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2.5 A prestação de favores e a generosidade como hatitus do lugar

2.5.6 O trabalho na casa de farinha

Também acompanhamos o trabalho numa casa de farinha (Anexo 6), fato pouco comum para o mês de abril, naquela região. Mas devido à grande estiagem, alguns plantadores de mandioca faziam suas colheitas nessa época. O trabalho na casa de farinha é muito distinto do trabalho realizado antigamente.

Principalmente no tocante à mão-de-obra utilizada, pois hoje se faz necessário remunerar financeiramente as mulheres que realizam as tarefas de

descascar e retirar a tapioca59, o que assinala para um menor poder de coesão da

freguesia, uma vez que, conforme declarara uma informante, nos tempos da fartura não havia essa forma de pagamento. Esse encontro foi importante, na medida em que possibilitara traçar a ‘história’ do movimento da freguesia.

Durante o trabalho, cada uma das informantes ia relatando casos que assinalavam certa regularidade do movimento, bem como suas mudanças ocorridas no decorrer do tempo, sendo que algumas delas podem ser percebidas no depoimento a seguir:

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Na casa de farinha, a gente fazia tudo junto. Eu, antes de primeiro, antigamente era assim, por exemplo: uma pessoa arrancava mandioca, meu compadre ou meu irmão rancava mandioca, aí, ninguém pagava a outra pessoa não. Chamava as irmãs, as colegas, as amigas que todo mundo tinha, ia rapar e tirar; cada quem rapava e tirava pra si. Não tinha esse negócio, que hoje faz é pagar e a tapioca fica toda para o dono da mandioca. E tudo lá é para o dono da mandioca, a pessoa ganha só um dinheirinho que não dá nada. Naquele tempo, era fartura pra todo mundo, o dono da mandioca tinha fartura e os vizinhos, os parentes e todo mundo ficava com as casas cheias de tapioca e beiju. Era mesmo, naquele tempo, porque agora não é mais, não Era bom demais o mutirão na casa de farinha. Levantado de madrugada, de primeiro o povo num dormia que hoje dorme, terminava de rapar já era tarde. Aí, tirava de madrugada, duas horas, três horas ia coar aquela tapioca, quando terminava de coar, aí, ia rapar mandioca de novo. Meio-dia, na hora de tirar, era que escorria aquela tapioca. E agora já fazia tudo de noite. Quando amanhecesse o dia se quiser já faz beiju. E naquele tempo, no meu tempo que pai rancava mandioca era assim; não dormia, não; era sofrimento, mais era bom demais, era animado. Ninguém tinha preguiça. Hoje em dia o povo não tem mais coragem como antigamente. Era bom demais aquele tempo na casa de farinha, ou tudo que o povo ia fazer, mas hoje, não (Evaci, 56 anos).

As mulheres presentes permitiram que realizássemos filmagem, além de cantarem a roda e soltaram alguns versos. A mandioca era de um morador da Rua do Jacaré, mas encontrava-se na casa de farinha de um proprietário do bairro Mansambão 2. Assim, conseguimos continuar mapeando a dimensão da freguesia, pois na limpeza da mandioca estavam representantes da freguesia de diferentes ruas do município.

Identificamos que a prática da freguesia passou por algumas modificações ao longo dos anos, mas não temos a medida e as conseqüências de tais mudanças. Sabe-se apenas que a entrada do registro nos cadernos não é suficiente para se

fazer uma análise histórica das práticas que envolvem a freguesia60.

Uma diferença elementar entre as listas das quais tivemos acesso é que quando se referem aos partos, as atividades da freguesia são mais intensificadas, acontecendo sistematicamente dia após dia da semana e, esporadicamente, aos domingos. Quando se referem à situação pós-operatória, essa atividade é mais fluída e menos sistemática, sendo as roupas lavadas com intervalos de dois ou três dias, mas mesmo assim não nos sugerindo um menor comprometimento do grupo. A justificativa das informantes foi que recém-nascido suja maior quantidade de roupas, ou na linguagem nativa, mais ‘panos’ e, portanto, sua necessidade diária de roupa limpa é maior.

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Durante a vivência em campo, foi possível localizar uma lista de 1981, mas pudemos identificar nas conversas que o ‘caderninho’ vem de décadas anteriores, havendo relatos de trocas entre as mulheres que não foram registradas formalmente numa lista, apenas nas relações de trocas entre si.

Não foi possível precisar quando, mas percebemos que os rituais da freguesia foram se modificando com o tempo. O registro em caderno não aparece em todos os períodos de existência da prática. No trabalho de campo, o registro mais antigo obtido foi de 1981. Porém, nas conversas, pôde-se perceber que o ‘caderninho’ já existia em décadas anteriores. Há também relatos de se ir ‘buscar os panos’ sem a mulher ter realizado qualquer registro em cadernos. Nos depoimentos, o argumento é de que não precisavam, pois elas não se esqueciam e a freguesia funcionava normalmente.

Enfim, a freguesia se apresenta como uma co-divisão das atividades advindas do processo de reprodução social, na qual a permanência, a continuidade, a participação e a autogestão são garantidas por essas mulheres, utilizando diferentes estratégias de organização e troca de experiências, gestadas entre várias gerações. Assim, com um arsenal de dados coletados, outra tarefa se impôs: traduzir essa realidade e fazer dela uma reflexão sobre o modo como as mulheres trabalhadoras rurais escolheram ser e estarem no mundo. Para isso, as técnicas e métodos de pesquisa foram os grandes instrumentos para a captação da realidade, para, desse modo, podermos elevá-la à categoria de saber científico.

CAPITULO III

O Gênero da “Freguesia”: mulheres, reciprocidade e reprodução.

Apresentaremos a seguir a análise e discussão dos dados, explorando algumas categorias emergentes do universo objetivo e subjetivo da prática da freguesia em São Gabriel.

De posse de um rico e denso material etnográfico, realizamos um exercício reflexivo, visando à construção de uma compreensão sócio-antropológica acerca das práticas de organização social de mulheres e sua relação com o evento da reprodução (social e biológica).

O ponto de partida, como já delineado acima, foram as entrevistas e as narrativas, recortadas a partir das memórias presentes na história de vida e na trajetória da prática da freguesia de mulheres trabalhadoras rurais que participaram da rede. Assim, buscamos lançar luz sobre dado ethos cultural e, também, sobre determinados sentimentos de pertença e filiação, que sugerem um imperativo de classe, possibilitada por uma divisão social geográfica, e por uma relação de gênero que, em certa medida, concorre para a formação da freguesia.

3.1 - Freguesia como ‘coisa de mulher’

A prática da freguesia já traz em si um delimitador das relações de gênero, percebido por meio de seus códigos e disposições hierárquicas dos corpos, da divisão sexual do trabalho e da esfera doméstica. Sendo assim, o grupo de mulheres evidencia lugares e ocupações distintas de mulheres/homens, que ocorrem para a cristalização de uma identidade grupal, calcada nos arbitrários culturais/locais.

Essa distribuição de papéis e alocação de sujeitos nos remete a uma discussão ainda mais complexa na abordagem da freguesia, o que sugere uma relação entre público e privado. Essa complexidade apresenta-se no momento em que a idéia do doméstico é ampliada pelas condições em que as trocas são

estabelecidas e evidenciadas. Assim, a esfera doméstica se constitui como o reduto

de poder, de sabedoria61 e, habilidade feminina, que é reproduzida e vivida na e

para a rede. Nessa divisão, os afazeres domésticos, a reprodução social, os cuidados e os serviços relacionados à proteção estão dados, conforme Bourdieu (1998) e Gouveia (2007), como ‘únicas’ possibilidades concretas no cumprimento do papel e da condição feminina, cabendo ao homem o trabalho fora, seja no espaço público ou no sustento da família. Aspectos que articulam os discursos das

informantes Mirailde62 e Vicência63, conforme veremos abaixo. Mirailde que relata

sua experiência durante uma roda de conversa no quintal de sua casa, onde participaram nove mulheres; e, Vicência que o faz durante uma entrevista individual, também, no quintal de sua casa.

[...] o meu (marido) levantava, eu sabia que trabalhava no Corta-Asa, só fazia pegar o cavalo arreá e ir embora e me deixava, quem cuidava de mim era minhas irmãs, por causa que ele...., quando minha irmã chegava é que ia fazer café e dar a meus filhos. (Mirailde, 51 anos)

Logo quando eu comecei a trabalhar assim como ‘dona-de-casa’, pode dizer que dona-de-casa, com 11 anos. Que tinha minhas irmãs mais velhas, as minhas irmãs, uma casou, foi embora pra São Paulo, a outra casou e foi pra sua casa. Aí, ficou eu e outra irmã minha. E essa outra irmã minha, ela não gostava de fazer assim as coisas de dentro casa, logo era mais nova que eu. Aí, eu ia pra... minha mãe arrumava as bacias de roupa eu ia mais as mulheres [...]. As mulheres diziam: “ou mas já vai essa menina! Essa daí vai ser uma dona de casa de primeira, porque deste tamanho com 11 anos, já vem pro rio com uma bacia de roupa; lava bem lavada, lavava igualmente nós e leva toda limpinha pra casa.” Aí, terminava de lavar tudo e nós botava para enxugar... aí, as roupas secavam. Elas iam pegando as delas. Eu ia, elas pegam as delas, eu ia pegava as minhas também dobrando e botando dentro da bacia. Ai na hora que terminamos todo mundo e vamos embora. [...] Chegava em casa com a bacia de roupa pra mãe olhar. Mãe olha que eu não sei como que está porque este tanto de roupa, só de homem, de roupa de mulher só tinha eu e ela, a roupa minha e dela. Tá bom, não tem problema não, a gente vai aprendendo é assim. De outra vez você já vai e lava mais bem lavada do que essa. (Vicência/Mucinha, 57 anos)

A ‘naturalização’ dos espaços, presente nos depoimentos das mulheres, assinala percepções e práticas historicamente legitimadoras de comportamentos femininos e, relacionalmente, de masculinos. Acadêmicas e militantes têm centrado

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Essa sabedoria à qual nos referimos diz respeito à receitas, dicas, orações, superstições, ervas, práticas e cuidados; estes que são trocados nos momentos dos eventos da freguesia.

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Mirailde - é natural de Alagoinha, chegou a São Gabriel aos 14 anos e há treze mudou-se para o povoado do Caroazal, Na entrevista apresentou relatos de sua freguesia, quando morava na Rua do Jacaré na sede do município de São Gabriel.

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Vicência – é natural de Utinga/BA, moradora do bairro Mansambão 2.

suas atenções para essas questões e lutas travadas no campo simbólico e político dos papéis masculino e feminino, que são formas elementares de classificação e organização do mundo.

O segundo depoimento, selecionado acima, ostenta a socialização da menina para o trabalho de “dona-de-casa”. Etapas de sociabilidade primária que a direciona para o trabalho – não a qualquer trabalho, mas ao trabalho doméstico – considerado de mulheres, tais como, lavar e passar roupas, executar as tarefas “bem feitas”, o que corresponde a roupa bem lavada e bem passada. Para que o esforço seja reconhecido, é necessário que, desde cedo, a socialização possa respeitar as etapas da lavagem de roupa, ir à fonte ou cacimba com sua mãe, ou acompanhando as demais mulheres, pode garantir a socialização de importantes aprendizados: ensaboar os panos, esfregar até soltar toda a sujeira, colocar no molho, ter o cuidado de não misturar roupas coloridas e brancas, pois ‘as de cor soltam tinta’ e as brancas deverão de ser ‘quaradas’; ou seja, ficar expostas ao sol; e de preferência, embebê-las em anilina, para fazer desaparecer o aspecto amarelado; passar e depois respeitar as costuras, no momento da dobra.

O significado das atividades de lavar e passar, no universo do trabalho doméstico, tem todo um sentido hierárquico. Maria de Fátima Lopes (1983), ao estudar a passagem da condição de camponesa para de assalariada, por mulheres trabalhadoras rurais da cana-de-açúcar, constrói uma classificação e uma hierarquização dos trabalhos realizados dentro do universo da casa. Em tal classificação, para as mulheres, a lavagem de roupa é a mais pesada e difícil no universo das atividades domésticas.

Nesse sentido, a relação da freguesia conta com códigos próprios. Atitudes que parecem ‘espontâneas’ e ‘naturalizadas’ são profundamente regradas, a partir de um princípio de conduta moral do comportamento feminino, a exemplo, o cuidado com as roupas, desde a confiança de adentrar a casa alheia e pegar as roupas, os cuidados com a lavagem, até a forma de sua entrega. Tais comportamentos estão sujeitos a olhares e sanções do grupo, como nos revelam as informantes Maria Zélia e Olga:

[...] eu não tinha experiência, pois na minha terra não tinha este uso, como eu já falei a trouxinha da mulher foi sem passar... (Maria Zélia, 60 anos)64.

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Este depoimento foi dado durante o primeiro levantamento de campo, em janeiro de 2005. A entrevista aconteceu na residência da informante.

[...] Tudo que eu recebi era tudo bem feito. Agora aqui já tinha pessoas que eu tinha cisma de fazer porque tinha umas que falava – Ave Maria, fulana lavou uma roupa pra mim que num coube no guarda roupa. Botei em cima. Dessa pessoa eu tinha medo e eu lavava e se num tiver bem lavado, você bota amanhã para outra lavar [...] ou dizia: gente, tua roupa eu trouxe, mas deixa pra abrir de noite na luz do candeeiro, pois ninguém vai vê (Olga, 44 anos).

Diante dos critérios simbólicos que regem as normas da freguesia, o grupo elabora formas de sanções para aqueles que não ‘cumprem’ com o acordo firmado entre suas parceiras. Esse ‘acordo’, como ressalta Durkheim (2004), refere-se a um contrato simbólico que deve ser conhecido e compartilhado por todos. Um verdadeiro código moral dinamicamente re-significado por meio do processo de socialização.

Os códigos contribuem para legitimar um grupo e seus interesses, possuindo uma coesão e um destino que lhe são próprios como comunidade:

O meu marido, nos resguardos, sempre eu engravidei, ele não deixava mais eu pegar água, era água de cisterna de 80 palmos e aí ele já tinha as duas latas e amarrava as cordas, botava um pau no ombro e carregava as lata. Também tudo que precisasse fazer no meu resguardo Machado fazia [...]. Ele fazia comida, se precisasse de lavar algum pano ele lavava. Agora se uma pessoa visse ele fazendo se aporrinhava e tomava 65 [assumia os afazeres domésticos] (Clarice, 60 anos)66.

Como disse a Janice, eu comecei de pequena, porque eu era quem tomava o encargo da casa de mãe todinha. (...) Porque mãe ia para roça e quem ficava dentro em casa era eu. (...) E tinha a velha Zumira, que tinha uns meninos desse tamaninho e ela carregava pro meio da roça pra quebrar mamona e eu dizia: “deixa esses meninos aqui em casa.” Respondia a senhora: “Deixo não; já tem menino demais.” Num tem nada, melhor ficar aqui do que você levar pra roça (Olga, 44 anos).

O meu [marido] carregava água os trinta dias todinho. E só botava água, os maridos tudinho. E o meu também só botava água (Nercina, 65 anos)67. Assim, essas mulheres trabalhadoras rurais desenvolveram códigos e disposições para perceber, sentir, fazer e pensar em prol de um ‘bem-estar’ coletivo, que em certa medida, remete à sua posição e identidade de gênero, o que concorre para uma divisão da esfera doméstica/privada/íntima e os outros espaços sociais.

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A entrevistada sinaliza que as regras da freguesia não são deterministas e, portanto, abre uma condição para a participação masculina, embora o grupo exerça um ‘olhar’ de censura sobre essa atitude.

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Os depoimentos de Olga, Clarisse e Janice foram dados numa conversa coletiva durante a fase do campo ocorrida em abril de 2005. A entrevista aconteceu na sala da residência de Janice.

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Depoimento obtido em entrevista coletiva realizada em abril de 2007, no terreiro da casa de Tio Olavo.

Para refletirmos sobre a gênese da freguesia, no contexto sócio-cultural de São Gabriel, recorreremos aos Ensaios sobre a dádiva, por pressupor que se trata

de formas e razões de trocas recíprocas que envolvem valores e sentimentos, como

confirma Mauss, (1950, p. 185):

As coisas têm ainda um valor de sentimento para além do seu valor venal, supondo a existência de valores que sejam apenas deste gênero. Não temos senão uma moral de mercadores. Restam-nos pessoas e classes que mantêm ainda os costumes de antigamente e quase todos nós nos sujeitamos a eles, pelo menos em certas épocas do ano ou em certas ocasiões.

Essa relação troca/dom experimentada/vivido na rede da freguesia enfatiza expressões de trocas manifestadas por aquilo que não possui valor de mercado/produção. Todavia, circula na comunidade como um bem-valor maior, a dádiva. O espaço doméstico constitui-se em um lugar emblemático para instaurar essa negociação, porque há a existência de um vínculo particular entre a dádiva e a mulher como ressalta Godbout (1999). É essa relação que nos propomos problematizar.

3.2 - Entre o fazer doméstico e o sujeito mulher: a instauração da dádiva

A dádiva pressupõe uma troca de bens que jamais é acertada, assim como a dimensão do que é trocado. Caso haja uma equivalência entre os valores ou favores, têm-se uma quebra no sistema que institui a troca, ou seja, há a ‘morte da dádiva’. O espaço doméstico, reduto por excelência das mulheres, representa um lugar onde essa relação é naturalizada, em detrimento do valor de gratuidade, de doação e de proteção, associados culturalmente à mulher. Essa relação tende a se intensificar quando se tem em jogo o evento da reprodução, como é o caso da freguesia.

A freguesia nos ampliou a possibilidade de entender, dentro do mesmo espaço, como mulheres pobres vivenciam coletivamente as responsabilidades com a maternidade. E, nos deu indicações a respeito da construção de solidariedade

entre elas e outros sujeitos. Em particular, o diálogo instituído entre os estabelecidos e os outsides presentes na rede.

Pode-se entender a freguesia como troca numa relação de reciprocidade: “uma das rochas humanas sobre as quais estão erigidas nossas sociedades” (MAUSS, 1925, 2003, p. 189). Assim, ela atribui à obrigatoriedade moral, instaurada pela dádiva, um papel instituidor da sociedade e, também, até mesmo um fator de ‘humanização’ nas relações do grupo. Da mesma forma, a obrigação do ‘dar’ na freguesia instaura-se baseada nos valores morais, sobretudo nos vinculados à família, que aparecem como centrais e normatizadores na vida dessas mulheres:

[...] ali na minha rua, quando um adoece, vai todo mundo ajudar. (...) Após Efigênia [sua filha] ganhou neném ali esses dias e não faltou roupa lavada dois meses. Castora [outra filha] ganhou também, e as minhas vizinhas, que tanto as pessoas que eu lavava, tudo lavou. (Clara, 60 anos)68

Eu fazia pras mulheres e faço até hoje e continuo fazendo. Na hora que uma ganha neném, eu lavo também, porque, tem hora que agente não precisa mais. Tô ‘ligada’ [ligação das trompas], não preciso mais, mas tem os filhos da gente. [...] Tem hora que tem uma filha dentro de casa e ganha neném, como aconteceu com a minha ganhou neném, aí, trinta dias e eu não peguei num pano pra lavar que o povo tudo lavava. (Valdira Nunes, 47 anos)69

Eu tava dizendo que as mulheres aqui do Mansambão quando ganhavam os meninos era obrigado a gente dá uma carreira pra chegar antes de acabar de ganhar o menino. Porque se deixasse ganhar quando chegasse já tinha três meses, não achava mais roupa pra lavar (Alice, 62 anos e Arcina, 58 anos) 70. Para além da obrigatoriedade moral, a rede evidencia uma ansiedade em retribuir o que se deve. Preferencialmente, nos primeiros trinta dias do repouso pós- parto, uma vez que esses dias demandam maiores cuidados tanto com a mãe, quanto com a criança.

Lavei muitos anos para as mulheres. Tem 24 anos que eu liguei, mas nunca deixei de lavar, caso que eu não lavo eu dou o sabão e visito o povo, e ainda lavei de agrado mais15 anos. [...] Teve um tempo mesmo, no tempo que fiz a ligação, que do parto cesárea liguei. As mulheres lavaram pra mim cinco meses, cinco meses. [...] que eu lavo, lavei para Joset, pra Neura não lavei mais dei sabão, as meninas aqui de comadre Guiomar, as que não lavo eu dou o sabão. E assim é nesse bolino aqui nessa rua

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Depoimento obtido em conversa coletiva realizada no quintal da casa de Adolfina, com cinco irmãs: Clara, Albertina, Lora, Vanderlina e Adolfina.

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Depoimento obtido em conversa coletiva com nove mulheres, realizada no quintal da casa de Mirailde, povoado de Caroazal.

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Os depoimentos de Alice e Arcina foram obtidos em conversa coletiva, realizada em abril de 2007, no terreiro da casa de Tio Olavo.

nossa. [...] Ave Maria eu ia buscar duas trouxas de roupa, tem vez de trazer duas trouxas merimã. (Arcina, 58 anos)

Tem umas [freguesas] que chegavam na casa da gente, como uma amiga. Um dia ela chegou em casa e eu não estava, que eu tinha ido pro médico,