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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.3.11. Trabalho ou Carreira?

Esta subcategoria busca apresentar as visões dos entrevistados a respeito dos conceitos de trabalho e carreira. Conforme foi discutido na literatura, tradicionalmente os estudos de dual career buscam separar os casais que constroem carreira daqueles que simplesmente mantém um trabalho (BENENSON, 1984; HUGHES, 2013; VIERS; PROUTY, 2001). Foi pontuado que esta visão não contribui para a compreensão da carreira e suas interfaces na relação conjugal, uma vez que traduz o conceito a partir de uma retórica que privilegia determinadas profissões, que são mais bem vistas socialmente (PIXLEY, 2009).

Ademais, a partir da ótica socioconstrucionista, advoga-se a favor da compreensão das carreiras como trajetória do indivíduo no mundo do trabalho, independentemente da atividade profissional, do nível de renda ou posição hierárquica. A carreira seria, portanto, a narrativa que o indivíduo constrói e reconstrói continuamente a respeito das suas experiências significadas enquanto ‘trabalho’ (BLUSTEIN; SCHULTEISS; FLUM, 2004; COHEN; DUBERLEY; MALLON, 2004; RIBEIRO, 2014).

Assim, foi reiterado o reconhecimento dos casais dual career como os casais em que ambos os cônjuges trabalham. Isso foi importante, inclusive, para determinar o perfil dos casais entrevistados.

A partir das falas dos entrevistados foi possível reconhecer uma distinção entre os conceitos de trabalho e carreira. O trabalho é muito mais associado à atividade corriqueira, cotidiana, que independe de formação ou especialização, e que está desprovido de um pensamento voltado ao crescimento profissional, assim. A ideia de carreira está mais vinculada a um projeto de vida envolvendo um trabalho significativo para o sujeito, visando o desenvolvimento profissional (GILBERT; RACHLIN, 1987). Isso é visto, por exemplo, nas falas do E2, E3 e E4:

Eu acho que quando você fala trabalho, você fala de qualquer tipo de trabalho, trabalho desde um garçom, pedreiro, vender alguma coisa, e isso é um tipo de trabalho que quando as pessoas se submetem a esse trabalho, não necessariamente elas estão pensando em crescer nesse trabalho. [...] Eu acho que quando a gente pensa em carreira, a gente pensa na construção de um trabalho que envolva estudo, e que alinhado a esse estudo você cresça e atinja outros cargos (E2)

Trabalho é você trabalhar naquela rotina todo dia, entra e sai, trabalhando naquela rotina. Agora plano de carreira é pensar no futuro, crescimento (E3)

Todo mês faz lá aquela mesma coisa, chegou no final do mês, recebeu e assim vai indo, não tem aquela estratégia de mudança, é sempre aquilo ali mesmo, passa ano, entra ano é a mesma coisa. Já a carreira não, a pessoa está querendo correr atrás, querendo se aprofundar mais no conhecimento de crescer naquilo que eles estão almejando e seguir em frente (E4)

Para o E8, o trabalho representa o sustento do indivíduo. Portanto, vincula-se à ideia de sobrevivência no mercado de trabalho. O trabalho não necessariamente significa aquela atividade que o indivíduo deseja fazer, mas que é necessária. A carreira traz consigo, a partir

dos relatos, uma ideia de projeto futuro que o indivíduo almeja e que implica em uma atividade profissional prazerosa (TRYON; TRYON, 1982). A fala de diversos entrevistados reforça essa visão:

Trabalho é uma coisa que o ser humano necessita para o sustento. Agora carreira é aquilo que você gosta de fazer, que você planeja tudo. Hoje em dia às vezes o trabalho não é aquilo que a pessoa programou como uma carreira (E8)

Trabalho é o que a gente está fazendo atualmente assim, e carreira é aquela construção, é aquela jornada (E9)

O trabalho eu acho que é a rotina né. A rotina, trabalho, você ir lá e bater o ponto, fazer o que você tem que fazer, eu acho que o trabalho é isso. E a carreira é isso que ele falou, é sempre você pensar naquilo que você pode estar construindo futuramente (E10)

Meu trabalho é a minha carreira, é o que eu faço durante o dia no processo do meu trabalho é a minha carreira de trabalho que eu levo durante a minha vida (E12)

Trabalho é minha atividade do dia a dia. Carreira são as etapas que eu vou cumprindo ao decorrer da minha vida (E14)

Às vezes você precisa de um trabalho para chegar na sua carreira. Então vamos dizer, precisa trabalhar em alguma coisa para conquistar alguma coisa que você precisa, ou ter recursos para que você consiga atingir uma carreira. Não sei se eu fui clara. Eu vou trabalhar de fotógrafa, porque eu quero pagar uma faculdade de administração (E15)

E carreira pode referir a algo que você queira seguir, algo que você queira futuramente, ter uma carreira. O trabalho pode ser algo que você está fazendo agora, mas não a carreira que você queira seguir (E17)

Os entrevistados reproduzem a visão objetiva de carreira (HUGHES, 1958). Para eles, o próprio trabalho desenvolvido diariamente não está ancorado em uma concepção de carreira. O E18, inclusive, afirma que não possui carreira, mas somente um trabalho. Nesta visão, o trabalho parece ser esvaziado de significado (GILBERT; RACHLIN, 1987). Contudo, os relatos parecem retratar uma visão equivocada de carreira (HUGHES, 1958).

Ao mesmo passo que os entrevistados se distanciam da ideia de carreira, eles compartilham seus interesses profissionais sobre múltiplas formas. Isso é visto, por exemplo, quando a maioria diz que deseja investir na educação como forma de alavancar seu desempenho profissional. Também é observado quando eles falam a respeito de crescer na empresa, mudar de trabalho ou atuar de forma independente.

Nenhum dos entrevistados mencionou estagnação total no que diz respeito ao trabalho. Há projetos, iniciativas voltadas ao planejamento e o interesse no crescimento profissional. Mais que isso, os casais dual career compartilham entre si esse planejamento de carreira e vivem juntos os projetos de cada um dos cônjuges. Por isso, embora a construção de carreira não seja tão evidente para estes casais, os preceitos que envolvem a carreira (HUGHES, 1958) se mostram presentes nos relatos dos entrevistados.

É preciso, como foi observado, romper com a visão tradicional de carreira que sustenta que o “garçom” ou “pedreiro” não é visto como trabalho com significado e inserido em uma trajetória de carreira (HUGHES, 1958; RIBEIRO, 2014). Deste modo, tanto o conceito de carreira quanto de dual career pode ser mais inclusivo e menos elitizado.

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