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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.3.6. O Trabalho como Produtor de Conflitos

Depois de discutir os aspectos que estão relacionados aos conflitos familiares que geram reflexos sobre o trabalho, nesta subcategoria destacam-se os conflitos presentes no trabalho que incidem sobre as questões familiares (OLTRAMARI; GRISCI, 2014).

Os casais entrevistados não identificam, em sua maior parte, grandes conflitos no ambiente de trabalho. A maior parte do incômodo dos entrevistados está associado a sobrecarga do trabalho, visualizado com um fator que consome a energia do indivíduo e têm por consequência o reduzido envolvimento com a família (HIGGINS; DUXBURY; IRVING, 1992). De acordo com o E12, o cansaço com o trabalho o deixa sem vontade de fazer qualquer coisa em casa:

Estresse, cansaço no final do dia, fico estressado, fico preocupado, fico desanimado, porque acaba sobrando muita coisa para mim. Porque não é tudo que eles conseguem fazer, não é tudo que eles sabem fazer. [...] Chego em casa cansado, acabado, não tenho vontade de fazer nada, não tenho vontade de ir na academia, não

tenho vontade de fazer compra, não tenho vontade de fazer nada. Eu quero chegar em casa, deitar e dormir (e12)

A sobrecarga com o trabalho vem acompanhada de outros fatores, mencionados pelo entrevistado, como o estresse, esgotamento físico e emocional, preocupação e desânimo. O efeito deste conjunto de problemáticas é a fragilização e o esvaziamento das relações familiares (HOCHSCHILD, 1997). Esta sobrecarga aparece também nas falas dos entrevistados 08, 13 e 17:

No meu trabalho é produção, muito repetitivo lá, e assim, tem muita cobrança também, e às vezes a gente acaba ficando um pouco sobrecarregado (E8)

Eu acho que o que me pesa é a carga horária, que eu acho que a minha carga horária é bem puxada, porque eu chego em casa, na hora que eu chego, e tem que estar sempre estudando, então voltei para a aula de inglês 2 vezes por semana à noite, e professor tem que estar sempre se atualizando, então eu acho que está puxado para mim depois de todos esses anos (E13)

A gente está sofrendo muito com falta de funcionário, foi dispensado os aposentados, foi feito plano de incentivo para eles saírem e não foi contratado outros. Então acaba que o serviço tem que ser feito da mesma forma, só que acaba sobrecarregando os que ficaram (E17) Nestas falas, a sobrecarga com o trabalho também está relacionada à diminuição do número de funcionários na empresa e a cobrança ao nível de produção. O E10 fala do seu envolvimento contínuo em grupos de WhatsApp da empresa, o que mantém o funcionário preso à dinâmica do trabalho para além do seu horário de serviço (WILLIAMS, 2010). A fala do entrevistado se destaca, principalmente, pelo fato da sua área estar envolvida em sete grupos de conversa diferentes, e a comunicação destes grupos geram reflexo direto sobre o trabalho que será realizado no próximo dia. Mesmo que a entrevistada tenha evitado se comunicar nos grupos, ela acompanha a troca de mensagens para estar consciente do que está acontecendo:

Eu até comentei com o meu marido, porque agora essa onda de WhatsApp, as empresas têm usado muito isso, só que você acaba não se desligando do trabalho, porque eu saio do trabalho só que eu estou em sete grupos dentro da empresa, sete grupos! Porque tem o grupo da mercadoria, o grupo de estoque, o grupo do buffet. Então toda

hora tem mensagem. Toda hora... Às vezes a conversa não é diretamente comigo, mas eu sempre tenho que estar de olho pra ver o que que está acontecendo (E10)

Para o E12, os conflitos do trabalho se acentuam sobre as relações familiares pelo fato de sua empresa ser familiar. Assim, ele e sua esposa, bem como seu filho, trabalham o dia todo junto e qualquer conflito gerado no ambiente de trabalho é trazido para o ambiente familiar ao final do expediente. É possível supor, embora seja uma única evidência, que os casais dual career que atuam em conjunto possuem maior dificuldade de gerenciar os domínios trabalho e família no que tange aos conflitos. Embora haja uma ideologia que busca historicamente separar as esferas público e privada (HABERMAS, 2003), este casal vem tornar evidente o quanto estas esferas estão interconectadas:

A família está dentro do negócio, então a família inteira está dentro do negócio, influencia, porque a gente está lá brigando no trabalho, quando chega em casa a gente está brigado do mesmo jeito. Eu fiz serviço errado, ela já fica brava. O Mateus fez serviço errado, eu já fico bravo. Chega em casa, o bico está do mesmo jeito, não separa, porque vem junto, não tem como. Deu um esporro lá em mim, eu chego em casa e estou bravo ainda. Eu vou fazer o quê? Não dá para separar, abrir a porta “ficou lá fora”. O pessoal fala “você tem que deixar para fora”. É fácil falar para quem não está no negócio, que não está no meio da parada (E12)

O entrevistado 15, que também trabalha com seu cônjuge, reforça essa dificuldade:

O que eu vejo de maior dificuldade é só a questão da administração de tempo quanto a trabalho e família (E15)

O entrevistado 08 menciona uma dificuldade associada ao ambiente de trabalho em virtude do seu trabalho ser noturno. Há uma incompatibilidade entre os seus horários e os da sua esposa. Assim, ao estar presente em casa durante o dia, ele acaba deixando seu horário de descanso de lado para ajudar nas tarefas domésticas. Nota-se, de forma geral, que as demandas do trabalho são grandes estressores nas relações familiares. Parece não haver um equilíbrio tão evidente entre as esferas trabalho e família a partir destes relatos.

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