanhadas por familiares que foram orientados quanto ao procedimento e cuidados no pós-operatório. Dois casos foram encaminhados para tratamento cirúrgico, conização clássica e histerectomia, em São Paulo no HSP/UNIFESP por se tratar de suspeita de lesão invasora de maior gravidade.

As informações desta ação foram documentadas e os resultados dos exames anatomopatológicos das peças cirúrgicas foram arquivados no prontuário. As pacientes submetidas às cirurgias foram acompanhadas pela equipe de ginecologistas do NUPREV no PIX, a cada seis meses, por um período de dois anos, sendo submetidas à colheita de citologia oncótica cervicovaginal e colposcopia, com biópsia quando necessário. Após este período, aquelas que não apresentaram alterações nesses exames, foram seguidas por citologia oncótica anual, até o presente momento.

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